Intolerância e perseguição em meio a jogos de aventura, futebol ou guerra. O professor Ivan Mussa, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), avalia que alguns grupos de gamers estão ampliando discursos de ódio da extrema direita. Ele é autor do “Ódio ao jogo: cripto-fascismo e comunicação anti-lúdica na cultura dos videogames” e destrinchou à Agência Pública como esses grupos são cooptados por extremistas e sua relação com o bolsonarismo.
Em conversa com a Agência Pública, Mussa explica como o fenômeno chegou no Brasil e aproximou a comunidade gamer ao bolsonarismo, transformando o grupo em um de seus principais aliados nas eleições de 2018.
Mas, afinal, o que é cripto-fascismo?
De acordo com Mussa, “é uma estratégia de comunicação de forças políticas fascistas.” Ele conta que após a Segunda Guerra, os fascistas precisaram amenizar seus discursos para evitarem perseguições. Algo parecido aconteceu na indústria dos videogames.
Houve incentivo ao público masculino, explica o professor, e se convencionou que todos os personagens seriam brancos e homens. O que acabou por criar uma “cultura gamer que aceita isso como norma.”
“A partir do momento que vão surgir jogos que vão trazer outros tipos de personagem, isso vai ser entendido por um certo grupo como um choque e os políticos estrategistas de comunicação da extrema direita tentam infiltrar valores fascistas nesse choque”, analisa.
Ele lembra o uso desse padrão por Steve Bannon, ex-assessor do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, que usou a conspiração contra uma programadora, que teve seus dados vazados por um ex-namorado e passou a ser atacada em perseguida, em 2014.
“Falou que aquilo fazia parte de um plano da esquerda para destruir os videogames e colocar mulheres, colocar negros e acabar com a cultura. A partir disso, o sujeito que estava tendo aquele choque pensa “faz sentido, é por isso que estão mudando, eles estão tentando acabar com a nossa identidade”, e aí algumas dessas pessoas vão ser levadas a entender isso como parte do marxismo cultural, que seria uma estratégia da esquerda de mudar a sociedade pela cultura. E aí você entra no buraco do coelho das teorias da conspiração”, afirmou à Pública.
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Fenômeno do Ocidente
Mussa observa que o fenômeno parece ocorrer mais no Ocidente. E acontece porque muitos se veem como tendo uma “cultura superior” e que grupos não se adaptam a ela, como negros, judeus, feministas, e a mídia estaria combatendo isso porque ela é contra esse projeto.
“Se você observar o discurso dos partidos de extrema direita aqui, existe essa idealização da cultura ocidental, que é uma coisa vaga, ninguém sabe dizer o que é. Mas, quando você vai ver o que essas pessoas valorizam, é a família tradicional, as religiões cristãs e uma interpretação muito enviesada do que é esse cristianismo. Tudo que ameaça isso é um complô da esquerda, dos comunistas para tomar o poder”, afirma.
Ele ressalta que é claro que nem todos vão acreditar nesse tipo de discurso, “mas, quando entram as tais máquinas de desinformação, é natural que uma ou outra pessoa acabe caindo e sendo desinformada. Aí ela vai parar em um grupo que tem uma voz muito alta, que é o dos gamers, com uma capacidade de mobilização muito perigosa.”
Comunidade gamer brasileira
Ivan Mussa afirma que embora quase todas as pessoas consumam algum tipo de jogo, especialmente, com o acesso aos smartphones, há o “fã-ativista”, em geral branco, masculino, de classe média ou alta com acesso a aparelhos modernos e caros como PlayStation 5 e Xbox Series X.
“É um ativismo de marca, não só político: tem os “sonystas”, que gostam mais da Sony, e os “caixistas” que gostam mais do Xbox e se dividem em alianças por marcas e jogos específicos. Dentro dessa discussão e linguagem, acabam surgindo as pautas políticas.
Nesse trabalho que fizemos no Metagame [Rede de Pesquisa em Jogo e Cultura Política], nós percebemos que existe uma forte rejeição à ideia de Estado. Nós medimos a rejeição do público gamer a um projeto de lei, o PLS 383, que viria a ser rejeitado, atacado, por esses gamers ativistas. Neste estudo conseguimos mapear esse discurso anti-Estado, do que eles acreditam ser uma ameaça a cultura gamer brasileira”, explica.
Bolsonarismo gamer?
E aí o bolsonarismo aproveita esse discurso contra o Estado.
“Você pode ver que o governo Bolsonaro fez vários anúncios de redução dos impostos sobre games que não abaixaram o preço dos jogos nem dos aparelhos. Nós contamos quatro ou cinco em três anos e meio, para colocar combustível na mobilização desse grupo, porque isso fecha muito com a coisa do consumo. Eles valorizam muito o consumo das marcas e valorizam a pauta contra o Estado. Menos imposto significa mais desenvolvimento dentro da ideologia desse grupo”, analisa.
Mussa afirma que um canal abertamente bolsonarista que foi pesquisado por ele mantém a propaganda pró-governo como se for algo espontâneo.
“De vez em quando eles estão falando que algum produto aumentou de preço e que a culpa é dos impostos, aí trazem de volta as notícias de que o governo baixou o imposto e está lutando contra isso, então vira uma espécie de propaganda subliminar. Se isso está pegando com o público, já é uma pergunta que falta responder”, afirma.
Embora o canal em si aparente ser espontâneo, Jair Renn, o filho mais novo de Bolsonaro tem envolvimento com projetos de games. E Carlos Bolsonaro, sempre evolvido com as redes, “quando tem redução de imposto, sempre faz questão de pontuar e divulgar isso como uma forma de legitimar essa relação com o público gamer”.