
O Wall Street Journal publicou, nessa segunda-feira (4), uma reportagem alertando para o risco do coronavírus no Brasil, citando o país como o novo epicentro da pandemia do mundo. Com o título “Coronavírus devasta o Brasil, uma terra mal equipada para combatê-lo”, o texto analisa o tamanho da crise no maior país da América do Sul diante de casos de infecção e mortes que já passaram da China, com favelas populosas, poucos acessos testes e um líder que despreza o vírus.
Caos em Manaus
Narrando o caso de Maria Portelo de Lima, 61 anos, moradora do estado do Amazonas infectada pela covid-19, a matéria afirma que Maria foi levada a um hospital da capital amazonense, uma cidade de 2,2 milhões no coração da floresta amazônica. Sua família foi informada de que não havia ambulâncias disponíveis ou leitos de hospital gratuitos devido ao aumento de pacientes. Maria Lima morreu em 26 de abril. Como tantas outras vítimas da cidade, foram necessárias 30 horas para uma ambulância pegar seu corpo. Ela foi enterrada em uma vala comum, e teve seu nome inscrito em uma cruz de madeira ao custo de US$ 22.
Brasil luta para evitar mortes por coronavírus
O jornal norte-americano aponta que o coronavírus, que havia concentrado sua fúria mais fortemente nos países mais ricos, agora começa a massacrar o Brasil. Segundo a reportagem, por aqui os números já ultrapassaram aqueles registrados na China, a origem da pandemia, “tanto em casos confirmados, 105.222, quanto em mortes, 7.288, tornando-se o país mais atingido entre os em desenvolvimento”.
O texto segue afirmando que “ao contrário da China, que controlou o vírus por meio de restrições severas, espera-se que as coisas no maior país da América Latina piorem”.
As infecções estão alcançando 5 mil pessoas por dia, e as mortes chegam a quase 500. O periódico afirma haver poucos testes no Brasil e que o número real de infecções pela covid-19 pode ser muito maior do que os dados oficiais.
USP
Considerados os casos subnotificados, um estudo da Universidade de São Paulo (USP) projetou que o número total de infectados pelo coronavírus no Brasil chegaria a 1.201.686 (podem flutuar entre 957.085 e 1.494.692) em 28 de abril, um número 16 vezes maior que o oficial naquela data, de 73.553, que considera somente doentes graves e mortos (os casos de pessoas que sofreram internação).

A reportagem também cita que o surto ocorre em um momento em que o presidente do Brasil, um cético confesso do coronavírus, briga com governadores estaduais e especialistas em doenças infecciosas. O WTJ relembra que o presidente Jair Bolsonaro demitiu recentemente seu ministro da Saúde, por este defender medidas mais rigorosas
Como exemplos das atitudes de Bolsonaro, o jornal relembra que o presidente brasileiro chamou o coronavírus de “gripezinha” e disse que atletas como ele estariam imunes à doença.
“Ele aglomera pessoas, apertando as mãos e pedindo que as empresas fechadas pelos governadores do estado reabram para salvar a economia”. Perguntado por um repórter na semana passada sobre o Brasil ter superado o número de mortos na China pela covid-19, Bolsonaro deu de ombros e disse: “E daí? Eu sinto muito. O quê você quer que eu faça?”, expôs, na íntegra.

Doença de rico?
Para a publicação, ao ouvir o presidente, alguns brasileiros sentem-se confusos. “As pessoas pensam que o coronavírus é uma doença de ricos, que somente quem viaja o contrai”, disse Claudio Rodrigues Melo, que montou uma cozinha de sopa para vizinhos carentes em uma das áreas mais pobres de São Paulo. “Ou eles acham que isso afeta apenas os idosos, ou mesmo que são fake news, algo inventado pela Rede Globo para fazer o povo duvidar de Bolsonaro”, disse ele.
Retomando o caso de Maria Lima, em Manaus, o diário assinala que esta foi apenas uma das centenas que colocaram a cidade no coração da luta do coronavírus no Brasil. “É um local com poucos leitos hospitalares e serviços de saúde para lidar com esse surto de doença”, diz. A sobrinha de Lima, Rosa Alves, procurou desesperadamente, mas sem sucesso, ajuda à medida que a condição de sua tia piorava. “Nos sentimos humilhados. Pagamos impostos e quando precisamos de ajuda, pedimos e a ajuda nunca chega”, disse Alves.

Prefeitura de Manaus
O texto também aborda abertamente a situação verificada na capital do estado. Manaus enterrou cerca de 140 corpos no dia da morte de Lima, seis vezes a taxa normal, segundo o prefeito Arthur Virgílio. O prefeito, 74 anos, que se descreveu como “estoico” diante de tragédias passadas, chorou abertamente enquanto observava sua cidade natal e seu povo sofrer. Em uma noite recente, ao saber dos enterros em massa na cidade, ele desabou.

“Estou pedindo mais ajuda de Brasília, estamos no nosso limite”, disse Virgílio. “Estamos caminhando para o pico, precisamos da ajuda do governo federal e da comunidade internacional.”
Manaus como epicentro
A rápida disseminação do vírus em Manaus, que é um centro de apoio para turistas americanos e europeus que visitam a floresta, publicou uma nota de atenção para as nações ricas do Hemisfério Norte. Espera-se que o clima quente venha a desacelerar o conflito de vírus com o número crescente de vítimas em uma cidade úmida, onde a alta média de abril foi de cerca de 87 Fahrenheit (30ºC).
“A capacidade de sobrevivência do vírus é menor em um clima quente, mas isso não significa que será menos agressivo ou menos infeccioso”, disse Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em São Paulo, que estuda epidemias.

Fronteiras
As políticas nacionais do Brasil em relação ao coronavírus contrastam com os de seus vizinhos. A Argentina, um país muito menor, que decretou o lockdown há um mês, teve um total de apenas 246 mortes por covid-19. A Colômbia registrou 340 e o Chile ainda menos.
Nesses países existe a preocupação de que os brasileiros espalhem a covid-19 a partir de suas fronteiras. No Paraguai, os soldados cavaram uma trincheira ao longo de uma estrada que entra no Brasil para desencorajar os brasileiros de entrar e potencialmente espalhar o vírus, informou a Associated Press.

“O Brasil me preocupa muito”, disse recentemente o presidente da Argentina, Alberto Fernández, a repórteres, citando o fluxo de tráfego de São Paulo.
Em todo o Brasil, muitos governadores e prefeitos locais adotaram políticas de permanência em casa, apesar da oposição de Bolsonaro. Mesmo assim, do Amazonas aos estados mais ricos do sul, “os que pressionam por medidas duras para manter as pessoas afastadas pela pandemia, parecem estar perdendo a batalha”.
