
Vereadores de Olinda, em Pernambuco, aprovaram uma lei que proíbe homenagens a escravocratas e pessoas ligadas à ditadura militar em monumentos, edifícios e vias públicas da cidade. Passa a ser vedado atribuir a bens que estejam sob gestão da administração municipal o nome de personagens históricos que remetam a esses períodos. Locais que já existam e cujo nome se enquadre na proibição serão renomeados.
De autoria do vereador Vinicius Castello (PT-PE), além de proibir a nomeação em obras públicas, a PL prever a possibilidade de renomeação dos locais, imagens e esculturas da cidade. Além disso, estabelece que os monumentos públicos, estátuas e bustos, que sejam em homenagem a essa época, sejam retirados do município e guardados em museus com identificação e referências ao período histórico aos quais representam. “Queremos construir políticas públicas de ‘escurecimento’ da história. Essa é uma lei pensada para o país. Olinda é a plataforma inicial”, disse Castello.
Segundo Castello, a lei foi adaptada para a realidade do município. “Esta lei é de extrema importância para Olinda e chega para fazer justiça e prestar contas com a História”, publicou ele em uma rede social. O vereador afirma que a Câmara de Olinda é a primeira no País a aprovar uma lei dessa natureza.
De acordo com a apuração do Uol, ainda não há definição sobre de onde virão os recursos para a manutenção da nova lei. Segundo Castello, o próprio deve solicitar uma renomeação de algumas localidades, mas, organizações da sociedade civil e outras entidades também poderão reivindicar mudanças. Um levantamento realizado pelo vereador aponta que, pelo menos, 13 escolas, ruas, avenidas, bustos e estátuas são passíveis de mudança.
O debate em torno de homenagens a escravocratas ganhou força após a morte de George Floyd nos Estados Unidos, em 2020, e a consequente onda de protestos do “Black Lives Matter”. Durante os atos, a derrubada de estátuas por manifestantes foi uma cena comum no país. No Brasil, o movimento também ganhou força a partir daquele ano e, em julho de 2021, um monumento do bandeirante Borba Gato foi incendiado em São Paulo.
Nova lei não é consenso entre historiadores
Entre historiadores, a nova lei não é consenso. O curador do Museu do Ipiranga, em São Paulo, e historiador Paulo Garcez, defende que as homenagens em espaços públicos não precisam, necessariamente, ser retiradas, mas, perder o caráter positivo. “Muitos museus no ocidente têm a prática de mudar o nome das obras. A minha posição é de que não vamos apagar nada do passado, vamos manter essas coisas para contestar. O Brasil é um país que violenta as populações indígenas, negras e as mulheres. Precisamos ser capazes de olhar para os documentos com esforço crítico sobre a nossa sociedade e sobre os episódios”, disse o historiador Garcez.
Para Mônica Oliveira, da coordenação da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, a aprovação da lei tem uma dimensão política, histórica e pedagógica ao propor reeducar a sociedade. “O símbolo é algo que tem um peso considerável pois fala da subjetividade. As várias homenagens a personagens históricos, foram feitas aos atores de violência, e, marcam o imaginário de sociedade”, explica.
A historiadora Isabel Guillen, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), explica que as legislações como essa começaram a provocar um debate sobre a história oficial não só aqui no Brasil, mas no mundo há cerca de 20 anos. Como exemplo, ela cita a lei francesa conhecida como Lei Taubina que reconheceu a escravidão e o tráfico negreiro como crime contra a humanidade e gerou na época, grande polêmica no país europeu. Ela explica que a legislação francesa tem como objetivo garantir que a escravidão não seja esquecida ou relativizada.
A historiadora destaca ainda que, além de projetos no legislativo, é preciso ações educativas, a fim de informar a população sobre importância de mudar as narrativas distorcidas do passado. Para ela, quanto mais distante e menos notável a história, maior a necessidade de marcar criticamente os acontecimentos. “A disputa pela memória é uma disputa pelo direito de significar a própria história. Toda vez que você age politicamente você tem que criar justificativas para as suas pautas e sua demanda de poder. A história entra como justificadora destes de vista política”, afirmou Isabel
Monumentos ao redor do Brasil
A proposta aprovada na cidade pernambucana foi inspirada no PL 404/20 da deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP), em São Paulo, que ainda está em tramitação. A PL proíbe homenagens a escravoscratas e eventos históricos ligados ao exercício da prática escravista no âmbito da administração estadual direta e indireta.
Em SP, um levantamento do Instituto Pólis enumerou que dos 367 monumentos, 137 fazem alusão a homens brancos, e 18, a mulheres. Deste montante, apenas quatro fizeram homenagem a homens negros e apenas uma mulher negra. Na capital, das 380 obras de arte e monumentos em espaços públicos mapeados pela prefeitura , 14 são contestados por movimentos sociais pelos contextos de suas narrativas, entre eles, uma estátua de Borba Gato , que foi incendiada no ano passado .
Um levantamento realizado pelo Coletivo Negro de Historiadores Tereza de Benguela, e que deu origem ao projeto ” Galeria de Racistas “, afirma que no Brasil existe mais de 150 monumentos que homenageam escravocratas. Não à toa, projetos de leis semelhantes foram apresentados em outras casas legislativas como a da Bahia, do Rio de Janeiro e de Goiás, além de cidades como São Paulo e Ribeirão Preto.
No Congresso Nacional, o Projeto de Lei 5296/20 , de Talíria Petrone (Psol-RJ), Áurea Carolina (Psol-MG) e Orlando Silva (PCdoB-SP), ainda em tramitação, proíbe em todo o território nacional monumentos como estátuas , totens, praças e bustos, para homenagear personagens da história do Brasil ligados à escravidão de negros e indígenas. Na justificativa, os deputados argumentam, embora algumas figuras sejam personagens da história, não foram homenageados como símbolos da nação.
Com informações do Estadão Conteúdo, Uol e BNews