
O novo ataque do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) à China pode trazer “graves danos” ao Brasil caso a potência asiática adote barreiras comerciais contra produtos brasileiros e busque outros fornecedores de commodities, disse à BBC News Brasil o diplomata aposentado Roberto Abdenur, que atuou como embaixador em Pequim (1989 a 1993) e nos Estados Unidos (2004 a 2006).
Embora muitos no Brasil considerem a China dependente das importações brasileiras em relação a itens como soja, carne, minério de ferro, açúcar e celulose, Abdenur alerta que o governo de Xi Jinping tem buscado novos fornecedores e já adotou este ano retaliações econômicas contra outro importante parceiro comercial, a Austrália, reagindo a críticas de autoridades australianas que pediram uma investigação internacional sobre a origem do coronavírus.
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Em reação, Pequim elevou barreiras parciais sobre a carne australiana, taxou em 80% a importação de cevada do país e desencorajou chineses a estudarem ou fazerem turismo na Austrália, devido a “numerosos casos de discriminação contra asiáticos”.
Exportadores concorrentes do Brasil
Segundo dados do Banco Mundial, a Austrália é o sexto maior exportador para China, à frente do Brasil, que aparece em sétimo.
“O Brasil está metendo os pés pelas mãos de maneira desarrazoada e contraproducente. Eduardo Bolsonaro fala como deputado, como filho do presidente e como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara. É de uma imensa irresponsabilidade, agora ameaçando causar danos graves aos interesses do Brasil com a China”, afirmou o embaixador.
“É ilusão acharmos que a China vai continuar dependendo eternamente das nossas importações. Há outros países no mundo. A China está financiando projetos agrícolas importantes na África, em regiões que têm um clima e solo parecidos com o Brasil, está em entendimentos também para aumentar a produção de soja na Rússia e na Ucrânia”, exemplificou.
O ataque de Eduardo
No novo episódio de crise com o governo brasileiro, a embaixada da China em Brasília subiu o tom ao ameaçar o Brasil “com consequências negativas” em uma nota contra postagens feitas no Twitter por Eduardo Bolsonaro, que além de deputado é filho do presidente Jair Bolsonaro e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.
Ao comentar a adesão do Brasil a uma aliança patrocinada pelos EUA contra o uso de tecnologia 5G da empresa chinesa Huawei, o parlamentar acusou diretamente o país asiático de espionagem. “O governo Jair Bolsonaro declarou apoio à aliança Clean Network, lançada pelo governo Donald Trump, criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”, escreveu Eduardo Bolsonaro na noite da segunda-feira (23).
Na terça-feira (24), a embaixada chinesa, que costuma se manifestar apenas com autorização do governo em Pequim, soltou uma nota dura, mesmo o deputado tendo já apagado o post.
O comunicado classificou a fala de Eduardo Bolsonaro como “totalmente inaceitável” e ameaçou o Brasil com retaliações caso o parlamentar e “outras personalidades” não abandonem “declarações infames que, além de desrespeitarem os fatos da cooperação sino-brasileira e do mútuo benefício que ela propicia, solapam a atmosfera amistosa entre os dois países e prejudicam a imagem do Brasil.”
Embaixador cita ‘graves retaliações’
À BBC News Brasil, o embaixador Abdenur lembrou que embaixada chinesa já reagiu a outras críticas feitas por Eduardo Bolsonaro e autoridades do governo federal, mas considerou que essa manifestação “foi a mais enfática, porque acena com a possibilidade de retaliações, de consequências graves para o Brasil”.
Na sua avaliação, a Casa Branca atua com “hipocrisia” ao dizer que a China usa sua tecnologia 5G para espionagem, tendo em vista o histórico dos EUA nessa área. Em 2015, por exemplo, o vazamento de documentos sigilosos da diplomacia americana por meio do site WikiLeaks revelou que a Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA) espionou a então presidente Dilma Rousseff e outros 29 telefones do governo petista, incluindo o de ministros, diplomatas e assessores.
“O país que mais faz espionagem de outros são os EUA. Eu acho que nós não devemos ceder às pressões americanas (sobre o 5G)”, disse Abdenur.
Com informações do UOL e BBC Brasil
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