
Muitos opositores de Jair Bolsonaro (PL) acusam o presidente de criar políticas públicas para proveitos eleitorais dos grupos que representa, ou apenas alinhados ideologicamente a seu pensamento. Pois a viagem que fez a Rússia e Hungria, para especialistas, foi pensada apenas para proveito eleitoral.
Sem a assinatura de acordos importantes e criticada dentro e fora do governo, a viagem do presidente teve como pano de fundo a necessidade de agradar ao seu público interno de apoiadores em ano eleitoral. Além disso, na avaliação de especialistas, Bolsonaro tentou se contrapor às últimas viagens do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu maior adversário nas eleições. Lula foi recebido com pompa em França, Alemanha e Espanha.
“Bolsonaro tenta reagir e projetar uma imagem de estadista, inclusive com tentativas de fabricação de narrativas farsescas, que é a ideia de que teria viajado à Rússia para negociar os termos de paz entre Moscou e a Ucrânia, o que chega a ser engraçado. Do ponto de vista governamental, é só mais uma peça de fake news, mais uma mentira oficial. Isso não foi dito com todas as letras, mas há insinuações aos montes”, disse Dawisson Lopes, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais.
Bolsonaro viajou mais de 16 horas para tirar fotos com o presidente russo, Vladimir Putin. Mais que negociações, o que agradou a seus apoiadores foi a “proximidade” que teve do mandatário russo, ao contrário de líderes europeus, como o francês Emmanuel Macron e o alemão Olaf Scholz, que se reuniram recentemente com Putin, mas sentaram-se longe dele por se negarem a fazer testes anti-covid com médicos russos para não dar a Moscou acesso a seu DNA. O único acordo assinado, de atualização de nomenclaturas de documentos de forma que sejam adaptadas à Lei de Acesso à Informação brasileira, não justificaria, para analistas, a viagem.
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Além disso, segundo fontes do governo, o presidente causou constrangimento a integrantes da área diplomática ao iniciar a conversa com Putin dizendo, sem entrar em detalhes, que era solidário à Rússia em um momento de tensão com a Ucrânia. Dois dias antes, o chanceler Carlos França informara, em telefonema ao seu colega ucraniano, Dmytro Kuleba, que a viagem seria focada em temas econômicos e comerciais.
Aproveitando-se de compartilhamentos em redes sociais de apoiadores, Bolsonaro deu a entender que contribuiu para que Putin concordasse em reduzir as tropas na fronteira com a Ucrânia: “Coincidência ou não, parte das tropas deixou as fronteiras. Ao que tudo indica, a grande sinalização é que o caminho para a solução pacífica se apresenta no momento para Rússia e Ucrânia”, disse em entrevista.
Ex-embaixador do Brasil na China, Marcos Caramuru destaca a falta de informações claras sobre a viagem, sobretudo no caso da Rússia. Segundo ele, pelo que se divulgou, haveria um seminário com empresários relevantes do agronegócio que iriam a Moscou.
“Há uma desconexão completa entre o que se anunciou como objetivo da visita e o que se divulgou como resultado. Mesmo os militares: o que exatamente foram fazer lá?”, perguntou Caramuru. “Já a viagem à Hungria foi só um gesto político, importante para o bolsonarismo, irrelevante para a política externa.”
Ex-embaixador do Brasil nos EUA, Rubens Barbosa considera importante, no caso da Rússia, a continuidade no fornecimento de fertilizantes ao Brasil e o interesse de cooperação na área energética. Quanto à Hungria, destacou um acordo de cooperação em ajuda humanitária a cristãos perseguidos, entre os três memorandos de entendimento assinados.
Interferência Russa nas eleições?
O ministro que assumirá a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, afirma que já há tentativa de interferência russa no processo eleitoral brasileiro. De Moscou, o candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), se incomodou. Mas, quando ele se pôs no caminho para a viagem, não faltou quem temesse justamente isto: que Bolsonaro tivesse, entre as metas não ditas, a de encomendar ajuda dos hackers a serviço do Kremlin. O histórico de interferência é imenso.
A primeira vez em que a Rússia de Vladimir Putin se intrometeu em campanhas eleitorais no Ocidente foi em 2014, no referendo escocês que, por 55% a 45%, definiu que o país seguiria como parte do Reino Unido. Os detalhes do que ocorreu não são conhecidos. O governo britânico reconhece oficialmente ter informação.
Em 2020, um comitê do Parlamento Britânico publicou um relatório sobre atividades russas em pleitos na ilha. Foi uma desancada no governo de Boris Johnson. É que também há comprovação de que agentes de Putin operaram pesado no plebiscito que decidiu o Brexit. O Partido Conservador, o relatório sugere, teme descobrir que desinformação bancada por interesses de um país estrangeiro é o que deu ao grupo no poder sua vitória.
Putin atua, também, na divisão para enfraquecer seus adversários. A Escócia fora do Reino Unido lhe interessa. O Reino Unido fora da União Europeia lhe interessa. Uma França em confusão política lhe interessa. O fortalecimento de líderes com propensões antidemocráticas. Entre Donald Trump e Hillary Clinton, com os EUA em convulsão social e um Partido Republicano cindido em dois, Putin não tem dúvida do que prefere.
O Facebook admitiu, embora tenha demorado, que houve compra de publicidade pró-Trump paga em dinheiro russo. Além disso, hackers do governo russo invadiram os servidores do Partido Democrata, roubaram e-mails e vazaram seu conteúdo para forjar um escândalo onde um não havia. Com a eleição americana e o plebiscito do Brexit, 2016 se mostrou o ano em que a ciberguerra eleitoral russa mostrou suas garras.
Isto não quer dizer que a Rússia tenha o poder de determinar os resultados de qualquer pleito. E, em sua estratégia, isto é menos importante. Não são poucos os governos que denunciaram estas tentativas. França, Espanha, Bulgária, Itália, Holanda, República Checa. A lista é grande.
Bolsonaro não precisa pedir a Putin que interfira nas eleições brasileiras. Ter um presidente brasileiro que não se dá com Washington já lhe interessa de saída.
Com informações do O Globo e Estadão