
Neste 13 de maio relembramos uma data simbólica para o país, quando a dita abolição da escravidão completa 134 anos. No entanto, para a população negra escravizada, essa data tem um simbolismo diferente, pois a dita abolição não resultou em reconhecimento da liberdade e da dignidade humana para quem foi humilhado, explorado e desumanizado por mais de 300 anos.
O fim legal da escravidão ocorreu por duas razões básicas: a luta e resistência incessantes do povo negro , do movimento abolicionista que incluía brancos e negros e da pressão das elites mundiais que viam no Brasil um importante mercado consumidor que precisava de força de trabalho assalariada. Sobre o movimento abolicionista o controvertido antropólogo Antonio Risério diz que “só com movimento abolicionista, especialmente a partir da década de 1860, é que o escravismo foi combatido não de forma localizada o particularizada. Mas em seu conjunto”.
Entretanto, a elite nacional, formada por grandes latifundiários, exportadores de matéria prima e senhores de escravos, jamais aceitaria a integração da população negra em pé de igualdade. Iniciou-se então um processo de embranquecimento do Brasil. Ou seja, os negros foram úteis ao país apenas como escravos. A liberdade nesse caso foi uma forma institucionalizada de demonstrar o desprezo por uma população sem acesso a direitos básicos de cidadania.
Após a chamada abolição, criou-se um muro entre o Estado e a população afro-brasileira (e também indígena) que foi deixada à margem da sociedade. “Livres” e sem qualquer reparação histórica pelo horror da escravidão, foram parar nas ruas, nas favelas, no subemprego, na miséria. Essa é a liberdade comemorada pelo Brasil? Então, negros e negras, não têm o que comemorar.
O dia seguinte à assinatura da Lei Áurea nos mostrou o abandono e também o triste e cruel reconhecimento da liberdade pelo Estado através da violência policial que reprime, castiga e assassina o povo negro desde então. Há 134 anos vivemos no dia seguinte à abolição, um dia que não acabou. A população negra luta pelo reconhecimento, por reparação histórica, por representatividade, por direitos, contra o racismo genocida. A liberdade será uma conquista. Nada a comemorar. O povo negro ainda tem sim muita luta pela frente.
“Quando a comunidade negra atentou para a tal lei assinada pela pseudo Princesa Isabel, que a gente continuava escravo e que o país, na sua sutil e nobre crueldade, armava outros mecanismos de escravidão, a gente entendeu que isso perdura até o dia de hoje.” afirma Lazzo Matumbi, cantor e compositor, que tem uma canção sobre a data, o 14 de maio.
“O movimento abolicionista é fundamental no processo para o fim da escravidão, mas ele vem compor com uma luta que é histórica da população negra pelo fim da escravidão. Então na verdade a resistência à escravidão, ela começa quando a escravidão é instituída no Brasil. Desde que existe a escravidão no Brasil, existe resistência a essa escravidão.” conta nossa convidada Ynaê Lopes, Professora do Instituto de História da UFF.
Por esse motivo, o movimento negro não comemora a data 13 de maio, mas sim o 20 de novembro, que marca a morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares, representando a resistência negra no país. Mas isso não significa que a data não deva ser lembrada. A gente precisa recontar a história, exaltando os heróis e heroínas que lutaram pelo fim da escravidão, sem esquecer que, 134 anos depois da abolição, a desigualdade persiste.
“Nós temos um processo de abolição inconclusa no nosso país” afirma Vilma Reis, socióloga e ativista, e complementa: “É inconclusa porque a terra no Brasil foi dividida 38 anos antes da abolição. O dia 14 é o dia seguinte, e porque é um dia de reflexão? Porque não temos o que comemorar? Porque nós saímos com uma mão na frente e outra atrás. Nós fomos empurradas das fazendas para os morros. O dinheiro, mais uma vez, a riqueza do nosso país, construída por mãos negras, como diz Emanuel Araújo, foi todo carreado para os brancos filhos das colônias e donos das fazendas.”
NSB lança vídeos para descontruir o 13 de Maio
Visando a descontruir o “13 de maio”, a Secretaria Nacional da Negritude Socialista Brasileira (NSB) junto com a Secretaria de Comunicação, Mídia e Publicidade lançaram nesta sexta-feira, uma série de vídeos nas redes sociais. A data precisa ser um dia de lutas, denúncia e resistências sobre o racismo estrutural enraizado no Brasil.
A Secretária Nacional Valneide Nascimento reiterou a necessidade de políticas públicas de reparação histórica para o povo negro, a intensificação da luta antirracista e a importância de termos mais pretos e pretas nos espaços de poder. “O 13 de maio não é uma data para se celebrar. A população negra foi jogada à própria sorte, sem condições de moradia, emprego, renda. Não houve liberdade alguma. Hoje nós queremos denunciar, queremos dizer a nossa luta por um Brasil com oportunidades iguais, com dignidade e bem viver para a população negra”, disse.
A Secretária de Comunicação, Mídia e Publicidade da NSB, Dra. Graziela Costa ressaltou em sua fala a falsa abolição. “Os negros foram libertos sem nenhum direitos e a princesa Isabel só assinou a Lei Áurea por pressão dos grandes latifundiários e elite brasileira. Hoje, eu lembro o quanto foi difícil para concluir os meus estudos por não ter condições de pagar a universidade, uma realidade comum entre as pessoas negras brasileiras.”, concluiu.
Ao longo de todo o dia de hoje, os vídeos produzidos pela Executiva Nacional da NSB serão postados na página do Instagram e do Facebook.
Educação transforma a realidade da comunidade negra
Para a secretária nacional da Negritude do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Valneide Nascimento, a educação deve ser agente transformador do atual cenário em que os negros brasileiros se encontram e aliada potente na luta antirracista. Em entrevista exclusiva ao Socialismo Criativo a dirigente destaca as várias faces do racismo no Brasil.
“Combater as várias ramificações do racismo perpassa pela educação não bancária, que propunha Paulo Freire. Segundo José do Carmo de Araújo existem três formas de poder: o financeiro, o político e o do conhecimento, sendo o terceiro possível mecanismo libertador das opressões. Seguimos em busca de conscientizar e educar nossa população negra para tomar o protagonismo de sua história. O conhecimento como política pública é a ferramenta mais próxima na nossa real abolição”.
Valneide Nascimento
Valneide ressalta as teses propositivas da Autorreforma do PSB, que vêm sendo elaboradas a partir do diálogo entre a militância, os dirigentes e os parlamentares socialistas, sobre a importância da luta antirracista na abordagem do documento. “Precisamos tratar [de temas] como a inclusão das comunidades tradicionais e as raízes dos problemas a serem superados”, analisa.
Reflexão e luta contra o racismo estrutural
A integrante da direção da Juventude Socialista Brasileira (JSB) Juliene Silva, que também falou com o Socialismo Criativo, comentou a data e destacou protagonistas na luta abolicionista.
“Primeiramente, acredito que a data de 13 de maio não deve ser romantizada. Não se trata de uma mulher branca dando liberdade aos negros, mas da conquista da alforria após muita luta e sangue de grandes figuras abolicionistas como Tereza de Benghela, Dandara e Zumbi [dos Palmares]. Em segundo lugar, creio que é preciso compreender o ’13 de maio’ como um momento de reflexão e luta contra o racismo estrutural que mantém, nós negros ainda marginalizados socialmente”.
Juliene Silva
Juliene também falou sobre a situação das empregadas domésticas, que são na maioria negras, provocado pela pandemia da covid-19. O cenário está diretamente relacionado ao pensamento escravocrata ainda existente na sociedade.
“O trabalho doméstico, por si só, já tem origem escravocrata e a pandemia apenas deixou mais explícito a lógica por trás do serviço domestico, que é a de ter a sua escrava particular, que lava, passa, pode acordar super cedo, ser privada de criar os próprios filhos e de preservar sua saúde podendo realizar quarentena para cuidar do patrão. A ideia de ter alguém para limpar sua sujeira, inclusive já foi abolida em muitos países, porque se entende que é um processo de marginalização, exploração e escravização de pessoas em situação de vulnerabilidade”.
Políticas públicas e justiça social para a população negra
A Autorreforma do PSB destaca que o Brasil foi o último país a abolir oficialmente a escravidão e é o primeiro em população afrodescendente fora do continente africano. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 54% dos brasileiros são negros ou pardos, ficando atrás, em quantidade, somente da população da Nigéria. A despeito dessa constatação demográfica, o Brasil ainda está longe de ser uma democracia racial.
Os dados do Mapa da Violência de 2019 e uma série de estudos da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), que analisa as taxas de mortalidade dos municípios brasileiros, demonstram que ter a pele escura, no Brasil, é sinônimo de redução da expectativa de vida, pois 75% das vítimas de homicídio eram pessoas negras.
“A relação da população negra com a violência se dá por meio dos estereótipos criados sobre o lugar onde esses indivíduos vivem e suas condições socioeconômicas.”
Autorreforma do PSB
Ao fazer um recorte de gênero e raça, na estrutura do sistema tributário vigente, percebe-se que, proporcionalmente à renda, são as mulheres negras pobres que mais pagam impostos e as que recebem os menores salários.
O PSB é solidário e copartícipe – por meio de suas instâncias partidárias, e que tem na Negritude Socialista seu principal porta-voz – das demandas dos movimentos negros que não se restringem à questão racial, mas também se relacionam com problemas sociais, econômicos e culturais, que incidem sobre a população negra.
Ações afirmativas para população negra
Os socialistas entendem que as ações afirmativas e compensatórias precisam ser aprimoradas para garantir a permanência da população negra nas instituições públicas de ensino. O PSB defende que isso seja feito por meio de programas de acompanhamento social e apoio à alimentação, moradia, acesso a livros e transporte, para que a lei de cotas seja efetiva.
“A falta de representatividade negra, nos espaços de poder, é um fator que contribui fortemente para manter essa população na base da pirâmide social, com os piores postos de trabalho, a média salarial mais baixa, e vivendo sob as condições mais vulneráveis no que se refere à saúde, segurança e educação.”
Autorreforma do PSB
O PSB ressalta a necessidade do aumento da representação dos negros e negras nos poderes executivo, legislativo e judiciário, e, nos demais espaços de poder, deve superar a afirmação meramente casual e se converter em ações concretas.
O partido destaca a necessidade de ajustes para a plena aplicação das leis que expressam o espírito compensatório, como o Estatuto da Igualdade Racial, que determina o ensino da história afro-brasileira nas escolas, o decreto que regulamenta o reconhecimento e a demarcação de terras ocupadas por descendentes de quilombolas, e a proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de raça.
Os socialistas também advogam pela correta observação da Lei Complementar 150, que regula o emprego doméstico e o fim dos autos de resistência, no qual a morte de um suspeito é justificada pela sua resistência ao ser preso, sem que a necessária autópsia seja feita no caso de morte envolvendo agentes de Estado.