
Para o economista Eduardo Moreira, é possível transformar de maneira radical o país em menos de uma geração. Desde que mudanças estruturais sejam realizadas a partir de uma visão que alie conhecimento teórico com a realidade das pessoas.
“Só o contato com a realidade é capaz de complementar aquilo que os livros nos trazem”, enfatiza. Moreira observa que para sentir empatia é preciso viver a dor do outro para de fato entender uma realidade diferente.
O economista foi o convidado do 6º debate do Clube do Livro do PSB, promovido pela Juventude Socialista Brasileira (JSB) e a Fundação João Mangabeira (FJM). O evento debateu o livro Economia Política Inclusiva, Criativa e Sustentável, que também conta com artigo de Moreira, publicado pela FJM. Também participaram da live o presidente da FJM, Márcio França, e a assessora da FJM, Márcia Rollemberg. A mediação foi feita pelo presidente da JSB, Tony Sechi.
Eduardo Moreira foi eleito o melhor aluno do curso de economia nos últimos 15 anos da Universidade da Califórnia, onde se formou. Ele trabalhou no Banco Pactual até 2009, onde tornou-se sócio responsável pela área de Tesouraria. Em 2009, junto a outros sócios, fundou a empresa Brasil Plural e criou a Genial Investimentos. Ele também é fundador do Instituto Conhecimento Liberta.
Ascensão e queda de uma comunidade
Eduardo Moreira contou a experiência de ter passado alguns dias em um quilombo no interior de São Paulo. Os moradores relataram as profundas transformações vividas ao longo de 20 anos, graças ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que garantia o acesso aos alimentos para as populações mais vulneráveis por meio da compra de produtos da agricultura familiar.
Com a garantia de compra das suas produções pelo poder público, os quilombolas puderam se organizar. Construíram creche e posto de saúde. Os pais puderam ficar mais perto das suas famílias e trabalhar em seus terrenos porque não precisavam mais sair para caçar.
As pessoas podiam comprar carne porque haviam saído da miséria. A comunidade não precisava mais cortar palmito-juçara para vender no comércio ilegal.
“Mas entraram políticos com a ideia brilhante dos livros: não estimular a competição é besteira porque com a competição você vai ter um preço cada vez mais baixo e uma qualidade cada vez melhor. E o que aconteceu é que acabou a história de garantir preço e quantidade”
Eduardo Moreira
Foi feita uma licitação para vender os produtos sob o pretexto de ‘diminuir gasto com alimentos.’
“Como assim gasto em alimento? Não existe um centavo que saia do governo que não vá parar na mão de uma pessoa”, enfatiza o economista.
O resultado foi que os fazendeiros ganharam as licitações e as comunidades pararam o intercâmbio de sementes e saberes, já que haviam se tornado concorrentes.
“Eles perderam essa produção, mas tinham que continuar vivendo”, salienta. Alguns passaram a trabalhar para os fazendeiros, ganhando menos que um salário mínimo, e viver longe de suas famílias. Outros voltaram a cortar palmito juçara e a caçar para sobreviver, relata.
O que reforça ainda mais a defesa Moreira defende que o papel do Estado é redistribuir riquezas. E lembra que o dinheiro é um meio, não um fim em si mesmo.
“A gente esquece, às vezes, mas o dinheiro é um meio, é fluxo. É algo que está passando”
Eduardo Moreira
Teoria não dá conta sozinha da realidade
Esse é um dos exemplos que faz com que o economista reforce a defesa sobre a necessidade de aliar teoria com prática.
“Se pegar um prêmio Nobel de economia e um coordenador de produção do MST [Movimento dos Trabalhadores Sem Terra] e colocar em comunidades, você vai ver qual comunidade vai produzir mais e que terá as pessoas mais felizes. Não quer dizer que o prêmio Nobel não serve para nada, mas tem que parar para ouvir o que o outro tem a dizer”, defende.
Um país de fome e miséria dentro do Brasil
O economista lembra a difícil realidade enfrentada pela maior parte da população brasileira. A renda média dos 40% mais pobres é de R$ 153 per capita ao mês nas grandes metrópoles. O que equivaleria a U$ 30 dólares mensais – U$ 360 ao ano, aproximadamente.
O percentual equivale a 80 milhões de pessoas. Se fosse um país, estaria entre os 20 com a maior população do mundo, porém, entre os três mais pobres. Ficaria atrás de países como Serra Leoa, Haiti, República Democrática do Congo e Mianmar, ressalta Moreira.
“A gente tem dentro do Brasil um país muito mais pobre que o Haiti com uma população quase oito vezes maior que o Haiti. O Haiti é aqui. Enquanto tem um monte de gente preocupado que a gente vai virar uma Venezuela, a gente tem 27 milhões de pessoas aqui passando fome. Não é insegurança alimentar. Nessa situação são mais de 100 milhões de pessoas”, afirma.
O ex-governador de São Paulo e presidente da FJM, Márcio França, afirma que a garantia de oportunidades é que move o PSB.
“Enquanto a gente não encontrar equilíbrio nas oportunidades a gente não vai ficar bem”, ressaltou.
Márcia Rollemberg lembra o processo de Autorreforma em curso no PSB, que tem como uma de suas defesas, a necessidade de recuperar a capacidade do Estado.
“O maior problema que vivemos e atinge milhões de pessoas é a desigualdade social e econômica. A economia tem que estar a serviço das pessoas”, ressalta.
Mudanças estruturais e falência do discurso neoliberal
Apesar da difícil realidade vivida pela população do país, Eduardo Moreira mantém a esperança de que é possível mudar.
“Eu realmente acredito que se a gente acertar a direção, em menos de uma geração, a gente muda estruturalmente o nosso país. A gente precisa ter coragem de propor mudanças estruturais. Um país que tem dentro dele 80 milhões de pessoas no pódio dos países mais pobres do mundo – se a gente transformasse isso num país – não pode se satisfazer com mudanças cosméticas, pequenas.”
O que para ele reforça a importância de não perdermos a capacidade de diálogo.
“Discordo dessa opinião tão pregada pelo neoliberalismo que a gente tem que lutar pelas liberdades individuais. Tudo é individual. Chega, não deu certo. Papa Francisco nos disse no começo dessa crise ‘ou nos salvamos juntos ou não há salvação’”, conclui o economista.