
O diário francês Le Figaro questionou nesta terça-feira (21) se serão os grandes fundos investidores os responsáveis por salvar a Amazônia brasileira. Com o título “Brasil: investidores para o resgate da Amazônia”, o jornal conservador aponta que, com bilhões de dólares, os grandes fundos de investimento forçaram uma mudança no tom adotado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na política ambiental. Na reportagem, Bolsonaro é descrito como alguém que “incentivou a destruição de uma das maiores florestas tropicais do mundo”.
O periódico alerta, no entanto, que o momento e a reação “não se devem ao acaso”. Com a estação seca prestes a começar na Amazônia, este é um “bom momento, até outubro, para os incêndios que precedem a extração ilegal de madeira e a terra”.
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“No verão passado, as imagens da Amazônia em chamas colocaram o mundo em alerta, provocando o fogo cruzado entre a França e o Brasil, e colocando Jair Bolsonaro permanentemente ao lado de predadores ambientais. No primeiro ano de poder do ex-capitão, o desmatamento saltou 30%”, diz, em tom de alerta.
Recordes no desmatamento
O Figaro diz ainda que depois da marca alcançada em 2019, Bolsonaro voltou a quebrar recordes. “No primeiro semestre, com mais de 3 mil km², o desmatamento aumentou 25% em relação ao mesmo período de 2019. Somente em junho, mais de 1 mil km² foram desmatados, um crescimento de 10% se comparado ao ano passado, segundo dados provisórios do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)”.
“Garimpeiros, madeireiros, criadores e produtores de soja cortam a imensa floresta tropical, que desempenha um papel único no equilíbrio do clima global. Os madeireiros também estão espalhando a Covid-19 entre os povos indígenas vulneráveis, enquanto que o Brasil é o segundo país mais afetado do mundo, com 2 milhões de casos e 79 mil mortes”, diz outro trecho do texto.
O jornal também destacou o recuo do vice-presidente diante da repercussão da condução da política ambiental. “’Vamos tentar reduzir o desmatamento e os incêndios a um mínimo aceitável, para demonstrar à comunidade internacional e à sociedade brasileira nosso compromisso’, disse o vice-presidente Hamilton Mourão na semana passada depois receber investidores estrangeiros e chefes brasileiros”, relata adiante.
120 dias sem queimadas
Segundo o diário, em meio a este processo, o governo proibiu todas as queimadas agrícolas na Amazônia por 120 dias. “Ações tomadas sob pressão de investidores. Porque hoje o Brasil não enfrenta mais apenas críticas de ONGs e governos europeus. Grandes grupos estrangeiros condicionaram seus investimentos e suas compras de produtos brasileiros a uma mudança radical em sua política ambiental”, indicou.
“Cerca de 30 fundos de investimento, administrando US$ 3,7 bilhões em ativos alertaram que não investirão mais no Brasil se o desmatamento continuar. E em dezembro passado, 87 empresas europeias, incluindo a britânica Tesco e o Carrefour, declararam que boicotariam a soja do desmatamento”, esclareceu.
“Obsessão anti-ambiental”
Chamando a atenção para a “obsessão anti-ambiental” do atual presidente, o diário também afirma que a perspectiva preocupa muito os líderes brasileiros que atuam na área. “O mundo perdeu a paciência com o Brasil”, disse Horácio Lafer Piva, administrador da Klabin, gigante de papel e celulose.
Quarenta CEOs (oriundos de setores ligados a bancos, cosméticos, carne, etc.) pediram uma luta “inflexível e sistemática” contra o desmatamento ilegal. Eles também temem que a obsessão anti-ambiental de Jair Bolsonaro seja um obstáculo à ratificação de acordos comerciais com a União Europeia.
“Um estudo da revista americana Science publicado na última quinta-feira também é uma má notícia para o governo. Isso mostra que mais de 20% da carne e soja exportada da Amazônia para a UE são provenientes de áreas desmatadas ilegalmente”, salientou o jornal.
“Hoje existe uma tendência global de valorizar empresas que respeitam o meio ambiente, são transparentes em sua governança e socialmente comprometidas. Já é uma lei de mercado que se impôs aos investidores ocidentais. O Brasil não pode escapar desse movimento”, diz Fabio Silveira, sócio-gerente da consultoria MacroSector em São Paulo.
Novos jogadores
O Figaro também confirma que “os defensores do meio ambiente agradecem a entrada em jogo desses novos jogadores. Mas eles continuam céticos, como Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, um coletivo de ONGs ambientais”. “Ninguém acredita mais no que o governo diz sobre o meio ambiente. O que as pessoas querem ver são resultados concretos. Após dezoito meses de governo de Bolsonaro, onde está o plano de combater o desmatamento na Amazônia?”
“Não existe”, diz ele. Pior, ele observa que nos últimos dias a coordenadora do Inpe que monitorava o desmatamento foi demitida e que o governo anunciou uma regularização de terras ocupadas ilegalmente. “As mortes brasileiras por coronavírus não foram capazes de mudar a visão.”