
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello se aposenta nesta segunda-feira (12), após 31 anos no cargo. Antes de sair, ele afirmou que “já temia” pelo Brasil com a eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desde 2017, antes mesmo da votação que o levou a chefe do Executivo. Porém, apesar dos inúmeros ataques à democracia e ao próprio STF, o ministro não acredita em risco para a democracia.
Nas últimas entrevistas concedidas Marco Aurélio também criticou o excesso de militares da ativa no governo, a não punição do Exército ao ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, por ter participado de ato político ao lado de Bolsonaro.
Sobre a escolha do advogado-geral da União, André Mendonça, para substituí-lo no STF, Marco Aurélio ressaltou que o “Estado é laico”. O critério da indicação de Bolsonaro para ocupar a vaga na Suprema Corte é ser “terrivelmente evangélico”. Ele falou à CNN e ao O Globo.
Temor com eleição de Bolsonaro
Segundo o magistrado, em seminário da Universidade de Coimbra, em Portugal, ele disse “claramente, com todas as letras, em bom vernáculo, em bom português, que temia pelo Brasil a eleição como presidente da República do deputado federal Jair Bolsonaro, que fizera a vida política dele batendo em minorias”. “Premonição? Não, uma certa experiência de vida”, disse Marco Aurélio.
Apesar das críticas, Marco Aurélio é contra o impeachment de Bolsonaro. Isso porque o chefe do Executivo “foi eleito, foi diplomado, é titular de um mandato”.
“Precisamos respeitar, como falei, as regras do jogo. Não é bom para o Brasil ter-se o afastamento de um dirigente maior do país. A repercussão interna é ruim em termos de insegurança, e a repercussão internacional, então, horrorosa”, argumentou.
Para Marco Aurélio, Bolsonaro terá de prestar contas ao eleitor em 2022, caso se candidate à reeleição. “Que o digam os eleitores em 2022, mas que até lá se observe realmente a diplomação dele, presidente Jair Bolsonaro”.
Marco Aurélio defende tramitação do impeachment
Apesar de ser contra o impeachment como solução para o país, Marco Aurélio vê a necessidade de que os processos que pedem o impedimento de Bolsonaro tramitem.
“Se observado o precedente sobre a instalação da CPI (quando senadores recorreram ao STF para que a comissão fosse instalada), o nosso presidente da Câmara terá que dar sequência aos pedidos que lá estão na prateleira, se não estiverem na gaveta. Que se dê sequência! Se a comissão que for criada vai se pronunciar pelo arquivamento e a Casa no colegiado maior concluir da mesma forma, aí nós estamos com a questão liquidada. O que não dá é para receber e bancar o todo poderoso e engavetar ou deixar na prateleira e não dar sequência. Isso não se coaduna com a organicidade parlamentar.”
Marco Aurélio Mello
Mentiras de Bolsonaro sobre sistema eleitoral
Marco Aurélio repudia as constantes acusações sem provas que Bolsonaro faz sobre fraudes nas eleições de 2018, mesmo pleito que o elegeu.
“Ele estaria preparando o campo para o insucesso? Não tenho expertise para colocá-lo num divã e saber o que está por trás disso, mas desde 1996 não tivemos uma impugnação minimamente séria. É preocupante. O exemplo vem de cima. Se ele coloca em dúvida um sistema, o que um leigo vai pensar? Vai pensar que realmente há fraude, manuseio, manipulação. Nós vamos ter muitos atritos sendo levados ao Tribunal Superior Eleitoral, pois em 2022 ele (Jair Bolsonaro) vai começar a campanha antes do prazo fixado”, disse.
Ministro vê falta de compreensão e de propósito
Em 31 anos como ministro do STF, Marco Aurélio Mello afirma jamais ter visto situação como a que o país vive atualmente.
“Não tinha visto antes tanta falta de temperança, de compreensão, de propósito. Aceito a crítica, mas a crítica construtiva, não a crítica voltada à desqualificação, muito menos de uma instituição como é o STF, o Judiciário. Nós precisamos de uma cerimônia maior. Está na Constituição, os Poderes são independentes e harmônicos. Isso é muito ruim em termos de respeitabilidade externa e interna”, pondera.
Terceira via
O ministro se mostra favorável a uma terceira via para concorrer à Presidência em 2022, liderada pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), que se assumiu homossexual há alguns dias.
“Gosto da ideia de uma terceira via presidencial liderada pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB). (A atitude de falar sobre a homossexualidade) foi interessante porque faz um contraponto considerável. Não podemos ficar nessa polarização. Ou reelegemos Bolsonaro ou elegemos o ressuscitado politicamente. E olha que eu gosto muito desse fruto do mar que é a lula!”, disse.
Substituto “terrivelmente evangélico”
Como conselhos para o seu provável substituto na Corte, o advogado “terrivelmente evangélico” escolhido por Bolsonaro, Marco Aurélio afirma que ele deve perceber a “missão sublime” que terá pela frente.
“Que ele perceba essa missão sublime, essa opção de vida que é a missão de julgar, e atue com absoluta equidistância, só se curvando ao próprio convencimento. E que se seja autêntico, não fique impressionado com a maioria. Se convencer-se de assistir maior razão à tese repudiada pela maioria, fique com a sua tese”, afirma.
Sobre a questão religiosa presente na escolha, Marco Aurélio lembra o preceito que rege – ou pelo menos deveria reger – o país.
“O Estado é laico. Que ele seja um juiz da Suprema Corte, que não está engajado em qualquer política governamental”, ressalta.
“Ato falho” de Moro
O decano do STF disse que o ex-juiz e ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública do governo Bolsonaro Sergio Moro é merecedor de sua deferência e de seu respeito, embora Moro tenha “virado as costas à cadeira de juiz”. Para Marco Aurélio, ao deixar a magistratura e embarcar no governo federal, Moro cometeu “um ato falho”, mas ainda assim merece ser respeitado.
“Ele tinha planos quanto à segurança pública no Brasil. Infelizmente, teve um descompasso com o dirigente maior do país e não pôde realizar esses planos”, afirmou.
Afirma ainda que a decisão que declarou Sergio Moro suspeito “foi algo que deixou a todos perplexos”.
“Se dá o dito pelo não dito e se enxovalha o Sergio Moro. É um retrocesso processual. O que se quer com o término do processo? Afastar aquele conflito e se restabelecer a paz social. Ele (Lula) já vinha cumprindo pena, será que tantos erraram? A insegurança que gera é enorme. Vai haver a polarização”, defende.
Com informações da CNN e O Globo