por Fernando Alcoforado em 15/04/2019
1. Introdução
Este artigo tem por objetivo demonstrar a necessidade da reestruturação do sistema de educação em todos os países do mundo para se adequar às profundas mudanças que estão ocorrendo no mundo do trabalho decorrentes do avanço tecnológico. Este estudo foi baseada em pesquisa aprofundada da literatura existente que aborda o avanço tecnológico contemporâneo e seu impacto sobre a sociedade e, em especial, sobre o mundo do trabalho, bem como, as proposições relacionadas com a nova educação a ser implementada para fazer frente às mudanças no mundo do trabalho na era contemporânea. A metodologia utilizada na execução do trabalho consistiu em identificar as características do avanço tecnológico em curso na era contemporânea e seu impacto sobre o mundo do trabalho para caracterizar o novo sistema de educação requerido em um futuro econômico com o uso de máquinas inteligentes nas atividades produtivas e na sociedade em geral.
2. O avanço tecnológico contemporâneo
A Sociedade Pós-industrial é o nome proposto para uma economia que passou por uma série de mudanças específicas, após o processo de industrialização. O conceito foi introduzido pelo sociólogo e professor da Universidade de Harvard Daniel Bell em 1962 sendo detalhado na sua obra The Coming of Post Industrial Society: A Venture in Social Forecasting de 1976. A Sociedade Pós-industrial é marcada por um rápido crescimento do setor de serviços, em oposição ao setor industrial, e um rápido aumento da tecnologia da informação sendo o conhecimento e a criatividade as matérias primas cruciais de tais economias. É por isto que a era Pós-industrial é conhecida também como a era da Informação e do Conhecimento (BELL, 1976).
Uma das principais características da Sociedade Pós-industrial é o uso em larga escala da tecnologia da informação. A revolução informacional ou da tecnologia da informação se alastrou a partir das décadas de 1970 e 1980, ganhando intensidade na década de 1990 com a propagação da Internet, ou seja, da comunicação em rede por meio do computador. Por que chamar esse processo de revolução? Porque a informatização penetrou na sociedade tal como a energia elétrica resultante da Segunda Revolução Industrial que reconfigurou a vida das cidades. O computador, ícone da nova revolução, ligado em rede está alterando a relação das pessoas com o tempo e com o espaço. O computador ressuscitou a escrita após a supremacia das mídias audiovisuais, principalmente após o império da comunicação televisiva. As redes informacionais permitem ampliar a capacidade de pensar de modo inimaginável.
No livro The Second Machine Age (A segunda era da máquina), seus autores afirmam que a combinação do poder de computação maciço com redes abrangentes, aprendizado de máquinas, mapeamento digital e a “Internet das coisas” estão produzindo uma revolução industrial completa, na mesma escala que as transformações causadas pela energia a vapor e a eletricidade. Mas enquanto essas revoluções mais antigas suplantaram a força física humana (e equina), a nova vai suplantar muito da cognição humana, e o trabalho que exigia empregar pessoas para fazer tarefas de processamento de informação afinal será feito por computadores. A implicação é que até as pessoas em muitas ocupações de colarinho branco (white colar) poderão se ver desempregadas. A maioria das pessoas não tem ideia das capacidades dessas novas tecnologias. A ameaça aos empregos atuais é bastante evidente. A consultoria Boston Consulting Group prevê que, em 2025, até um quarto dos empregos seja substituído por softwares ou robôs, enquanto que um estudo da Universidade de Oxford, no Reino Unido, aponta que 47% dos atuais empregos no país correm o risco de serem automatizados nas próximas duas décadas (BRYNJOLFSSON e McAFEEE, 2016).
Cabe observar que Inteligência Artificial (mencionada pela sigla em inglês AI – artificial intelligence) é a inteligência similar à humana exibida por mecanismos ou software. O principal objetivo dos sistemas de AI é executar funções consideradas inteligentes. Especialistas acreditam que a inteligência das máquinas se equiparará à de humanos até 2050, graças a uma nova era na sua capacidade de aprendizado. Computadores já estão começando a assimilar informações a partir de dados coletados. Isso significa que estamos criando máquinas que podem ensinar a si mesmas a participar de jogos de computador – e ser muito boas neles – e também a se comunicar simulando a fala humana, como acontece com os smartphones e seus sistemas de assistentes virtuais. É importante observar que mesmo que a Inteligência Artificial não conduza a um cenário de desemprego em massa a curto prazo, poderá levá-lo a médio e longo prazo. A ameaça aos empregos atuais é bastante evidente.
3. O futuro do trabalho com o uso de máquinas inteligentes
A maioria dos trabalhos envolve uma série de tarefas ou processos. Algumas delas são mais rotineiras, enquanto outras exigem julgamento, habilidades sociais e outras capacidades humanas. Quanto mais rotineira e baseada em regras são as atividades mais favorável é a automação. No passado, a tecnologia destruía empregos, mas criava outros. Desta vez, vai ser diferente porque a Inteligência Artificial vai acabar substituindo muitos postos de trabalho, incluindo os de alta habilidade, criando, também, alguns novos.
As profissões mais ameaçadas pelos robôs, segundo Wakefield, são os motoristas de táxi, operários de fábrica, jornalistas, médicos, advogados, funcionários de escritório, trabalhadores de entrega de mercadorias, policiais, etc. Motoristas de táxi ao redor do mundo estão ameaçados pelo Uber assim como motoristas em geral por fabricantes de veículos que já estão fabricando veículos autônomos que dispensam a presença do motorista. Operários de fábrica estão ameaçados porque as linhas de montagem estão sendo cada vez mais automatizadas. A profissão de jornalista está ameaçada porque em futuro próximo, reportagens não serão mais escritas por jornalistas e sim por softwares capazes de coletar dados e transformá-los em textos minimamente compreensíveis. Os médicos estão ameaçados porque alguns procedimentos médicos são feitos de forma mais rápida por robôs que já estão ajudando médicos a realizarem cirurgias. Os funcionários de escritório já estão sendo substituídos por máquinas inteligentes que realizam inúmeras de suas tarefas. Os trabalhadores dedicados à entrega de mercadorias serão substituídos por drones ou veículos sem motorista. Policiais e militares serão substituídos por robôs (WAKEFIELD, 2015).
Acredita-se que os efeitos econômicos da Inteligência Artificial sobre os chamados empregos humanos cognitivos (aqueles considerados anteriormente na era industrial como “trabalho de escritório”) serão análogas aos efeitos da automação e robótica no trabalho de fabricação industrial, em que os operários acabaram perdendo empregos mesmo possuindo conhecimentos técnicos, muitas vezes especializados, perda esta que impactou negativamente em seu status social e na sua capacidade de prover as necessidades de suas famílias. Com a mão-de-obra se tornando um fator menos importante na produção em comparação ao capital intelectual e à capacidade de usá-lo para gerar valor, é possível que a maioria dos cidadãos possa ter dificuldades em encontrar um trabalho no futuro (TIBAU, 2016).
Martin Ford, futurista e autor dedicado ao estudo da inteligência artificial, robótica e o impacto sobre o emprego, a sociedade e a economia, é autor de dois livros: Rise of the Robots: Technology and the Threat of a Jobless Future (Ascensão dos robôs: Tecnologia e Ameaça de um Futuro Sem Emprego) publicado em 2015 e The Lights in the Tunnel: Automation, Accelerating Technology and the Economy of the Future (As Luzes no Túnel: Automação, Tecnologia de Aceleração e Economia do Futuro), publicado em 2009 os quais abordam os efeitos da automação e o potencial de desemprego estrutural que está aumentando dramaticamente a desigualdade social. Ford foi o primeiro autor do século XXI a publicar um livro (The Lights in the Tunnel) apresentando um forte argumento de que avanços em robótica e inteligência artificial acabariam por tornar obsoleta uma grande fração da força de trabalho humana. Nos anos subsequentes, outros livros apresentaram argumentos semelhantes e a tese de Martin Ford foi apoiada por uma série de estudos acadêmicos, principalmente por pesquisadores da Universidade de Oxford, que descobriram em 2013 que os empregos ocupados por cerca de 47% da força de trabalho dos Estados Unidos poderiam ser suscetíveis à automação nas próximas duas décadas.
Em 2013, pesquisadores da Oxford University publicaram um estudo detalhado do impacto da computação sobre o emprego nos Estados Unidos considerando os avanços recentes em aprendizado de máquinas (machine learning) e robôs móveis. Eles analisaram cada uma das categorias profissionais catalogadas pelo U.S. Bureau of Labor Statistics baseada em um banco de dados sobre competências requeridas para exercer esses empregos. Os pesquisadores concluíram que 47% dos atuais empregos estão sob alto risco de automação nos próximos anos e décadas e outros 19% sob risco médio. Eles consideram que somente um terço dos atuais trabalhadores estão salvos de substituição nas próximas uma ou duas décadas.
Os pesquisadores da Oxford University concluíram que as profissões que requerem trabalhos manuais (blue-collar) mais susceptíveis de substituição pela automação são as seguintes: 1) escavadores de esgoto; 2) supervisão de reparadores; 3) operadores de máquinas; 4) escrutinador; 5) funcionários de transporte, de recepção e de trânsito; 6) motoristas; 7) inspetores, testadores, classificadores e amostradores; 8) projetor de imagens no cinema; 9) caixas; 10) moedores e polidores; 11) trabalhadores rurais; 12) lobistas, tomadores de ingressos; 13) cozinheiros; 14) concessionários de jogos; 15) engenheiros de locomotivas; 16) atendentes de balcão; 17) funcionários de correios; 18) paisagistas e jardineiros; 19) montadores de equipamentos elétricos e eletrônicos; e, 20) trabalhadores para impressão, encadernação e acabamento. Em contrapartida, as profissões menos susceptíveis à automação entre os “blue-collars” são as seguintes: 1) terapeutas recreacionais; 2) audiologistas; 3) terapeutas ocupacionais; 4) ortopedistas e técnicos em prótese; 5) coreógrafos; 6) médicos e cirurgiões; 7) dentistas e ortodontistas; 8) instrutores de educação física; 9) silvicultores; 10) enfermeiros; 11) maquiadores; 12) farmacêuticos; 13) treinadores e escoteiros; 14) terapeutas físicos; 15) fotógrafos; 16) quiropráticos; 17) veterinários; 18) artistas e artesãos; 19) designers florais; e, 20) designers de tecidos e roupas.
Os pesquisadores da Oxford University concluíram que as profissões que requerem trabalho intelectual (white-collar) mais susceptíveis de substituição pela automação são as seguintes: 1) preparadores de declaração de renda; 2) examinadores de títulos; 3) assinantes de serviços e processadores de reclamações; 4) funcionários de corretagem e entrada de dados; 5) oficiais de empréstimo; 6) analista de crédito; 7) funcionários de contadores e auditores; 8) funcionários assalariados; 9) arquivista; 10) operadores de quadros de distribuição; 11) gestores de benefícios; 12) assistentes de biblioteca; 13) operadores de reatores nucleares; 14) analista de orçamento; 15) escriturários técnicos; 16) transcritores médicos; 17) cartógrafos; 18) revisores; 19) processadores de texto e datilógrafo. As profissões menos susceptíveis à automação entre os “white-collars” são as seguintes: 1) analista de sistema; 2) engenheiros; 3) artistas de multimídia e animadores; 4) cientista de pesquisa de computação e informação; 5) chefe executivo; 6) compositores; 7) projetistas de moda; 8) fotógrafos; 8) administradores de bancos de dados; 9) gestores de compras; 10) advogados; 11) escritores e autores; 12) desenvolvedores de software; 13) matemáticos; 14) editores; 15) projetistas gráficos; 16) controladores de tráfego aéreo; 17) engenheiros de som; e, 18) editores de escritório (desktop).
Segundo Ford, em 2013, um trabalhador típico teve uma remuneração 13% menor do que em 1973, após o ajuste à inflação, mesmo com o aumento da produtividade de 107% (FORD, 2015). Ford afirma que, em janeiro de 2010, o jornal Washington Post informou que na primeira década do século XXI, não houve a criação de nenhum emprego e que esta situação não acontecia desde a Grande Depressão de 1929. Ford (2015) afirma que a perda da primeira década do século XXI é surpreendente haja vista a necessidade de os Estados Unidos criarem um milhão de emprego por ano. As desigualdades sociais nos Estados Unidos têm crescido para níveis nunca vistos desde 1929 e a participação do trabalho na renda nacional tem decrescido continuamente.
Ford (2015) afirma que vivemos em uma era definida pela mudança fundamental entre trabalhadores e máquinas e que esta mudança desafia uma das hipóteses básicas sobre a tecnologia de que as máquinas são instrumentos que aumenta a produtividade dos trabalhadores. Ao invés disto, as máquinas estão se transformando em trabalhadores. Todo este progresso resulta da implacável aceleração da tecnologia do computador. A Lei de Moore de que a capacidade dos computadores dobra a cada 18 ou 24 messes tem se mantido até o presente momento. A Lei de Moore surgiu em 1965 através de um conceito estabelecido por Gordon Earl Moore. Tal lei diz que o poder de processamento dos computadores dobra a cada 18 ou 24 meses. Não há como dizer que esta lei vá se perpetuar por muito mais tempo, mas até agora ela tem sido válida. Tudo leva a crer que os robôs vão substituir os seres humanos no mercado de trabalho. Segundo Brynjolfsson e McAfee, temos tecnologias que estão moldando o mundo para o qual rumamos. A ameaça aos empregos atuais é bastante evidente (WAKEFIELD, 2015).
4. O impacto da inteligência artificial sobre a sociedade
Além de se constituir em ameaça à ascensão social dos trabalhadores, o avanço da inteligência artificial pode colocar em xeque a existência do próprio sistema capitalista na medida em que o desemprego em massa contribuirá cada vez mais para a queda no consumo de bens e serviços. Esta situação levaria à cessação do processo de acumulação do capital sem o qual o sistema capitalista seria levado ao colapso.
As soluções que se apresentam para mitigar os efeitos do desemprego gerado pelo avanço tecnológico na era contemporânea dizem respeito à adoção da Economia Criativa, da Economia Social e Solidária e do Programa de Transferência de Renda. A questão que se coloca é se a Economia Criativa e a Economia Social e Solidária poderão compensar o desemprego em massa que as atividades produtivas em geral proporcionarão com o uso da inteligência artificial. O Programa de Transferência de Renda através do qual o Estado proporcionaria renda às pessoas desempregadas seria adotado para compensar as insuficiências da Economia Criativa e da Economia Social e Solidária.
Marisa Adán Gil informa que “uma das maneiras mais eficazes de gerar novos empregos é estimular a indústria criativa, segundo opinião de George Windsor, diretor de pesquisa da Nesta, organização sem fins lucrativos que tem como objetivo estimular os 12 setores da economia criativa no Reino Unido. Na visão de Windsor, a criação de empregos ligados à criatividade tem enorme potencial para movimentar a economia. Segundo George Windsor, “a indústria criativa agrega valor aos produtos de uma maneira que nenhum outro setor é capaz” e que há várias maneiras de gerar empregos ligados à Economia Criativa: estimular a indústria de games; desenvolver núcleos criativos locais, que trabalhem com base nas tradições culturais de cada região; facilitar o crédito para setores criativos da economia; investir em educação voltada para o design e para a tecnologia. Caso o governo britânico abrace essas medidas, George Windsor acredita ser possível criar 1 milhão de empregos no Reino Unido até 2030. Atualmente, a Economia Criativa é um dos setores de maior crescimento na economia mundial. Ela também é uma das áreas mais rentáveis em termos de geração de lucros, empregos e exportação de bens e serviços, segundo George Windsor (GIL, 2015).
O termo “Economia Criativa” se refere a atividades com potencial socioeconômico que lidam com criatividade, conhecimento e informação. Para entendê-la, é preciso ter em mente que empresas deste seguimento combinam a criação, produção e a comercialização de bens criativos de natureza cultural e de inovação como Moda, Arte, Mídia Digital, Publicidade, Jornalismo, Fotografia e Arquitetura. Em comum, empresas da área dependem do talento e da criatividade para efetivamente existirem. Elas estão distribuídas em 13 diferentes áreas: 1) arquitetura; 2) publicidade; 3) design; 4) artes e antiguidades; 5) artesanato; 6) moda; 7) cinema e vídeo; 8) televisão; 9) editoração e publicações; 10) artes cênicas; 11) rádio; 12) softwares de lazer; e, 13) música. É importante dizer que, por focar em criatividade, imaginação e inovação como sua principal característica, a economia criativa não se restringe apenas a produtos, serviços ou tecnologias. Ela engloba também processos, modelos de negócios, modelos de gestão, entre outros (DESCOLA, 2016).
Em setores vinculados à arte, por exemplo, como as artes cênicas, visuais e música, é crescente o número de oportunidades que estimulam serviços especializados em filmagem, gravações e fotografia. Além disso, o indivíduo interessado nesta área também poderá optar por se especializar em gestão de espetáculos e direção de arte; criação de cenografia e figurinos, por exemplo, além de serviços de iluminação, som, imagem. Nesta área, também estão os estúdios de pintura, por exemplo. No setor de comunicação, a lista de especializações também é grande: atendimento ao público; marketing tradicional e digital, criação de sites, marcas e portais. Existem também os segmentos vinculados às mídias, que incluem produção de vídeos e jogos, e os sistemas de distribuição e exibição de audiovisual, que também geram inúmeros empregos, ou seja, da criação do conteúdo à gestão e distribuição dele, sendo, portanto, uma área bastante rica em oportunidades. Já a publicidade estimula serviços de publicação, reprodução e impressão, além da gestão de agências e empresas de publicidade. Este grupo é muito rico e diverso contemplando várias profissões em todas as fases de produção, gravação, finalização e pós-produção de propagandas, marketing etc. Entre os negócios ligados ao design, arquitetura, entre outros, estão, por exemplo, as agências e startups, os escritórios técnicos de arquitetura e engenharia e os ateliês de design.
A Economia Social e Solidária se configura como um dos caminhos do futuro para inventar outras maneiras de produzir e consumir contribuindo para maior coesão social. Esta é a opinião de Géraldine Lacroix e Romain Slitine apresentada em sua obra L´économie sociale et solidaire (2016). Segundo Lacroix e Slitine, do comércio equitativo à poupança solidária passando por inovações sociais no campo da proteção ao meio ambiente, da luta contra a exclusão social ou pela igualdade de oportunidades, a Economia Social e Solidária oferece respostas a numerosas questões da sociedade contemporânea. Nesta obra consta a informação de que a Economia Social e Solidária corresponde a 10% do PIB e é responsável por 12,7% do emprego na França. No Brasil, a Economia Social e Solidária representa 1% do PIB (REDE BRASIL ATUAL, 2015).
A Economia Social e Solidária é um novo modelo de desenvolvimento econômico, social, político e ambiental que representa uma forma diferente de gerar trabalho e renda, em diversos setores, seja nos bancos comunitários, nas cooperativas de crédito, nas cooperativas da agricultura familiar, na questão do comércio justo, nos clubes de troca, etc. Constitui uma nova forma de organização do trabalho e das atividades econômicas em geral emergindo como uma importante alternativa para a inclusão de trabalhadores no mercado de trabalho, dando uma nova oportunidade aos mesmos, através da autogestão. Existindo a possibilidade de recuperarem as empresas de massa falida, e darem continuidade às mesmas, com um novo modo de produção, em que a maximização do lucro deixa de ser o principal objetivo, dando lugar à maximização da quantidade e da qualidade do trabalho.
Com a primeira Revolução Industrial, no final do século XVIII, surgiu na Europa a Economia Social e Solidária. Contudo foi na Grã-Bretanha (mais precisamente na Inglaterra) que ela se fortaleceu a partir do século XIX, como uma “resposta ao agravamento da crise do trabalho” e da crescente insatisfação com o desempenho do sistema público de segurança social. Perante estes vazios econômicos e sociais que a história do capitalismo produziu surge, como modelo alternativo, a Economia Social e Solidária (SILVA e SILVA, 2008).
A Economia Social e Solidária foi criada por operários, nos primórdios do capitalismo industrial. No seu ressurgimento por volta dos finais do século XX, configurou-se como uma resposta dos trabalhadores à reestruturação produtiva do capitalismo global e ao uso abusivo e sem critérios de novas tecnologias que provocaram desemprego em massa e a falência de empresas. A Economia Social e Solidária se coloca como uma alternativa possível para os trabalhadores que estão, em sua maioria, excluídos do mercado de trabalho formal e do consumo. A Economia Social e Solidária surgiu em várias partes do mundo com práticas de relações econômicas e sociais que estão a propiciar a sobrevivência e a melhoria da qualidade de vida de milhões de pessoas. Essas práticas são baseadas em relações de colaboração solidária, inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano como sujeito e finalidade da atividade econômica, em vez da acumulação privada de riqueza em geral e de capital em particular.
Se aceitarmos a ideia de que é irrealista que mais investimento em educação e treinamento seja improvável de resolver o problema do desemprego e impedir o avanço da automação, Ford considera que a solução mais eficaz consiste na adoção de uma política de garantia de renda para os trabalhadores (FORD, 2015). Esta ideia não é nova. Friedrich August von Hayek, economista e filósofo austríaco, posteriormente naturalizado britânico, considerado um dos maiores representantes da Escola Austríaca de pensamento econômico, foi o poderoso proponente desta ideia quando publicou entre 1973 e 1979 sua obra Law, Legislation and Liberty (Routledge, 1988). O programa neoliberal de transferência de renda dos governos Lula e Dilma Rousseff no Brasil, o Bolsa Família, é um exemplo da aplicação da política de garantia de renda de Hayek.
Além da necessidade de prover uma segurança básica líquida, Ford (2015) afirma que há um poderoso argumento para a adoção da política de garantia de renda porque o avanço tecnológico promove a desigualdade social e ameaça o consumo. Como o mercado de trabalho continua a erodir e os salários estagnam ou caem, o mecanismo que assegura o poder de compra dos consumidores começa a quebrar e a demanda por produtos e serviços sofrem, em consequência. Diante deste fato, Martin Ford considera que uma reestruturação da economia será requerida. Na prática, a política de garantia de renda seria uma estratégia que, ao lado da adoção da Economia Criativa e da Economia Social e Solidária, proporcionaria as condições para os trabalhadores enfrentarem o desemprego em massa gerado pelo sistema capitalista mundial. Competiria aos governos dos países do mundo cobrarem impostos das empresas de alta tecnologia para assegurarem a adoção da política de garantia de renda à população desempregada. O Programa de Transferência de Renda através do qual o Estado proporcionaria renda às pessoas desempregadas seria adotado para compensar as insuficiências da Economia Criativa e da Economia Social e Solidária na geração de emprego.
5. O novo sistema de educação requerido em um futuro econômico com o uso de máquinas inteligentes
Um dos objetivos de um sistema de educação de um país é o de planejar a preparação e a atualização contínua das pessoas para o mercado de trabalho. O grande desafio de educação é representado pelas rápidas mudanças que estão ocorrendo no mundo do trabalho graças ao avanço tecnológico, sobretudo ao impacto da inteligência artificial que nasceu da Ciência da Computação e é uma área extremamente multidisciplinar, que envolve Psicologia, Neurociência, Teoria da Decisão e Economia, que pode gerar o fim de algumas profissões e gerar o desemprego em massa de trabalhadores qualificados e não qualificados.
Tudo isto sugere que vivenciamos uma transição que coloca enorme tensão sobre a economia e a sociedade. A educação oferecida nos moldes atuais aos trabalhadores e estudantes que se preparam para entrar no mercado de trabalho provavelmente será ineficaz. Em outras palavras os sistemas de educação estão preparando trabalhadores para um mundo do trabalho que deixará de existir. O futuro do trabalho em um mundo com Inteligência Artificial requer a adoção de novas medidas voltadas para a qualificação da mão-de-obra que deverá saber utilizar a tecnologia como complemento, uma ferramenta, e não como um substituto de suas habilidades. Algumas funções são atribuídas a máquinas e sistemas inteligentes. Novas funções para os seres humanos surgem diante desse novo cenário.
Compete aos planejadores dos sistemas de educação identificar o papel dos seres humanos no mundo do trabalho em um futuro com a presença de máquinas inteligentes para realizar uma ampla revolução no ensino em todos os níveis contemplando a qualificação dos professores e a estruturação das unidades de ensino para prepararem seus alunos para um mundo do trabalho em que as pessoas terão, por um lado, que lidar com máquinas inteligentes e, de outro, se capacitarem para desenvolver atividades ligadas à Economia Criativa e à Economia Social e Solidária. Os currículos das unidades de ensino em todos os níveis devem ser profundamente reestruturados para atingirem esses objetivos.
Um fato é indiscutível: os avanços tecnológicos estão prejudicando alguns mercados de trabalho. Esta situação impõe a necessidade de que os governos preparem os trabalhadores visando a aquisição de novas competências, ajudando-os a se adaptarem às exigências do mercado, conforme necessário. Isso inclui tornar a educação e formação flexíveis o suficiente para ensinar novas habilidades rapidamente de forma eficiente, aplicar mais ênfase na aprendizagem ao longo da vida, usar mais a aprendizagem on-line e simulação de jogos (IT FORUM 365, 2016).
Educação, treinamento, redução da jornada de trabalho e criação ou readequação de bens e serviços que necessitem mais de intervenção humana podem ajudar a mitigar os efeitos econômicos negativos da automação, em especial da Inteligência Artificial. Com uma nova educação, será possível preparar trabalhadores para desempenhar suas atividades ajustadas aos novos tempos. Para implantar uma nova educação, se torna imprescindível que se comece a identificar as competências necessárias para o trabalho do século XXI e adequar nosso sistema educacional que está obsoleto para formar cidadãos mais capacitados para uma realidade diferente da era industrial que está chegando ao fim e ainda prevalece no momento.
Murilo Gun, palestrante graduado na Singularity University e professor de criatividade, elencou quatro habilidades que serão essenciais em um futuro de crescimento exponencial com tecnologias disruptivas, como a Inteligência Artificial: 1) Inteligência interpessoal- a habilidade de se relacionar com outras pessoas, destacando-se a capacidade de criar empatia, que está relacionada com a capacidade de liderança; 2) Inteligência intrapessoal- a capacidade de se relacionar consigo mesmo, destacando-se o autoconhecimento, autocontrole e domínio de emoções; 3) Inteligência Inter artificial- habilidade de compreender o impacto da tecnologia, como a Inteligência Artificial e a robótica, e utilizar esses recursos como ferramentas para ampliar o potencial humano; e, 4) Inteligência criativa– principal diferencial entre a inteligência humana e a artificial, ou seja, desenvolvendo a capacidade de criar algo novo, utilizando as demais inteligências e aplicando-as de forma inovadora (SAP, 2017).
Países como a Suíça e a Finlândia já começaram a considerar ativamente esta nova realidade e iniciaram um processo de adequação de suas sociedades – que começou pela reformulação de seus sistemas educacionais, privilegiando o desenvolvimento da habilidade de metacognição (capacidade do ser humano de monitorar e autorregular os processos cognitivos, ou seja, a capacidade do ser humano de ter consciência de seus atos e pensamentos), domínio de idiomas (em especial da língua inglesa, pelo fato da maior parte do conhecimento humano estar registrado neste idioma) e um currículo baseado em STEM (acrônimo em inglês para Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática) associado ao “método” grego de “arte liberal” por se entender que é uma maneira eficiente de adequar a forma de pensar para uma mentalidade mais direcionada à criação de propriedade intelectual, em que se destaca a conexão de conhecimentos – de forma mais abrangente – e a imaginação – para atuar criativamente na sociedade e gerar inovação (TIBAU, 2016).
6. Conclusões
Considerando que a educação tem por objetivo preparar as pessoas para a vida e para o mercado de trabalho atual e futuro e que muito em breve o mundo será bastante diferente do que é hoje, é preciso estruturar o sistema de educação para atender as necessidades não apenas do presente, mas, sobretudo do futuro. Artigo publicado no Blog da CONQUER – a nova escola sob o título 6 tendências para o futuro da educação, disponível no website <http://escolaconquer.com.br/6-tendencias-para-o-futuro-da-educacao/>, informa que o sistema de ensino deve acompanhar as mudanças no mundo. As 6 tendências do sistema de educação do futuro são as seguintes:
1. Salas de aula– Ao invés de serem destinadas à teoria, as salas terão como objetivo a prática. O aluno aprende a teoria em casa e pratica nas salas de aula com auxílio de um professor/mentor.
2. Aprendizado personalizado– Estudantes irão aprender com ferramentas que se adaptam a suas próprias capacidades, podendo aprender em tempo e locais diferentes. Isso significa que alunos acima da média serão desafiados com exercícios mais difíceis e os com mais dificuldade terão a oportunidade de praticar mais até que atinjam o nível desejado. Esse processo fará com que os professores sejam mais capazes de ver claramente qual tipo de ajuda cada estudante precisa.
3. Livre escolha– Estudantes terão a liberdade de modificar seu processo de aprendizagem, escolhendo as matérias que desejam aprender com base em suas próprias preferências e poderão utilizar diferentes dispositivos, programas e técnicas que julgarem necessários para o próprio aprendizado.
4. Aplicabilidade prática– O conhecimento não ficará apenas na teoria, ele será posto em prática através de projetos para que os alunos adquiram o domínio da técnica e também pratiquem organização, trabalho em equipe e liderança.
5. QE > QI (quociente emocional > quociente de inteligência)– Uma vez que a tecnologia traz mais eficiência e vem cada vez mais substituindo o trabalho humano em diversas áreas, a formação deverá contemplar a presença de habilidades essencialmente humanas e valorizar ainda mais as interações sociais. As escolas deverão prover mais oportunidades para os alunos adquirirem habilidades do mundo real, que farão a diferença em seus trabalhos. Isso significa mais espaço para programas de trabalho, mais projetos colaborativos, mais prática.
6. O sistema de avaliações irá mudar– Muitos argumentam que a forma como o sistema de perguntas e respostas das provas não é eficaz, pois muitos alunos apenas decoram os conteúdos e os esquecem no dia seguinte após a avaliação. Ainda, esse sistema não avalia adequadamente o que realmente o aluno é capaz de fazer com aquele conteúdo na prática. Por isso, a tendência é que as avaliações passem a ocorrer na realização de projetos reais, com os alunos colocando a mão na massa.
No texto Educação do Futuro, foi apresentada entrevista de José Moran, pesquisador e orientador de Projetos Educacionais Inovadores com metodologias ativas em cursos presenciais e online e autor do livro A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá. Os principais aspectos por ele considerados são os seguintes:
1. Não deve ser adotado um único modelo, proposta, caminho para a educação. Trabalhar com desafios, com projetos reais, com jogos parece o caminho mais importante hoje, mas pode ser realizado de várias formas e em contextos diferentes. Podemos ensinar por problemas e projetos num modelo disciplinar e em modelos sem disciplinas isoladas; com modelos mais abertos – de construção mais participativa e processual – e com modelos mais roteirizados, preparados anteriormente, planejados nos seus mínimos detalhes.
2. Alguns componentes são fundamentais para o sucesso da aprendizagem: a criação de desafios, atividades, jogos que realmente trazem as competências necessárias para cada etapa, que solicitam informações pertinentes, que oferecem recompensas estimulantes, que combinam percursos pessoais com participação significativa em grupos, que se inserem em plataformas adaptativas, que reconhecem cada aluno e ao mesmo tempo aprendem com a interação, tudo isso utilizando as tecnologias adequadas. O articulador das etapas individuais e grupais é o docente, com sua capacidade de acompanhar, mediar, de analisar os processos, resultados, lacunas e necessidades, a partir dos percursos realizados pelos alunos individual e grupalmente. Esse novo papel do professor é mais complexo do que o anterior de transmitir informações. Precisa de uma preparação em competências mais amplas, além do conhecimento do conteúdo, como saber adaptar-se ao grupo e a cada aluno; planejar, acompanhar e avaliar atividades significativas e diferentes.
3. Ensinar e aprender podem ser feitos de forma muito mais flexível, ativa e baseada no ritmo de cada aluno. O modelo mais interessante e promissor de utilização de tecnologias é o de concentrar no ambiente virtual o que é informação básica e na sala de aula as atividades mais criativas e supervisionadas. A combinação de aprendizagem por desafios, problemas reais, jogos é muito importante para que os alunos aprendam fazendo, aprendam juntos e aprendam também no seu próprio ritmo. E é decisivo também para valorizar mais o papel do professor como gestor de processos ricos de aprendizagens significativas e não o de um simples repassador de informações. Se mudarmos a mentalidade dos docentes para serem mediadores, poderão utilizar os recursos próximos, tecnologias simples, como os que estão no celular, uma câmera para ilustrar, um programa gratuito para juntar as imagens e contar com elas histórias interessantes e os alunos serem autores, protagonistas do seu processo de aprender.
4. Os desafios de mudanças na educação são estruturais. É preciso aumentar o número de escolas de qualidade, de escolas com bons gestores, docentes e infraestrutura, que consigam motivar os alunos e que realmente promovam uma aprendizagem significativa, complexa e abrangente. Precisa haver plano de carreira, formação e valorização de gestores educacionais e professores. É preciso políticas consistentes de formação, para atrair os melhores professores, remunerá-los bem e qualificá-los melhor, de políticas inovadoras de gestão que levem os modelos de sucesso de gestão para a educação básica e superior.
5. Os educadores precisam aprender a realizar-se como pessoas e como profissionais, em contextos precários e difíceis, aprender a evoluir sempre em todos os campos, a ser mais afetivos e ao mesmo tempo saber gerenciar grupos. Devem se transformar em educadores inspiradores e motivadores.
BIBLIOGRAFIA
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