
O projeto de Lei (PL) que legaliza a grilagem de terras no país está em votação no plenário da Câmara dos Deputados. Os socialistas são contra o PL 2.633/2020 porque na prática o projeto abre caminho para a regularização de áreas públicas invadidas por grileiros e criminosos. Facilita ainda a legalização de invasões onde há comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas.
A proposta aumenta o tamanho de terras da União passíveis de regularização sem vistoria prévia, bastando a análise de documentos e de declaração do ocupante de que segue a legislação ambiental. O tema é alvo de obstrução por deputados de oposição.
O líder da Oposição Alessandro Molon (PSB-RJ) afirmou que o projeto é um “desastre para o país: beneficia criminosos, aumenta o desmatamento e a violência no campo.”
Para o líder da Minoria Marcelo Freixo (PSB-RJ) o “PL da Grilagem só beneficia os criminosos ambientais protegidos por Bolsonaro.”
O deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP) ressalta que “o desenvolvimento da Amazônia não pode se dar nessas bases”.
“Se a preocupação é com desenvolvimento econômico e não com a destruição da Amazônia, temos que debater projetos que promovam o desenvolvimento sustentável da Amazônia”, afirma.
O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) afirma que a regularização fundiária é um grande motor do desmatamento.
“As pessoas desmatam e depois procuram as autoridades para fazer a regularização fundiária. Então, as pessoas só vão regularizar as áreas que elas já desmataram”, afirmou. Para ele, a questão fundiária na Amazônia depende de uma lei de ordenamento territorial.
PL da Grilagem é ‘grave’
Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) o PL “é grave” e “legaliza ocupações fora das normas, abre margem à ilegalidade e beneficia diretamente os grileiros.”
No mesmo sentido, a deputada Joenia Wapichana (RR), líder da Rede e primeira mulher indígena eleita para o Congresso, defende que é preciso seguir justamente o caminho oposto do que pretende o PL da Grilagem.
“[É preciso trabalhar] No sentido de avançar na proteção, na concretização da demarcação das terras indígenas e na regularização fundiária que condiz com a realidade brasileira, mas respeitando o direito de quem está realmente na área. É preciso valorizar o que nós temos de riqueza de biodiversidade com proteção ambiental”, destaca a parlamentar.
‘Péssima narrativa’
“O projeto passa uma narrativa péssima de que pode tudo. Pode ocupar, pode desmatar, que depois o governo vai regularizar. Vai causar mais invasões de terras públicas e mais desmatamento”, avalia Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama entre 2016 e 2018, em entrevista ao Brasil de Fato.
Potencial para anistiar invasores de terras
Um estudo do Instituto Socioambiental (ISA) estima que o PL, defendido pela bancada ruralista, tem o potencial de anistiar invasores de 55 e 65 milhões de hectares de terras da União. Cada hectare equivale ao tamanho de um campo de futebol. A grilagem, segundo a entidade, aumentou 274% entre 2018 e 2020 no Brasil.
Cavalo de troia da grilagem
O “PL da grilagem” é uma versão mais moderada da Medida Provisória (MP) 910/ 2019, proposta do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Sob intensa pressão de ambientalistas, a matéria “caducou” após não ter sido votada no prazo pela Câmara.
Ambas as iniciativas estendem a invasores regras mais flexíveis de regularização fundiária, já válidas para pequenas propriedades que não produzem impacto ambiental significativo.
Ao passar de MP para PL, o potencial danoso ao meio ambiente da proposta foi atenuado. Mas, segundo Araújo, trata-se de uma estratégia para facilitar a tramitação e a inclusão de pontos polêmicos por meio de emendas.
“Atualmente o PL 2633 prevê regras flexíveis para propriedades de até seis módulos fiscais e para ocupações realizadas até 2008. O problema é que ele será usado como ‘cavalo de troia’ para estender isso – na Câmara ou no Senado – para até 15 módulos fiscais e ocupações mais recentes. O que vai sair do Congresso não é essa versão simplificada (do PL), longe disso”, alertou a ex-presidente do Ibama.
A medida de um módulo fiscal varia de 5 a 110 hectares, conforme o município onde está a propriedade. Até quatro módulos, os imóveis são considerados como pequena propriedade; entre 4 e 5, média propriedade; acima de 15, grande propriedade.
“Esse é um PL perigoso e desnecessário, porque as regras atuais já beneficiam os pequenos ocupantes, a agricultura familiar. Não há necessidade de estender a flexibilização. As regras hoje beneficiam ocupações de até 4 módulos, que correspondem a mais de 90% do que precisa ser regularizado”
Suely Araújo
Povos da floresta desprotegidos
O “PL da grilagem” permite ainda que grileiros regularizem territórios invadidos, mesmo onde houver presença de comunidades tradicionais.
Quando um imóvel rural está em processo de regularização fundiária, a Funai, o ICMBio e o Incra podem manifestar interesse sobre a área, se lá estiverem indígenas, quilombolas ou unidades de conservação.
Caso aprovado, o texto vai restringir a atuação desses órgãos, exigindo a apresentação de estudo técnico, no prazo de seis meses, que comprove o impacto socioambiental.
“Isso é bastante grave porque, muitas vezes, principalmente terras indígenas e quilombolas ainda estão nas fases iniciais. E não há estudo técnico definitivo que possa comprovar a presença de todos esses requisitos”, diz Juliana Batista, advogada do ISA.
Além disso, a política federal de sucateamento dos órgãos destinados a proteger os povos da floresta pode impedir que levantamentos desse tipo sejam realizados em tempo hábil.
“O estado não tem capacidade técnica e de pessoal para produzir estudos tão complexos em 180 dias, ainda mais de um quantidade de território tão grande”, explicou a advogada.
Regularização do desmatamento
O PL 2633 prevê o conceito de “imóvel em regularização” através do Cadastro Ambiental Rural (CAR), mecanismo autodeclaratório criado pelo Código Florestal de 2012 e já utilizado de maneira fraudulenta por grileiros para forjar a posse de terras. O invasor pode, pela internet, fazer o cadastro da propriedade para tentar validar a situação ambiental do imóvel.
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Segundo um levantamento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), 18,6 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas – que não possuem uso específico pela legislação – haviam sido declaradas de maneira irregular através do CAR até o fim de 2020.
“Defensores do projeto estão dizendo que ele vai combater o desmatamento, por permitir que se localize o CPF do invasor para que ele recupere o dano. E isso é mentira”
Juliana Batista
“Se você aceita que uma área que só tem um CAR – que sequer foi avaliado pelo órgão ambiental – possa ser considerada uma área em dia com as suas obrigações ambientais, não haverá nenhum tipo de segurança que esse invasor que vai receber o título dessa área vai, de fato, recompor esses danos ambientais”, complementou.
Com informações do Brasil de Fato e Agência Câmara