
A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, nesta quarta-feira (8), que os planos de saúde são obrigados a cobrir apenas o que consta no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o chamado rol taxativo, ou seja, os procedimentos listados como obrigatórios, que os planos teriam que arcar. Com isso, milhares de pessoas poderão ser prejudicadas por falta de acesso a exames, procedimentos ou medicações que não estejam no rol da ANS.
Apesar de admitir exceções, como terapias recomendadas expressamente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), tratamentos para câncer e medicações “off-label”, quando os medicamentos são usados com prescrição médica para tratamentos que não constam na bula, a decisão prejudica milhares de usuários de planos de saúde.
A secretária nacional do PSB Inclusão, Luciana Trindade, enfatiza, ao Socialismo Criativo, o risco de morte a que tantas pessoas serão submetidas em nome do lucro das operadoras.
“Com a aprovação do rol taxativo, muitas crianças, pessoas com doenças raras, autismo e doenças crônicas como as distrofias musculares estão sujeitas a negativa de seus tratamentos pelos planos de saúde. O que significa, na prática, correr o risco de morrer porque não conseguiu fazer uma cirurgia de urgência ou a disponibilização de uma medicação. Saúde não é mercadoria e as nossas vidas não têm preço”, critica a socialista.
Ela mesma teme ser diretamente atingida pela decisão, já que necessita de atendimento hospitalar domiciliar, o home care, por viver com uma doença degenerativa que também traz a necessidade de uso do BiPAP, aparelho para a terapia respiratória que funciona imitando a respiração natural e padrão do paciente.
“Para o Estado, o dinheiro vale mais que a vida”
Luciana Trindade
O problema é que o rol taxativo deixa de fora inúmeros procedimentos necessários, especialmente, em casos de doenças graves e pessoas com deficiência. E essa interpretação restritiva se tornou alvo de entidades de defesa do consumidor e associações ligadas a pessoas com deficiências e autismo, além de pacientes com doenças complexas.
Mais de 49 milhões de pessoas utilizam planos de saúde no Brasil, de acordo com a ANS, o que equivale a cerca de 25% da população do país.
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O julgamento
O julgamento do rol da ANS começou no final do ano passado, mas foi interrompido após pedidos de vista na Corte, que significa sobrestar a sessão de julgamento quando um dos ministros não se sente habilitado para julgar o processo e solicita sua retirada de pauta, para melhor análise.
Seis dos nove ministros entenderam que o rol de procedimentos da ANS é taxativo: Luis Felipe Salomão, Vilas Bôas Cueva, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze.
Para os ministros Nancy Andrighi, Paulo de Tarso e Moura Ribeiro o rol deveria ser exemplificativo, listando a cobertura mínima a ser abarcada pelos convênios.
Durante o julgamento desta quarta, a 2ª Turma do STJ analisou duas ações envolvendo a Unimed Campinas, EREsp nº 1889704/SP e EREsp nº 1886929/SP: na primeira, a seguradora se nega a cobrir o tratamento de uma criança com Transtorno do Espectro Autista e, na segunda, nega Terapia Transcraniana (ETCC) para um paciente com esquizofrenia paranoide.
Em 2021 a 3ª Turma da Corte havia negado as alegações da Unimed Campinas, por entender já que o rol da ANS é exemplificativo. Ou seja, mesmo que um procedimento não esteja na lista, é possível acessá-lo.
Naquela ocasião a Ministra Nancy Andrighi afirmou que “a qualificação do rol de procedimentos e eventos em saúde como de natureza taxativa demanda do consumidor um conhecimento que ele, por sua condição de vulnerabilidade, não possui nem pode ser obrigado a possuir; cria um impedimento inaceitável de acesso do consumidor às diversas modalidades de tratamento das enfermidades cobertas pelo plano de saúde e às novas tecnologias que venham a surgir; e ainda lhe impõe o ônus de suportar as consequências de sua escolha desinformada ou mal informada, dentre as quais, eventualmente, pode estar a de assumir o risco à sua saúde ou à própria vida”, avaliou.
Porém, a empresa interpôs embargos de divergência com base em um julgamento de 2019, em que a 4ª Turma do STJ havia reconhecido a natureza taxativa da listagem da ANS.
O recurso em questão é medida utilizada para uniformizar a jurisprudência dos Tribunais Superiores quanto às controvérsias ocorridas, como no caso em questão em que as turmas votaram em sentidos diferentes.
Embora a medida não tenha caráter vinculante, em que a decisão do STJ serviria de base para decisões futuras sobre o tema, a alteração do entendimento jurisprudencial abre um precedente que poderá nortear decisões em outras instâncias da justiça.
Com informações do Jota e g1