Nesta quarta-feira (5) completam dez anos desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em uma votação de 10-0, equiparar os direitos de casais homoafetivos aos direitos de casais heterossexuais e reconhecer como família a união entre dois homens ou duas mulheres e os filhos do casal.
No Brasil, 73.859 mil casais LGBTQIA+ formalizaram a união nos últimos dez anos, desde quando o Brasil entrou para a lista de países que reconhece a união civil entre pessoas do mesmo sexo.
Entre 2011 e 2020, o número de registros de união estável de casais homoafetivos passou de 1.531 para 2.125, e o de casamentos, de 3.700, para 8.472 um aumento de 28% e 138%, respectivamente, segundo levantamento da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg).
Em 2018, o número de casamentos LGBTQIA+ teve uma alta de 61% em relação a 2017, com uma influência política: a eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Desde que era deputado federal, Bolsonaro faz comentários homofóbicos e chegou a dizer que ‘’preferia ter um filho morto do que um filho gay’’.
Decisão do STF não virou lei
Ao reconhecer a união de pessoas do mesmo sexo, o STF abriu as portas para uma série de outros avanços favoráveis à população LGBTQIA+: o casamento, em 2013; o nome social para pessoas trans, em 2016; a criminalização da homofobia e da transfobia, em 2019; e a permissão para doar sangue, em 2020.
O advogado Saulo Amorim, presidente da Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas (Abrafh), no entanto, faz uma ressalva:
“Todas essas decisões foram tomadas pelo Poder Judiciário, e não pelo Legislativo, portanto, não são leis e nem direitos conquistados. O que temos hoje são direitos garantidos para a população em geral e que foram estendidos para nós, LGBTQIA.”
Saulo Amorim
Saulo também explica que a decisão da Suprema Corte foi um avanço. Mas avalia que a conquista mesmo será quando houver um Congresso Nacional sensível a essa parcela da população e que transforme essa decisão judicial em lei, que altere o Código Civil e edite leis que deixem claro que não existe diferenciação entre as famílias brasileiras’.
Cada vez mais casais homoafetivos dizem “sim”
Em 2011 quando o STF reconheceu a união civil, o número de registros triplicou em relação ao ano anterior: se em 2010 apenas 576 casais assinaram a união em cartório no Brasil, em 2011 foram mais de 1,5 mil.
Em 2020, o país registrou 2.125 uniões estáveis entre casais do mesmo sexo, aumento de 38% em relação a 2011, quando esse direito foi assegurado.
O número de casamentos direito ratificado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2013 teve um aumento bem mais expressivo que a união estável, de 127% desde que foi reconhecido. Em 2013, 3,7 mil casais disseram “sim” em cartório; em 2020, último ano completo calculado pela Anoreg, foram 8.472 casais.
O que mudou com a decisão do STF
Há dez anos, a decisão do STF foi lida pelo então ministro Ayres Britto, designado relator da ADPF 132, que pedia que o Supremo analisasse a constitucionalidade da união estável entre duas pessoas do mesmo sexo. Na ocasião, ele argumentou que a Constituição veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor. Portanto, ninguém pode ser diminuído ou discriminado por conta da orientação sexual.
Saulo, da Abrafh, e Maria Berenice Dias, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e advogada especialista no direito de famílias homoafetivas, casais de dois homens ou duas mulheres que quisessem tornar a união oficial antes de maio de 2011 tinham poucas opções:
- assinar uma escritura pública de parceria civil, equivalente a um contrato de sócios, para resguardar os direitos do casal em relação a bens materiais;
- mover uma ação judicial pedindo o reconhecimento da união estável, o que dependia da interpretação de um juiz e podia levar algum tempo para ser aprovado — isso só começou a acontecer poucos anos antes do reconhecimento pelo STF, a partir de meados de 2005.
“Os Tabelionatos de Notas registravam uniões como sociedade de fato, mas sem caracterizar família, pois não havia a autorização do STF”, explicou Ana Paula Frontini, diretora do Colégio Notarial do Brasil e porta-voz da Anoreg.
Problemas mesmo depois da decisão
Mesmo depois do reconhecimento pelo STF, nos primeiros anos depois de 2011, muitos casais enfrentaram problemas para assinar a união estável, explica Saulo. “Eles chegavam ao cartório pedindo para reconhecer a união, e os agentes do cartório não tinham informações sobre isso ainda. A primeira resposta era sempre ‘não, não fazemos união estável entre pessoas do mesmo sexo'”, conta.
“Por falta de orientação do CNJ, quando encontravam um cartório que topasse fazer o registro, pediam uma lista de documentos absurda, muito maior do que a exigida para casais heterossexuais. Temos relatos de casais que tiveram que apresentar até laudo médico atestando que eles estavam em plenas faculdades mentais”.
Saulo Amorim
Com informações do Uol