São Paulo – Pessoas em situação de rua dormem embaixo do viaduto Jaceguai, região central da capital.
Para quem tem o céu como teto, marquises como parede e o chão como cama é difícil seguir a orientação das autoridades sanitárias em plena pandemia de coronavívus. Assim, suscetíveis ao vírus pelas condições de vida, moradores de rua em todo o Brasil ficam à mercê do novo coronavírus e questionam: Ficar em casa. Mas que casa?
A invisibilidade e isolamento já vivenciados pelos moradores de rua, fruto da desigualdade social econômica, não é de agora. E no contexto de disseminação covid-19 preocupa setores da sociedade ligados à assistência e voluntários da sociedade civil.
Porém, o mesmo não acontece, com semelhante intensidade, com o poder público.
Acolhimento
A situação demanda ações de acolhimento urgente por parte do poder publico. Contudo, iniciativas esparsas, e descoordenadas, prefeituras das grandes cidades como Rio e São Paulo seguem a tendência mundial de integrar às ações o abrigamento dessa população em hotéis.
Já em São Paulo, de acordo com a organização internacional Médicos Sem Fronteiras, até o início da semana passada, de 278 pessoas atendidas pela ONG, 37 tinham sintomas de Covid-19. Com quadros mais graves, segundo o Uol três delas foram encaminhadas para hospitais.
“A rede de abrigos para isolar pacientes com coronavírus é pequena, na verdade ela é minúscula, ela tem apenas 100 lugares até agora na cidade de São Paulo”, disse a coordenadora do projeto, Ana Leticia Nery, à Reuters.
As ações educativas também são apostas de alguns municípios, mas especialistas criticam a eficácia junto à população de rua.
É o que explica, em debate promovido pela Fiocruz Brasília, sobre o impacto do novo coronavírus entre populações mais vulneráveis, Carolina Sampaio, assistente social no governo do Distrito Federal, que atua em uma equipe do Consultório na Rua.
“A gente tem se dado conta e pesquisado também que, nesse momento, as ações de cunho educativo voltadas para as pessoas em situação de ruas, são ações que não vão de encontro com a forma como muitas dessas pessoas percebem a realidade, que é de uma maneira muito concreta”.
Ela complementa que a população em situação de rua não costuma ter projeção de futuro, o que, segundo ela, “prejudica a percepção da falta de acesso a informações”.
Carolina enfatiza que para as pessoas em situação de rua “a necessidade concreta é garantir a sobrevivência”, e aponta que está na política pública a saída para atender essas pessoas. “É na organização dos serviços que a gente vai conseguir alcançar, por meio da satisfação dessas necessidades, concretas outras possibilidades de proteção e de cuidado”
GDF
No Distrito Federal, o governo fez alojamento provisório instalado no Autódromo Internacional Nelson Piquet para receber essa população. Cerca de 40 pessoas foram acolhidas no espaço na terça-feira (7/4). A estrutura oferece dormitórios, banheiros, área para a lavagem de roupas e alimentação.
Abaixo-assinado
Com espaços públicos fechados, por causa da necessidade de distanciamento social, a população de rua acabou ficando sem banheiros, por exemplo.
Assim, a crise sanitária avança como mais uma ameaça para quem, de forma invisível, enfrenta diariamente a violência, o frio, a fome e o acesso a serviços públicos básicos.
“Onde eles vão lavar as mãos?”, questionou o padre Júlio Lancellotti, em reportagem do Uol.
Coordenador da Pastoral do Povo de Rua, o padre criou um abaixo-assinado para pedir que a Prefeitura de São Paulo forneça kits com álcool gel e ítens básicos de higiene para moradores de rua.
O texto ainda pede que sejam abertos para o acolhimento da população de rua espaços públicos que se encontram fechados, como centros esportivos.
Ação articulada no território
As estratégias locais coordenadas, no território, podem fazer fazer a diferença nesse momento de crise pandêmica. É o caso de Porto Alegre, onde um “Plano de Contingenciamento da Pandemia do Corona Vírus (Covid-19) para a População em Situação de Rua de Porto Alegre” foi entregue à prefeitura e tem dado suporte a algumas iniciativas, como noticia o portal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Produzido por um coletivo de organizações da sociedade civil, profissionais do serviço público e representantes das pessoas em situação de rua, o plano prevê a criação de espaços de quarentena para permanência dos atingidos pelo vírus, bem como de lugares protegidos para grupos de maior risco, como idosos, soropositivos, doentes e mulheres grávidas.
O documento ainda sugere que sejam disponibilizados materiais de higiene necessários para banhos e limpeza de mãos, roupas e utensílios; a ampliação de espaços de acolhimento como abrigos e albergues com remodelação das estruturas para permitir o distanciamento social e evitar a disseminação do vírus. E vai além ao propor o investimento em programas de habitação, entre outros.
População em Situação de Rua no Brasil
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), realizado em 2016, apresentou uma estimativa de que existiam, em 2015, 101.854 pessoas em situação de rua no Brasil. A maioria desses, pessoas negras e do sexo masculino.
A cidade de São Paulo é a que tem a maior dessa população. Lá, o número de pessoas que moram nas ruas saltou de 15.905, em 2015, para 24.344 em 2019 – um aumento de 53% no período, segundo censo realizado pela Prefeitura de São Paulo.
A rua não é um mundo fora do nosso mundo
Abandono. Pouco monitorada pelos governos, que frequentemente descontinuam ações de busca ativa e realizam poucos censos, a população de rua é o retrato da desigualdade e do descaso do poder público em relação aos mais vulneráveis.
Um censo realizado pela Prefeitura de São Paulo identificou que 85% da população em situação de rua é composta por homens, sendo que 386 pessoas se declararam transexuais, divulgou a Rede Brasil Atual. Como informa o jornal, a faixa etária prevalente é a de 31 a 49 anos, com 46,6% do total. 68% são negros ou pardos e 28% brancos.
Na pesquisa, aparece como principal motivo declarado pelas pessoas para terem ido viver nas ruas, o conflito familiar (50%), seguido pelo uso de drogas ou álcool (33%), o desemprego (23%) e a perda de moradia (13%). Cada entrevistado podia selecionar mais de um motivo.