
Em um artigo publicado neste domingo (5) no jornal Le Figaro, o ensaísta e advogado francês Nicolas Baverez afirmou que embora a pandemia tenha escancarado a incompetência, a irresponsabilidade e a incapacidade dos líderes populistas em gerir crises, “o verdadeiro antídoto” para o populismo no mundo não será o coronavírus, mas a reinvenção da democracia.
Citando o exemplo do Brasil, Baverez alertou que com 60 mil mortos, o país tem exportado a epidemia para toda a América Latina por causa da luta que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) trava não contra o vírus, mas contra os meios que querem detê-lo. De acordo com o articulista, apesar da escolha do presidente pela economia em detrimento da saúde, o PIB brasileiro entrará em colapso, sendo reduzido em mais de 8% em 2020, o que causará o desemprego de 18% da população ativa e o aumento da dívida em até 90% do PIB.
EUA e Reino Unido
Em paralelo, Baverez lembra que a pandemia também impactará outras duas grandes economias do mundo pela falta de assertividade de seus líderes: Estados Unidos e Reino Unido. No primeiro, ele recorda que a epidemia, que já matou 130 mil pessoas, está fora de controle por culpa exclusiva de Donald Trump.
“A recessão atingirá 8% do PIB, enquanto 45 milhões de desempregados foram registrados em poucas semanas no contexto da retomada dos mercados financeiros. […] A responsabilidade é inteiramente de Donald Trump. Além de suas decisões erráticas e irracionais, que foram da negação à interrupção dos testes, incluindo a recomendação de injeções de desinfetantes, ele diminuiu e politizou as medidas de prevenção – incluindo o uso de máscara –, contribuindo diretamente para a disseminação de coronavírus”.
Ele recorda, ainda, que no Reino Unido mais da metade das 44 mil mortes poderiam ter sido evitadas se Boris Johnson não demorasse muito para decidir regras sobre o confinamento. Na terra da Rainha, a previsão é que a queda da atividade seja de 11,5% do PIB, colocando mais de 10% da população ativa fora do mercado de trabalho e causando aumento da dívida para além de 100% do PIB.
Democracias pelo mundo
Nicolas Baverez prossegue afirmando que nada predispôs os Estados Unidos, o Reino Unido e o Brasil a sofrerem tais desastres. “A origem do desastre é política, intimamente ligada à personalidade egoísta e ao modo de governo dos líderes populistas que cultivam a negação da realidade, o desprezo pela ciência, a primazia das emoções sobre a razão, a confusão permanente entre a conduta do Estado e seus assuntos pessoais”.
Por outro lado, ele aponta que as democracias que permaneceram fiéis aos seus valores, à mecânica dos freios e contrapesos e ao Estado de Direito resistiram melhor ao choque na saúde e na economia. “Angela Merkel é o símbolo”.
Fim do populismo?
Mesmo diante do cenário, Nicolas Baverez diz que “a epidemia está longe de ter erradicado o populismo”. “Antes de tudo, diante de seu fracasso comprovado, os líderes populistas escolheram enfrentá-la com provocação, desencadeando paixões e questionando os princípios democráticos”.
Para ele, acima de tudo, a violência e a complexidade das crises sanitária, econômica, social e política reforçaram aspectos determinantes do populismo: a desintegração da classe média, acelerada pelas falências de empresários e pela instalação de desemprego em massa, pela explosão da desigualdade, pela espiral do ódio social e da violência, pela quebra de nações, desconfiança das instituições e nos líderes das democracias. “O risco de uma segunda onda é, portanto, ainda maior para o populismo do que para o coronavírus”.
Novo pacto político
Baverez afirma, ainda, que “pela segunda vez em doze anos, as democracias serão obrigadas a comprometer de 20 a 30% do seu PIB na forma de dívida pública para evitar o colapso da economia e da sociedade. Não haverá terceira vez”.
Mas ao contrário do crash de 2008, “a saída da crise não pode se limitar à retomada da economia. Envolve a construção de um novo pacto político, econômico e social, inspirado pelas nações livres que se mostraram mais resistentes aos choques do século XXI: Coréia do Sul e Taiwan, Austrália e Nova Zelândia, Alemanha e Suíça. O verdadeiro antídoto para o populismo não é o coronavírus, mas a reinvenção da democracia”.