A carta convoca instituições e pessoas que hoje demonstram comoção com as mazelas do racismo e se afirmam antirracistas, a serem coerentes e a praticarem mais o que discursam

“Enquanto houver racismo, não haverá democracia”, diz o manifesto antirracista lançado no domingo (14) pela Coalização Negra dos Direitos, que “exige a erradicação do racismo como prática genocida contra a população negra”. O manifesto é assinado por mulheres negras, pessoas faveladas, periféricas, LGBTQIA+, que professam religiões de matriz africana e com distintas confissões de fé, quilombolas, povos do campo, das águas e da floresta, trabalhadores explorados, informais e desempregados.
Ressaltando que movimento negro não pode ficar à margem contra a ameaça autoritária no país, a carta traz 132 assinaturas de ativistas, “uma para cada ano da abolição inconclusa”, como lembra o documento que conta com a adesão de organizações, coletivos e está aberto à toda pessoa interessada no combate ao racismo.
São signatários do documento artistas como Wagner Moura e Lázaro Ramos, acadêmicos negros como Sueli Carneiro e o professor Silvio Almeira, além do escritor Mia Couto e parlamentares como a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) e Erica Malunguinho (Psol-SP), primeira deputada trans de São Paulo.
Até o momento, a carta conta com mais 30.710 assinaturas. Acesse Aqui para assinar.

Coalizão histórica
A Coalização Negra dos Direitos nasce das demandas históricas da população negra brasileira. O texto tem como marco da discussão um projeto político para o Brasil, proposto pela população negra, a Ocupação Nove de Julho, ocorrida em 2019. São organizações, entidades, grupos e coletivos do movimento negro brasileiro que reafirmam o legado de resistência, luta, produção de saberes e de vida. “Historicamente, seguimos enfrentando o racismo, que estrutura esta sociedade e produz desigualdades que atingem principalmente nossas existências”, diz a coalizão.
“Se o estado não garante o povo se garante para garantir. O movimento negro organizado tem projetos para este pais. São projetos conectados aos valores ancestarais de matriz africana, com a preservação da vida de todas as pessoas, da vida do povo negro”, ressalta a integrante da coalizão, Bianca Santana, da Uneafro Brasil-SP.
Leia íntegra do manifesto antirracista: Enquanto houver RACISMO, não haverá DEMOCRACIA
“O Brasil é um país em dívida com a população negra – dívidas históricas e atuais. Portanto, qualquer projeto ou articulação por democracia no país exige o firme e real compromisso de enfrentamento ao racismo. Convocamos os setores democráticos da sociedade brasileira, as instituições e pessoas que hoje demonstram comoção com as mazelas do racismo e se afirmam antirracistas: sejam coerentes. Pratiquem o que discursam. Unam-se a nós neste manifesto, às nossas iniciativas históricas e permanentes de resistências e às propostas que defendemos como forma de construir a democracia, organizada em nosso programa.
Esta convocação é ainda mais urgente em meio à pandemia da Covid-19, quando sabemos que a população negra é o segmento que mais adoece e morre, que amplia as filas de desempregados e que sente na pele o desmantelamento das políticas públicas sociais. Em meio à pandemia de Covid-19, o debate racial não pode mais ser ignorado.Neste momento, em que diferentes setores se unem em defesa da democracia, contra o fascismo e o autoritarismo e pelo fim do governo Bolsonaro, é de suma importância considerar o racismo como assunto central.“Estamos vindo a público para denunciar as péssimas condições de vida da comunidade negra.”
Este trecho, retirado do manifesto de fundação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, de julho de 1978, é a prova de que jamais fomos ouvidos e de que sempre estivemos por nossa própria conta.Essa é uma luta que não começa aqui, mas que se materializou no pensamento e na ação de homens e mulheres que, em todos os momentos históricos em que a brutalidade foi imposta ao povo negro, levantaram suas vozes e disseram: não!Não há democracia, cidadania e justiça social sem compromisso público de reconhecimento do movimento negro como sujeito político que congrega a defesa da cidadania negra no país. Não há democracia sem enfrentar o racismo, a violência policial e o sistema judiciário que encarcera desproporcionalmente a população negra.
Não há cidadania sem garantir redistribuição de renda, trabalho, saúde, terra, moradia, educação, cultura, mobilidade, lazer e participação da população negra em espaços decisórios de poder. Não há democracia sem garantias constitucionais de titulação dos territórios quilombolas, sem respeito ao modo de vida das comunidades tradicionais. Não há democracia com contaminação e degradação dos recursos naturais necessários para a reprodução física e cultural. Não há democracia sem o respeito à liberdade religiosa. Não há justiça social sem que as necessidades e os interesses de 55,7% da população brasileira sejam plenamente atendidos.
O racismo deve ser rechaçado em todo o mundo. O brutal assassinato de George Floyd demonstra isso, com as revoltas, manifestações e insurreições nas ruas e a exigência de justiça racial. No Brasil, nos solidarizamos com essa luta e com esses protestos e reivindicamos justiça para todos os nossos jovens e para a população negra. E, entre muitos que não podemos esquecer, João Pedro presente!Em nosso passado, formamos quilombos, forjamos revoltas, lutamos por liberdade, construímos a cultura e a história deste país. Hoje, lutamos por uma verdadeira democracia, exercício de poder da maioria, e conclamamos aqueles e aquelas que se indignam com as injustiças de nosso país.
Porque a prática é o critério da verdade”.
Com informações de Alma Preta