
A missão do Brasil na COP26, conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, à revelia do presidente Jair Bolsonaro, é tentar reduzir o impacto da péssima imagem do país por conta do desmonte ambiental produzido pelo atual chefe do Executivo. E mais: cobrar financiamento de países ricos para conter o desmatamento.
O Brasil tende a ser alvo de pressões por causa da aceleração do desmatamento desde que Bolsonaro assumiu a Presidência. A dificuldade será equacionar a destrutiva gestão bolsonarista em meio a lideranças de mais de 100 países que se reúnem em Glasgow, na Escócia, para discutir novos compromissos para garantir a meta do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura média da Terra em 1,5°C, informa a BBC Brasil.
Bolsonaro simplesmente não irá à conferência climática. Como admitido pelo vice-presidente Hamilton Mourão, se comparecer, “todo mundo vai jogar pedra” em Bolsonaro.
A delegação vai ser liderada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite.
O Brasil vai apresentar como compromisso reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 37% até 2025, em 43% até 2030 e vai oficializar o objetivo de antecipar em 10 anos, de 2060 para 2050, a neutralidade de carbono no país – quando todas as emissões são reduzidas ao máximo e as restantes são compensadas, por exemplo, com tecnologia de captura de carbono da atmosfera.
A outra promessa, adiantada por Bolsonaro na Cúpula do Clima nos Estados Unidos, em abril, é zerar o desmatamento ilegal até 2030.
“Nosso propósito é atuar de maneira construtiva, queremos chegar a entendimentos. Não queremos assumir a responsabilidade de um fracasso de Glasgow. Temos dito isso aos britânicos”, disse à BBC Brasil um dos integrantes da delegação brasileira na COP26.
Segundo essa fonte, o Brasil não vai emperrar as negociações, mas também não irá aderir a metas de redução de emissões em setores específicos da economia, como corte da emissão de metano na pecuária, promoção de um menor consumo de carne, ou prazo para transição de carro à gasolina para carro elétrico – compromissos que a União Europeia e o Reino Unido defendem.
Péssima imagem do Brasil promovida por Bolsonaro
Com dois anos consecutivos de aumentos no desmatamento da Amazônia fica difícil convencer algum país de que há algum compromisso do governo Bolsonaro.
No governo Bolsonaro, em 2020, o número de focos de incêndios em todo o território foi o maior em 10 anos; o volume de emissões de carbono em 2019 foi o maior em 13 anos, e o desmatamento da Amazônia atingiu o maior patamar desde 2008.
“Existe uma guerra contra o meio ambiente em curso no Brasil e vai ser difícil esperar que governos, negociadores, empresas, investidores acreditem em uma mudança radical de postura do governo brasileiro no último ano de mandato do presidente Bolsonaro frente ao que aconteceu nesses últimos anos”, diz o pesquisador e ambientalista Carlos Rittl, especialista em política pública da Rain Forest Foundation, ONG ambiental da Noruega, à BBC Brasil.
Integrantes da comitiva brasileira ouvidos pela BBC Brasil classificaram o ambiente de negociação na COP26 como “mais complexo”, “mais difícil” e “mais duro” para o Brasil, na comparação com conferências anteriores.
Mas os negociadores apostam em tentar demonstrar que, neste ano, principalmente após a saída do ministro Ricardo Salles do Meio Ambiente, o governo mudou de postura para adotar medidas de combate ao desmatamento.
A suposta nova postura do governo será demonstrada com números de redução dados de redução do desmatamento em agosto e setembro desse ano frente ao ano passado.
“Todos os índices ambientais de clima no Brasil pioraram nos últimos dois anos e meio. As emissões aumentaram por dois anos consecutivos, o desmatamento na Amazônia aumentou por dois anos, os incêndios aumentaram dois anos seguidos, as invasões de terras públicas também”, destacou Marcio Astrini, secretário-geral do Observatório do Clima.
O que o Brasil vai cobrar na COP26?
O Brasil vai cobrar regras claras para que os países ricos paguem os US$100 bilhões por ano prometidos a nações em desenvolvimento para projetos relacionados à contenção das mudanças climáticas.
O governo brasileiro quer ao menos US$ 10 bilhões em financiamento externo.
Em comunicado sobre a COP26 distribuído ao corpo diplomático brasileiro, a que a BBC Brasil teve acesso, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, afirma que cortar emissões em alguns setores da economia, sem compensações, seria “economicamente inviável”.
Segundo especialistas, esse discurso do ministro do Meio Ambiente indica que o Brasil vai se fiar à posição de grande produtor de alimentos, essencial para o abastecimento mundial, para reforçar a demanda por compensações dos países ricos à redução de emissões.
“O Brasil vai se empenhar em cobrar financiamento dos países desenvolvidos para países em desenvolvimento. Por duas razões: primeiro porque é legítimo países em desenvolvimento pedirem essa ajuda e porque o Brasil sabe que esse é o calcanhar de Aquiles das nações ricas”, avalia Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Crédito de carbono
Outro pleito do Brasil será a regulamentação do mercado de crédito de carbono. A ideia é que um país que exceda suas metas em determinado setor possa vender o excedente em forma de “crédito” para nações que não estejam alcançando as próprias metas.
A expectativa é que o Brasil defenda, durante a COP26, que créditos antigos de carbono produzidos pela indústria brasileira nos anos seguintes à assinatura do Protocolo de Kyoto, em 1997, possam ser negociados e reaproveitados. A validade desses créditos iria só até 2020, já que havia ficado estabelecido que a regulamentação do Acordo de Paris, assinado em 2015, estabeleceria novas regras para esses títulos.