
Um artigo publicado nesta terça-feira (23) no jornal alemão Frankfurter Allgemeine destacou a destruição cultural promovida pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido) em meio à pandemia do novo coronavírus. Assinado pelo escritor e historiador brasileiro Rafael Cardoso, o texto, em tom sarcástico, afirma que além da Covid-19, um outro perigoso vírus tem atingido o Brasil: o Bozid-17.
Explicando a origem do nome atribuído ao vírus como a junção do título do palhaço americano (que era popular na televisão brasileira na década de 1980), geralmente usado pela oposição em referência à abreviação do sobrenome Bolsonaro, e o número recebido pelo presidente brasileiro durante as eleições de 2018 –, Cardoso afirma o modo de transmissão da doença para humanos ainda não está comprovada. “Transmitido por ratos (a partir de porcos ou talvez de antas)”, a origem do vírus ainda não está clara, mas os sintomas são bem conhecidos”.
Negação
Ainda em tom irônico, ele narra que nos estágios iniciais, o vírus afeta a capacidade dos infectados de ver o presidente sob uma luz crítica. “Diante das inúmeras declarações públicas de Bolsonaro, nas quais ele elogiou a ditadura, tortura e assassinatos ou todos aqueles que negam as mudanças climáticas, rejeitam os direitos humanos e negam o perigo da pandemia de coronavírus, o paciente apenas diz: ‘Isso ele nunca disse’. “E se você mostrar provas que mostram exatamente o contrário, os doentes explicam: ‘Sim, mas ele não quis dizer isso dessa maneira’”.
Nos estágios finais, diz o artigo, o Bozid-17 afeta a capacidade do cérebro de processar informações básicas. “Diante das novas evidências de que o clã Bolsonaro atuava com milícias paramilitares e estava envolvido em canais de corrupção, a reação é rápida: “E o PT?” – o Partido dos Trabalhadores, que foi destituído de poder em 2016, narra à frente. “Quem critica o presidente é insultado como ‘comunista’, até o Papa e o ‘Financial Times’, prossegue.
Arte e cultura
Segundo Cardoso, a maior particularidade do Bozid-17, no entanto, é a extrema intensidade com que o vírus ataca os órgãos da arte e da cultura. “No último um ano e meio, o governo tem trabalhado febrilmente para infectar instituições culturais brasileiras. Desde o primeiro dia do mandato de Bolsonaro, o Ministério da Cultura foi rebaixado a uma secretaria”, cita.
“O novo cargo de Secretário de Estado da Cultura permaneceu vago por quase um ano e depois passou a ser comandado pelo diretor de teatro Roberto Alvim por três meses, que foi demitido após um discurso no estilo de Joseph Goebbels. Sua sucessora Regina Duarte, uma ex-estrela de TV, permaneceu no cargo por pouco mais de dois meses. Agora, um ator e apresentador desconhecido deve assumir”, enumera adiante.
O escritor prossegue a crítica apontando que as instituições culturais têm sido confiadas a administradores que parecem “nomeados precisamente porque não têm prestígio nem experiência profissional”. Muitos são jovens, algumas pequenas estrelas do YouTube e todos têm relações com extremistas de direita ou grupos religiosos ultraconservadores”, observa.
‘Marxismo cultural’
Em tom afiado, Rafael Cardoso também arrisca dizer que o ódio do atual regime pela arte e pela cultura tem origem muito mais profunda.
“Quase todo mundo que desempenha um papel no atual governo acredita em um inimigo invisível chamado ‘marxismo cultural’ e é guiado por ele. Muitos deles são estudantes de Olavo de Carvalho, um guru da internet dos EUA e propagandista político que, como Rasputin, tem o clã Bolsonaro na mão”, comenta.
“Carvalho trabalha com teorias da conspiração, especialmente com a tese de que o comunismo quer alcançar a vitória na frente cultural sob a nova bandeira da ‘globalização’. “Os alunos doutrinados de Carvalho são abundantes entre os seguidores de Bolsonaro, muitos dos quais ocupam cargos secundários e até têm assento em gabinetes”, prossegue.
Artistas em risco
Ele ainda chama atenção para o fato de que o Bozid-17 está ficando mais forte e o corpo de arte e cultura brasileira, já com “problemas de saúde”, está agora em estado crítico. Museus e centros culturais vivem com medo constante dos apoiadores extremistas do presidente, que não hesitam em devastar qualquer exposição que considerem imoral. A mídia deve temer boicote e declínio na publicidade se não seguir a linha do governo”.
E conclui dizendo que o modo de vida de todos aqueles que até agora apoiaram a indústria criativa é ameaçado de novo quase todos os dias. A produção da cultura, que parou em razão do coronavírus pode não sobreviver. “Exigir que os artistas não apenas resistam à censura, mas também à fome – isso é pedir demais”