
Anteriomente governada por conservadores ou liberais de direita, a Colômbia pode, no próximo domingo (29), “guinar” para a esquerda pela primeira vez após enfrentar, por mais de 50 anos, uma guerra interna.
O senador e ex-guerrilheiro Gustavo Petro (Colombia Humana), é o favorito em todas as pesquisas e acredita que pode vencer já no primeiro turno, embora as pesquisas indiquem que ele terá que disputar um segundo em 19 de junho, na qual também lidera as intenções de voto.
Seu principal adversário parece ser o direitista Federico Gutiérrez (Seleção da Colômbia), em um país polarizado como poucas vezes esteve, mas que clama por mudanças diante de uma série de problemas: estragos econômicos da pandemia, o aumento da violência, a corrupção, a desigualdade e as feridas deixadas pela repressão de protestos.
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Petro, que concorre à presidência pela terceira vez, perdeu há quatro anos para o direitista Iván Duque, que por lei não pode concorrer à reeleição.
O segundo lugar, em 2018, lhe rendeu uma cadeira no Congresso colombiano, de onde acumulou apoio para lutar contra o governo do país de 50 milhões de habitantes, aliado dos Estados Unidos e maior exportador de cocaína.
Agora, a Colômbia poderia se juntar à esquerda que gravita na maioria dos países sul-americanos e que em outubro pode trazer de volta Lula (PT) à presidência da República brasileira, também aliado de Petro.
Desencanto com a direita
Paradoxalmente, na Colômbia todas as forças pedem uma mudança, depois do impopular governo de Duque (67%) que desencadeou uma explosão social sem precedentes.
“Há muita frustração, muita raiva e acho que Petro capitalizou isso”, comentou à AFP, Michael Shifter, professor da Universidade de Georgetown.
A direita no poder chega enfraquecida. Seu líder natural, o ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010), ex-protagonista eleitoral, está em crise devido a complicações judiciais. “Dois sentimentos resumem o eleitor: a necessidade de mudança devido a esse descontentamento e a desconfiança”, segundo Jorge Restrepo, professor da Universidade Javeriana.
O leque de candidatos é completado pelo centrista Sergio Fajardo (5,1%), o evangélico John Milton Rodríguez (0,6%) e o direitista Enrique Gómez (0,3%).
Paz e polarização
Um novo duelo entre forças opostas é a expressão de um país dividido após a assinatura do acordo de paz assinado em 2016.
O pacto histórico que desarmou os rebeldes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e estabeleceu a paz entre as partes “abriu espaço para a esquerda política”, que durante o conflito armado carregava um “forte estigma” por sua “associação com a guerrilha”, diz Elizabeth Dickinson, analista do International Crisis Group.
Duque tentou, sem sucesso, modificar o pacto e, quase seis anos depois, todos os candidatos prometeram continuar sua implementação diante das críticas internacionais pelo assassinato de 332 ex-combatentes e pelo ressurgimento da violência.
Para Dickinson, as eleições também responderão à dicotomia entre “salvar sua implementação” ou “enterrar o acordo”. E na mira: uma possível retomada das negociações com a guerrilha do ELN.
Após seis décadas de conflito armado, o avanço da esquerda no espectro eleitoral perturbou um novo ator: a cúpula militar quebrou o silêncio e se voltou contra Petro.
Populares por sua luta contra as guerrilhas, as Forças Armadas permaneceram até então à margem da política, aderindo a uma lei que as impede de votar e deliberar.
Petro militou no M-19, uma guerrilha urbana que assinou a paz em 1990, antes de se exilar por um tempo na Europa e retornar ao seu país para se tornar legislador e depois prefeito de Bogotá (2012-2015).
Ameaças
Ameaças contra os candidatos e suspeitas de fraude permearam a campanha. Sob o fantasma do magnicídio que, no passado, freou as aspirações presidenciais de cinco políticos no século 21, os principais candidatos denunciaram riscos à sua segurança: Petro; sua companheira de chapa Francia Márquez; e Gutierrez.
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E nesta reta final, a desconfiança no processo eleitoral agitou o debate.
Em um dos países mais desiguais do mundo e empobrecido (39%) pela pandemia, Petro propõe uma economia menos dependente do petróleo e uma agenda ambiental e progressista nas questões sociais.
Já Gutiérrez luta para se distanciar de Duque, embora defenda as mesmas causas: segurança, investimento privado, Estado austero, valores familiares tradicionais.
Ele também tenta associar Petro ao governo da Venezuela, cuja crise empurrou 1,8 milhão de migrantes para a Colômbia.
“Toda esta eleição, para ser franco, é sobre Petro. Ganhando ou perdendo, o resultado será sobre ele”, diz Dickinson.
A figura de Francia Márquez, que poderia ser a primeira negra na vice-presidência, agita as bandeiras feministas e o racismo enterrado no país. O centro, por sua vez, chega a esta disputa dividido e sufocado.
Com informações da Prensa Latina, Vermelho e GZH