
O golpe militar que destituiu o presidente Salvador Allende no Chile completa 48 anos neste sábado, 11 de setembro. Allende, um dos fundadores do Partido Socialista, foi eleito em 1970 por meio da plataforma Unidade Popular, que reuniu diversas organizações sociais chilenas em torno de um projeto de reformas de base para o país.
Em apenas três anos de gestão, Salvador Allende nacionalizou as reservas de cobre chilenas, que representam hoje cerca de 30% do mineral disponível no mundo, estatizou bancos, levou adiante uma reforma agrária e ainda propunha a refundação do Estado chileno a partir de uma nova constituição.
Carlos Casanueva Trancoso, militante do Partido Comunista do Chile, afirmou que há 48 anos, com Salvador Allende e a via chilena ao socialismo, o país teve um projeto para construir uma sociedade melhor para os chilenos e as chilenas. “Interrompido por um golpe fascista. O fascismo instaura um sistema que até então era de laboratório, com a teoria dos Chicago Boys do neoliberalismo”, disse.
Em 1973, na metade do mandato, Allende foi morto e deposto pelo golpe comandando pelo general Augusto Pinochet, que estabeleceu um regime militar durante 17 anos no Chile. Apesar da redemocratização em 1990, somente agora em 2021 o povo chileno conseguiu criar os mecanismos, entre eles a instalação de uma Assembleia Constituinte, para elaborar uma nova constituição e abandonar as heranças da ditadura.
O sistema neoliberal, aplicado no Chile, como país modelo para toda a América Latina, gerou uma das sociedades mais desiguais do mundo. De acordo com a Comissão Econômica Para América Latina e o Caribe (Cepal), 1% da população chilena concentra 26% da riqueza, já 66% dos chilenos possuem 2% do capital que circula no país.
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Participação da Austrália no golpe
O National Security Archive, instituição de pesquisa ligada à Universidade de Georgetown, publicou nesta sexta-feira, 10, na véspera do 48º aniversário do golpe, documentos inéditos que revelam a colaboração que a Austrália prestou à CIA para apoiar a intervenção dos Estados Unidos no país.
O Serviço Secreto de Inteligência Australiana (Asis, na sigla em inglês), a pedido da CIA, abriu um escritório secreto em Santiago, capital do Chile, para realizar “operações de espionagem clandestina”, parte do “esforço multinacional para desestabilizar o governo” da Unidade Popular (partido de Allende).
Os espiões só saíram totalmente do país sul-americano após o golpe militar, em 1973, que deu origem à ditadura comandada por Augusto Pinochet, uma das mais sangrentas ditaduras militares latino-americanas da época.
Relembrando o golpe e a morte de Allende
Após intensa campanha de desestabilização do Chile patrocinada pelos Estados Unidos, o Palácio Presidencial La Moneda foi bombardeado, atacado por terra e ar, dando início a uma ditadura militar de 17 anos sob o comando do general Pinochet.
Na manhã de 11 de Setembro de 1973, o presidente Salvador Allende dirigiu sua última mensagem de rádio ao povo chileno. Comunicou que não deixaria o Palácio La Moneda, cercado por terra e ar.
O locutor da Rádio Corporación, emissora sindical, ainda fez um apelo à resistência popular contra o golpe: “Aviões da Força Aérea chilena atacaram o prédio da Rádio Corporación. Isso significa que é preciso contar com lutas em todas as fábricas. Isso significa que todos os sindicatos devem entrar em contato com os cinturões industriais e esses, por sua vez, com a central sindical única CUT, a fim de preparar-se para o que necessariamente virá.
“O importante nesse momento, camaradas, é que o povo esteja unido, venha o que vier! Cada fábrica, cada latifúndio, cada bairro pobre deve transformar-se numa fortaleza popular. Mas temos de manter a tranquilidade, pois somente assim poderemos estar preparados para o que vier. Apesar de tudo isso, temos de manter a cabeça fria e o coração quente.”
Mas quase ao meio-dia , os aviões da Força Aérea Chilena dispararam foguetes contra o prédio. O governo instalado no La Moneda, entre destruição e fogos de incêndio, caiu sob o bombardeio e o cerco militar comandado pelo general Pichochet, seu general da Guerra.
Allende foi encontrado morto no salão principal. Décadas depois, uma investigação atestou suicídio. Nas palavras do juiz Mario Carroza em 2012, Allende, na sala Independência, no segundo andar, “senta-se em um sofá, coloca o rifle que carregava entre as pernas e encosta-o no queixo, ele o aciona, morrendo instantaneamente.”
O que aconteceu antes
Eleito presidente do Chile, Salvador Allende foi considerado uma pedra no sapato dos Estados Unidos, pelas posições socialistas que ameaçavam a violenta hegemonia americana que vinha sendo imposta na região. O Brasil já havia caído em mãos dos militares. A ofensiva contra o Chile começou pela tentativa de inviabilizar sua economia e barrar as reformas pretendidas por Allende.
Para forçar a queda no preço do cobre, principal produto de exportação chilena, os Estados Unidos lançaram as suas reservas de cobre no mercado mundial.
Apesar do cerco, Allende ainda confiava na resistẽncia do Estado chileno e chegou a escrever:
“Um país no qual a vida pública está organizada por instituições civis, as quais se apoiam em Forças Armadas com um elevado grau de formação profissional e permeadas de profundo espírito democrático; um país de quase dez milhões de habitantes que produziu dois portadores do prêmio Nobel de Literatura dentro de uma única geração, Gabriela Mistral e Pablo Neruda, ambos filhos de simples trabalhadores.”
Salvador Allende
No entendo, era ilusório o “profundo espirito democrático das Forças Armadas” que obedeceram as ordens do governo americano de Richard Nixon, de quem também conseguiram apoio logísticoobteve para o golpe, que foi gramado para ocorrer em 11 de Setembro. O motivo era a facilidade de uma comemoração prevista para a data.
O exército estaria concentrado em Santiago para uma celebração chamada “As Glórias do Exército”.
O que aconteceu depois
Imediatamente após o golpe, foi criada uma junta militar composta pelo General Pinochet pelo Exército, o almirante José Toribio Merino pela Marinha, o General Gustavo Leigh pela Força Aérea e o General César Mendoza pelos Carabineros (polícia nacional). A junta suspendeu a Constituição e o Congresso, impôs censura e toque de recolher estritos, baniu todos os partidos e suspendeu todas as atividades políticas e supostamente subversivas. E finalmente entregou a presidência do país a Pinochet.
O regime militar chefiado por ele duraria 17 anos e deixaria pelo menos 40.000 vítimas, incluindo mais de 3.000 mortos, segundo o trabalho realizado por diferentes comissões após o retorno da democracia em 1990.
Chile hoje
O Chile é considerado um dos países mais caros para se viver no continente. Para cobrir gastos básicos mensais, como aluguel, contas de água, luz e comprar a cesta básica alimentar, são necessários US$ 1,2 mil (cerca de R$ 6,6 mil), enquanto o salário mínimo é de US$320 (cerca de R$1,7 mil).
O cenário de desigualdade, somado à privatização dos sistemas de educação, saúde e até o acesso à água, fez com que o povo chileno se levantasse. Em outubro de 2019, durante semanas os chilenos tomaram as ruas das principais cidades do país, numa das maiores manifestações da sua história, reivindicando uma reforma constitucional.
“O que aconteceu em outubro de 2019 foi consequência de um processo de luta de mais de 40 anos contra esse sistema, contra a ditadura de Pinochet, contra o modelo econômico e contra essa constituição fascista que o blindava”, defende Casanueva.
Há dois meses foi instalada a Convenção Constitucional, composta por 155 deputados, a maioria do campo progressista, com paridade de gênero e representação dos 11 povos indígenas nativos do Chile.
“O desafio é desmontar o modelo neoliberal que tem sua estrutura na constituição de Pinochet, nesta constituição de 1980, que os direitos sociais não sejam uma mercadoria, que possamos recuperar os bens comuns naturais estratégicos, como o cobre, o lítio, toda a biomassa marinha e a água, que também estão privatizados. No fundo são demandas por justiça social, por maiores níveis de igualdade”, defende Pablo Sepúlveda Allende, médico, militante social e neto de Salvador Allende.
As primeiras sessões buscaram estabelecer um regulamento e comissões internas do organismo. À medida que avançam em debates como a proposta de reforma da polícia militar chilena, os chamados Carabineros, aumenta a campanha midiática contra o organismo.
Apesar de a chapa de direita “Vamos por Chile” ter eleito apenas 37 constituintes, todas as decisões da convenção constitucional devem ser aprovadas por 2/3 do plenário para ser incluídas numa nova proposta de Carta Magna.
Para ressaltar o caráter democrático do organismo, os deputados já decidiram que todos os assuntos em desacordo serão levados à votação em um novo plebiscito popular. Nessa fase, a oposição ao processo constituinte pode levar adiante uma campanha pelo voto “não”, assim como realizou no primeiro plebiscito popular, mas terminou sem sucesso. O referendo de outubro de 2020 terminou com 80% dos votos à favor da reforma constitucional e desencadeou a criação da Convenção Constitucional.
“Serão os temas fundamentais, como o modelo democrático que queremos, porque obviamente queremos superar a democracia representativa para avançar a uma democracia participativa, vinculante, deliberativa” Sepúlveda Allende.
Além da reforma constitucional, em novembro deste ano os chilenos deverão eleger um novo presidente. Em todos os últimos processos eleitorais, para a Convenção Constituinte e os governos estaduais, partidos de esquerda ou candidatos independentes obtiveram a ampla maioria da votação, enquanto Sebastián Piñera encerra sua gestão com um recorde de 72% de reprovação, de acordo com pesquisa de opinião do Centro Estratégico de Geopolítica (Celag).
Com informações do Brasil 247, Brasil de Fato e MEMO