
“Fortaleça economicamente quem respeita os direitos humanos, sociais, trabalhistas e ecológicos.” Esse é o lema do grupo de vendas “Esquerda Compra da Esquerda“, criado em novembro e que, em menos de dois meses de existência, já reúne mais de 60 mil membros no Facebook.
Entre os participantes, há desde vendedores de alimentos como a panificadora O Pão Que o Viado Amassou e a marmitaria vegana Cozinha Canhota (cujo logotipo é um garfo e uma foice, em referência à foice e martelo, símbolos do comunismo), passando por produtores de artesanatos diversos, até uma “fintech de esquerda” chamada LeftBank, espécie de Nubank com viés ideológico, que pretende ser “um banco, sem banqueiro.”
Segundo a fundadora, o grupo foi criado em resposta às hostilidades sofridas pela esquerda no Brasil desde 2015, ano em que teve início o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), e pelo desejo de apoiar pessoas que passaram por dificuldades financeiras durante a pandemia.
Polarização afetiva
Para Pablo Ortellado, professor da USP e coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, aponta que a iniciativa é uma expressão do que se chama de “polarização afetiva“, que se difere do antagonismo ideológico do passado ao se expressar na forma de uma aversão ao campo político adversário e na reafirmação de identidades a partir do antagonismo. Nesse sentido, diz o pesquisador, há hostilidades de ambos os lados do espectro ideológico.

Para entrar no grupo “Esquerda Compra da Esquerda”, o usuário do Facebook precisa ser convidado por alguém que já participa da comunidade e responder antes a três perguntas: “Se você tivesse que comprar um liquidificador hoje, compraria com: Magazine Luiza ou Véio da Havan”, uma referência a Luciano Hang, proprietário da rede de lojas de departamento Havan e apoiador de primeira hora do governo Jair Bolsonaro (sem partido). “Você se considera de esquerda ou progressista: sim ou não” e “Em quem você votou em 2018? Haddad/Manuela ou Bozo/Mauzão”, referência a Bolsonaro e ao vice-presidente Hamilton Mourão.
“Nós conferimos no perfil da pessoa que pede para entrar se tem algum indicativo de que ela é de esquerda, se tem foto do Lula, do Boulos, do Che Guevara, alguma dessas coisas que identificam a esquerda”, diz Caminha, que conta com a ajuda de um grupo de moderadores voluntários para administrar a comunidade virtual. “Mas temos consciência de que muitas pessoas, por receio, principalmente por questões de trabalho, não usam informação nenhuma nas suas redes sociais, aí se torna um pouco difícil para identificarmos, mas no geral tem funcionado bem.”
História
Aos 50 anos, a artista plástica e ativista de direitos humanos Erica Caminha mora há sete anos na Alemanha, na cidade de Rosenheim, a cerca de 51 km de Munique. Ela conta que, antes de se tornar “Esquerda Compra da Esquerda”, o grupo no Facebook teve pelo menos dois outros nomes: “Jornada Mundial Lula Livre” e “Fora Bolsonaro Internacional”.
“Um dia, escrevi na internet: ‘Vocês conhecem pessoas progressistas ou de esquerda que vendam produtos, sejam artesãos ou tenham empresas?’ Para minha surpresa, em menos de duas horas, havia trinta pessoas”, conta Caminha. “Aí fui lá e troquei o nome do grupo. Isso foi em 1º de novembro. Éramos 150 pessoas na ocasião, e agora já somos mais de 60 mil, em 381 cidades, de 31 países.”
A idealizadora da comunidade diz que, até agora, o grupo não sofreu ataques por parte da direita, mas já houve questionamentos vindos da própria esquerda.
“Há pessoas de esquerda que acham que estamos fazendo um desfavor, porque, se os bolsonaristas resolverem fazer a mesma coisa, pode ser prejudicial”, diz Caminha. “As pessoas dizem que bolha é ruim, mas é muito confortável, nos sentimos compreendidos, respeitados, à vontade para sermos quem somos, sem temer represálias.”
Quanto a uma possível contradição entre um grupo de compra e vendas e a perspectiva anticapitalista de boa parte da esquerda, a artista plástica avalia que é preciso pragmatismo.
“É ingênuo achar que não se vai comprar de pessoas de direita, isso não existe, até porque não encontro arroz do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] no mercado. Mas se pudermos privilegiar os nossos, tanto melhor.”
Com informações da BBC Brasil