
A notícia relativa à exigência da autorização do marido por alguns planos de saúde para inserção de dispositivo intra-uterino (DIU) em algumas mulheres, com base na Lei do Planejamento Familiar (Lei nº 9263/1996), ganhou destaque na mídia nos últimos dias. A Lei é contestada em ações movidas pelo PSB e pela Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). O plenário da suprema corte deverá analisar a questão no dia 9 de dezembro deste ano.
O debate sobre o parágrafo quinto do artigo décimo da referida lei, o qual prevê que a pessoa casada que queira se submeter ao procedimento de esterilização deve ter a autorização do seu companheiro ou companheira, está trazendo a tona uma série de casos que comprovam que o fato não é uma raridade no nosso ordenamento jurídico.
A estrutura sexista em que estamos inseridos traz essa visão da mulher como uma máquina geradora de filhos à serviço da família, e não como dona seu próprio corpo, assim como a sua disponibilidade para criá-los, em qualquer circunstância, o mesmo não acontece com os homens que, de forma velada, estão legitimados pela sociedade a abandonar seus filhos sem grandes reprovações morais, sociais ou jurídicas.
Origem do amor maternal
Foi somente a partir do século XVIII, em virtude do lugar de destaque assumido pela burguesia, é que este cenário começa a mudar. Por razões econômicas e visando o crescimento populacional, a ideia do amor maternal passa a ser estimulada entre as mulheres, de modo a fazer com que as crias vingassem e pudessem a se tornar mão de obra no futuro.
Percebe-se que a relação entre a mulher e a maternidade, a suposta privilegiada função de rainha do lar, nunca foi algo natural, mas sim uma construção cultural bastante recente com finalidades políticas e econômicas, a fim de que a mulher se mantivesse circunscrita ao ambiente doméstico e assumisse a responsabilidade de perpetuar a espécie.
Comprovação da estrutura sexista
Prova desta organização sexista da sociedade são os dados revelados pela pesquisa realizada pelo CNJ. O estudo revelou que mais de 5 milhões de crianças e adolescentes brasileiros não contam com o nome do seu genitor nos seus registros civis. Por outro lado, em pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (IPEA, 2015), em 2015, constatou-se que 40,5% das famílias brasileiras já eram chefiadas por mulheres, número que certamente vem aumentando dada a complexidade cada vez maior da sociedade.
Segundo Paulo Lobo, especialista em direito civil, o próprio direito é responsável pela perpetuação desta visão sexista da sociedade, na medida em que já nas Ordenações Filipinas a mulher era descrita como fraca de entendimento.
O Código de 1916 não diferia muito ao colocar a mulher em situação de inferioridade ao instituir o poder marital, determinando que ela deveria ser tão obediente ao marido, quanto seus filhos e ainda a impedia de litigar judicialmente sem autorização daquele, logo, sem autonomia.
Constituição de 1988 e a Lei
Somente com a Constituição de 1988 que a mulher passou, teoricamente, a ser considerada sujeito de direito em paridade com homem, já que, até então, este era tido como chefe da sociedade conjugal e o papel da mulher era de mera colaboradora. E, o Código de 2002, já na linha da mais recente Carta Magna extinguiu expressamente qualquer indício de poder marital.
Em 1996, foi publicada a Lei nº 9263, denominada Lei do Planejamento Familiar. Este diploma legal regulamentou o processo de esterilização em seu artigo décimo, onde deixou claro se tratar de um procedimento voluntário e acresceu uma série de disposições. Dentre esta nos interessa tratar do parágrafo quinto que estabelece o seguinte: “Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges.
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Ação do PSB contesta Lei do Planejamento Familiar
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deverá examinar em 9 de dezembro deste ano a Lei do Planejamento Familiar, em vigor desde 1996, que é contestada em ações movidas pelo PSB e pela Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep).
A legislação estabelece, entre diversos pontos polêmicos e controversos, caso o indivíduo seja casado, a esterilização por meio de laqueadura, vasectomia ou “outro método cientificamente aceito” depende do consentimento expresso do cônjuge. Além disso, determina também que a esterilização voluntária só é permitida em homens e mulheres maiores de 25 anos ou com pelo menos dois filhos vivos.
O PSB contesta os limites da interferência do Estado no planejamento familiar. Para o partido, não cabe ao Poder Público se intrometer em questões individuais sobre fertilidade e reprodução, “sendo essa interferência marca típica de regimes antidemocráticos”.
Segundo o PSB, o texto sancionado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, viola o princípio da dignidade da pessoa humana, a liberdade individual e o direito à autonomia privada.
Augusto Aras concorda com o PSB
Em parecer enviado ao STF em agosto do ano passado, o procurador-geral da República, Augusto Aras, concordou com as alegações trazidas pelo partido. Aras apontou que, embora o consentimento expresso do cônjuge seja exigido para todos, independentemente do sexo, na prática as exigências impactam mais as mulheres, principalmente as de baixa renda.
Para o advogado que representa o PSB, Rafael Carneiro, condicionar decisões sobre os direitos reprodutivos à autorização do cônjuge pode significar, na prática, a falta de controle das mulheres sobre o próprio corpo — e a própria vida.
“Essa ação leva ao Supremo uma questão gravíssima: a situação de mulheres que, expostas a gestações indesejadas, são obrigadas a arcar, muitas vezes sozinhas, com todas as consequências de cunho psicológico, econômico e social daí advindas. Essas mulheres não podem decidir sozinhas o que fazer com o próprio corpo, ou seja, se querem ou não ter filhos?”, questiona.
Confira a íntegra da ação inicial do PSB aqui.
Assessoria de Comunicação/PSB Nacional com informações da Veja e do Jota