
O presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, 35 anos, toma posse em março como o mais novo a assumir o posto no país. Com uma equipe diversa, jovem e com maioria de mulheres, ele imprimi um estilo de governo bem diferente do que já se viu no país. Ele prega a não violência e defende a política como mecanismo de transformação social.
Em sua primeira entrevista a um veículo estrangeiro desde que venceu as eleições, Boric também falou à BBC sobre saúde mental e o debate levantado por sua companheira em torno da existência do cargo de primeira-dama.
Como líder estudantil, Boric esteve nas ruas inúmeras vezes. Porém, muitas manifestações terminaram em atos de violência. Ele afirma que as pessoas que “mancharam” os atos são minoria e reafirma que o caminho é o da não violência.
“Mas a violência é um fenômeno que devemos tentar entender para tentar erradicá-la. Se você quer ter certeza de que seguirá havendo violência, basta deixar as coisas como estão”
Gabriel Boric
Ele observa o dever do seu governo de cumprir a ordem pública e a lei e ressalta que “isso não é uma opção”.
“O que esperamos é que, através do processo de transformação que vamos iniciar, da convocação e da forma como falamos com povo do Chile, esses setores sejam cada vez mais minoritários”, prevê.
Quando questionado se prefere uma constituição “bem regulamentada” ou uma “orientadora”, o presidente eleito do Chile afirma gostar da “ideia de uma constituição orientadora, mas não asséptica”.
“Uma Constituição que consagra os direitos sociais universais, que defende a liberdade e a igualdade, uma Constituição que descentraliza, mas uma Constituição que não abarca todas as questões e todos os problemas”
As escolhas de Boric
O presidente eleito do Chile afirma que além dos cabelos cumpridos e das camisetas de banda de rock, teve de abrir mão de sair para ir a um bar ou livraria.
Ele também é conhecido por não usar gravatas – o que deve manter como presidente. Isso também revela releva seu posicionamento perante as elites chilenas.
“A gravata tem dois sentidos. Um é estético e um tanto absurdo, mas também percebi que, quando havia no Congresso um espírito de disciplina e homogeneização por parte de uma elite muito fechada e muito parecida entre si e por isso me mandaram para a comissão de ética, por não usar gravata. Agora, isso está totalmente naturalizado e é totalmente normal andar sem gravata no Congresso”
Gabriel Boric
Se um dia tiver que usar o acessório, Boric conta quando conheceu a cantora americana Joan Baez.
“Nós dançamos, ela me perguntou sobre esse assunto, porque eles contaram essa anedota sobre a gravata, e meses depois eu ganhei uma gravata feita por aborígenes australianos. Se um dia eu tivesse que usar uma, com certeza seria essa”, conta. O que certamente não será o caso de sua posse.
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Saúde mental
Gabriel Boric sofre de transtorno obsessivo compulsivo (TOC), o que foi usado como tentativa de usar “o estigma da saúde mental” politicamente. O que, claramente, não funcionou. Quando questionado sobre se sentia que às vezes perdia o controle para a ansiedade da qual sofre, Boric lembrou a importância do papel da ciência.
“Aprendi, graças a tratamentos, a controlar isso. Tenho transtorno obsessivo compulsivo, e tomo remédios. Também é algo que consegui domar graças à Ciência, não é só vontade”, ressalta.
Mas o que o incomoda mesmo são mentiras intencionais, não eventuais erros.
Sobre o fato da companheira de Boric, Irina Karamanos, ter sido criticada por assumir como primeira-dama, cargo para o qual ela chamou atenção para a necessidade de ter sua existência repensada, ele afirma ser preciso “distinguir entre a crítica construtiva e o debate político que ocorre dentro do feminismo e que é totalmente legítimo, da crítica oportunista.”
“Parece que já houve o suficiente da primeira e pouco da segunda. Os debates do feminismo são desejáveis. Temos que nos acostumar com o fato de que ter diferenças de opinião não significa uma tragédia. Mas, quando os ataques são pessoais, e particularmente contra meus entes queridos, irmãos, pais, amigos ou Irina, é algo que realmente me incomoda muito”, afirma.
Sobre a imagem que gostaria de imprimir em seu governo, Boric encerra com esperança.
“Que, através da política, é possível mudar o mundo. Que a política não é um espaço de corrupção, mentiras e acomodações. A política pode ser um trabalho honesto para transformações sociais, inclusivas, não apenas profissionais”
Gabriel Boric