
A lista dos furadores da fila da vacinação contra a Covid-19 no Peru abarca 487 nomes. O episódio recebeu o apelido de “Vacinagate” pela imprensa do país. Todos foram imunizados com a vacina da empresa chinesa Sinopharm antes da hora, de forma secreta e ilegal, e um quarto deles é funcionário do Estado peruano. Além de apuros sanitários, políticos e econômicos, os peruanos agora enfrentam uma crise moral.
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Mesmo antes da crise do coronavírus, a confiança dos peruanos na classe política já era muito baixa, devido a numerosos escândalos de corrupção. Com o “Vacinagate”, essa confiança tende a zero a menos de dois meses das eleições presidenciais e legislativas de 11 de abril.
A relação de pessoas imunizadas de forma irregular inclui figuras públicas conceituadas. Entre eles o ex-presidente, esposa e irmão; as ministras do Exterior e da Saúde; o marido de uma congressista; dois reitores de uma universidade; agroindustriais; e até o embaixador do Vaticano e arcebispo.
Desculpas deslavadas
Em agosto de 2020, a farmacêutica chinesa Sinopharm realizou um amplo estudo de fase 3 do imunizante em 125 países, inclusive no Peru. Embora o produto já esteja em uso na Sérvia, Emirados Árabes Unidos e Bahrein, a Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda estuda a autorização. Após o estudo no Peru, sobraram 3.200 doses da vacina. E muitos políticos se aproveitaram.
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Duas ministras estão envolvidas no Vacinagate, a da Saúde, Pilar Mazzetti, e a do Exterior, Elisabeth Astete. Ambas já se demitiram e estão ameaçadas de até oito anos de prisão. Astete tentou se desculpar sob o argumento de que como ministra do Exterior não poderia se dar ao luxo de ficar doente. Mazzetti foi ainda mais longe.
“Nós, que encabeçamos as instituições, devemos dar o exemplo e esperar decentemente pelo nosso momento. Na verdade, minha vez é na semana que vem, mas o capitão é o último a abandonar o navio, certo?”
Pilar Mazzetti
Essa declaração foi dada durante uma coletiva de imprensa 16 dias atrás. No entanto, poucos dias depois, a ministra da Saúde admitiu ter sido vacinada antes do tempo e às escondidas.
À DW Brasil, a historiadora e cientista política da Universidade Católica do Peru, em Lima, Mayte Dongo, avaliou que os peruanos estão muito decepcionados. Ela afirma que antes, o país andino enfrentava situações mafiosas nos governos, com conexões com o narcotráfico. Mas o povo esperava que os novos governantes fossem diferentes. Ela ressalta que o pior, talvez, seja que os “espertalhões” servem de espelho para a população e que muitos peruanos possivelmente teriam agido da mesma forma.
Peru não é caso isolado
O episódio do Peru também tem ocorrido diariamente pelo mundo afora. Na Alemanha e na Áustria, os prefeitos passam à frente para tomar a vacina anti-covid; na Espanha, a liderança militar e o bispo de Maiorca; na Polônia, o ex-primeiro-ministro; no Reino Unido, um parlamentar conservador.
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Até o momento, mais de 44 mil já morreram do Peru em consequência de uma infecção com o vírus Sars-Cov-2. Isso coloca o país, com seus 33 milhões de habitantes, na oitava colocação dessa triste estatística da pandemia. O “Vacinagate” é um tapa na cara também para médicos e pesquisadores.
Com informações do DW Brasil