As esquerdas brasileiras viveram nos últimos 35 anos experiências múltiplas. Desde uma relativa unidade contra a ditadura até a participação hegemônica, através do PT, em governos nacionais, passando pelos papeis de oposição e situação em governos estaduais e municipais.
Sem dúvida, os anos de 2003 a 2015 sob a presidência de Lula e Dilma, foram os mais significativos.
Por isso talvez valha a pena deitar um olhar um olhar sobre a hegemonia do PT na esquerda brasileira e a nossa derrota representada pelo impeachment de Dilma Rousseff, bem como o renascimento de uma direita com características profundamente reacionárias em nosso país.
Isso não aconteceu por acaso, nem por conta dos “acertos” do governo, como costumam dizer alguns membros do PT e da esquerda.
Arrisco-me nessas notas militantes a especular de forma absolutamente assimétrica, sem metodologia historiográfica ou acadêmica, usando as linhas distorcidas e grossas do expressionismo, a tentar explicar o que me parece ter sido o nosso maior erro: ter perdido o sentido da revolução.
A esquerda que enveredou pela luta armada contra a ditadura nos anos 70 não teve sucesso. Foi massacrada pelas forças militares e policiais. Solenemente ignorada pelo povo. Justificou, inclusive, uma onda repressiva que atingiu outros segmentos das forças democráticas.
Uma outra esquerda, com uma opção estratégica baseada na acumulação de força política, na pressão democrática, e na mobilização pacífica do povo, esta, sim, foi vitoriosa. A esquerda teoricamente vitoriosa, (PCB e aliados) entendia que a ditadura, perdendo terreno nas eleições de 1978 e 1982 e com o crescimento do PMDB seria, finalmente, derrotada politicamente e não derrubada pela força das armas ou de um golpe. E isso ocorreu, de fato. Não como imaginava o PCB, através de uma Constituinte, mas na campanha das Diretas Já e na eleição indireta de Tancredo Neves. Uma consequência da outra.
A distinção entre as visões táticas de “derrubada” e “derrota” da ditadura foi definida pelo sociólogo Luiz Werneck Vianna.
Entretanto, a hegemonia política da esquerda não ficou com as forças que primeiro propuseram a via democrática para derrotar a ditadura. O PCB e seus aliados não souberam, não tiveram força ou não quiseram disputar a hegemonia da esquerda. Talvez sonhassem com uma hegemonia mais ampla, das forças democráticas em geral. É bom que se diga que a via prussiana não era perseguida apenas por Carlos Marighella, pelo PCdoB e por Lamarca. Tinha adeptos inclusive em setores do PMDB. Embora sem ação direta, como os guerrilheiros, alguns setores buscavam laços com os militares nacionalistas provavelmente para um “golpe democrático” e nacionalista.
À medida em que a ditadura perdia terreno, novos partidos surgiam (PT), outros ressurgiam (PTB e PDT) e os partidos comunistas continuavam na ilegalidade formal.
Lula, por exemplo, apareceu para todo o Brasil, fora de São Paulo, na campanha das Diretas Já, que foi uma iniciativa da bancada parlamentar do PMDB na Câmara dos Deputados.
Mas, como para provar que a política não tem de bem-querer, nem prêmios de justiça, os ex-guerrilheiros que se juntaram aos operários e intelectuais ainda, àquela época, radicais, para formar o PT aproveitaram bem uma circunstância do nojo da classe média pela política praticada pelos políticos e partidos tradicionais.
O PT abriu caminho à cotoveladas moralistas, anti-aliancistas e até anti-políticas.
Crescia, porém, nos espaços conquistados pela política de conciliação, compromissos e alianças que tanto rejeitavam. Os quadros do antigo PCB ficaram como os escudeiros do bom senso, fazendo as alianças necessárias com o PMDB e os “300 picaretas do Congresso Nacional”. Enquanto o PT crescia. Perdeu três, quatro eleições. Sempre com candidatura própria. Sempre crescendo e surfando na onda da diferenciação entre um PT puro e a execrável política tradicional.
Até que em 2002, após oito anos de governo pretensamente social-democrata de Fernando Henrique Cardoso, os ex-radicais José Dirceu, Antônio Palocci e outros, com a Carta aos Brasileiros, adotaram a política de alianças que sempre execraram. Muito mais profunda, porque em função dos compromissos econômicos. E como num passe de mágica, o PT tornou-se o partido de massas, democrático e politicamente flexível que o PCB sempre sonhou ser.
O PT ganha a eleição presidencial e, no governo – imaginando que estava no poder – como Lula já reconheceu, faz as mesmas coisas que todos os partidos que por lá passaram fizeram.
Embora realizando avanços sociais nunca antes obtidos na história do Brasil, o governo liderado pelo PT levou adiante um programa social, mas não um projeto nacional. Um programa socialdemocrata de distribuição de renda e mobilidade social, como os governos dos titulares da socialdemocracia (do PSDB) não conseguiram realizar.
E os escudeiros do bom senso do Partidão, dividiram-se entre os que acompanharam o PT, aceitando por anos sua liderança e os que se distanciaram da esquerda, como o PPS de Roberto Freire que se alinhou às forças de centro e centro direita. Como dissidentes do PT, surgiram a REDE e o PSOL e outros menores e mais radicais como o PCO.
E entre os que acompanharam o PT, ocorreram algumas formações partidárias como o PSB, o PDT, o PV e outros. Nenhum desses, contudo, conseguiu agregar os elementos que fizeram a força do PT: uma liderança pessoal forte como Lula, um inédito grau de democracia interna, uma representação social enraizada nos sindicatos e entidades sociais, a presença de intelectuais altamente qualificados e um espantoso pragmatismo político de viés sindical.
Nada disso impediu, contudo, que as biografias de alguns dos ex-guerrilheiros e dos radicais, dos moralistas intolerantes, transformarem-se em folhas-corridas de corrupção, enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro. Alimentando com fatos o discurso e o ódio disseminado pela direita. Como pôde acontecer isso, é uma das indagações para as quais procuraremos algumas pistas. Acho que a primeira está na chegada ao governo numa democracia fraca e sem um projeto revolucionário ou radicalmente democrático.
15 de maio de 2017
Domingos Leonelli
Presidente do Instituto Pensar
Ex-Deputado Federal
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