
A afirmação de que as “Forças Armadas são instituições de Estado, não de governo” é da ministra Maria Elizabeth Rocha, primeira, e até hoje, única mulher a integrar e a ter presidido o Superior Tribunal Militar (STM). Entrevistada pelo Valor, ela falou sobre o uso da imagem das Forças Armadas pelo governo e a presença de militares no Executivo, casos como o do ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e do ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello.
“Vejo com certa preocupação o fato de militares da ativa ocuparem postos-chave no governo. É cômodo para o presidente escolher militares para compor o alto escalão, preenchendo lacunas que, politicamente, talvez ele não conseguisse manejar. São pessoas que nunca vão confrontá-lo, pois ele é o chefe supremo das Forças Armadas. Nunca vai existir um embate como o que houve com o ex-ministro [da Saúde, Luiz Henrique] Mandetta, porque ao fim e ao cabo eles estão subordinados, como militares, ao presidente da República. Quando a política entra nos quartéis, a hierarquia e a disciplina sofrem abalos. De toda a sorte, apesar das bravatas sobre golpes políticos, os militares não vão se prestar a esse papel. O silêncio dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica foram um sinal de que essa aventura política jamais será repetida”, avalia ela.
Rompendo uma tradição centenária, a magistrada tomou posse na mais antiga Corte do país em 2007, poucos dias antes de órgão da justiça militar completar 199 anos como tribunal composto apenas por homens.
Desde então, a ministra Maria Elizabeth Rocha tem se notabilizado também por, na maioria das vezes, ter posicionamentos que divergem do entendimento adotado pela maioria dos colegas nos julgamentos.
A desastrosa Operação Muquiço que levou à morte o músico Evaldo Rosa, atingido por tiros de fuzil do Exército Brasileiro, em 2019, no Rio de Janeiro, é um exemplo dessa divergência em relação ao teor do voto. Rocha foi a única a votar pela manutenção da prisão preventiva dos nove militares envolvidos na morte de um músico e de um catador em Guadalupe, também alvejado pelos disparos.
Os nove militares que estavam presos por envolvimento na morte do músico Evaldo dos Santos Rosa, e do catador de materiais recicláveis Luciano Macedo, foram soltos em maio deste ano. A conclusão do caso trouxe revolta aos familiares das vítimas.
Governo e pandemia
Na entrevista, Maria Elizabeth ainda criticou a condução da pandemia pelo governo de Jair Bolsonaro, classificando como “um horror existencial imenso”, com “desfecho fúnebre”. Ela própria sentiu os efeitos da crise sanitária no início do mês, quando sua mãe, 97 anos, esteve sob suspeita de estar com Covid-19, mas, felizmente, o diagnóstico acabou por não se confirmar.
Questionada sobre uma fala do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), na qual ele afirma que povoar o governo com militares pode abrir as portas para a “chavização” da política, ela declarou concordância.
“Concordo plenamente. As Forças Armadas são instituições nacionais de Estado, não de governo. É muito significativo que a Constituição brasileira, uma das mais extensas do mundo, com mais de 5 mil disposições, só utilize a palavra “pátria” uma vez, quando fala das Forças Armadas. Então, quando militares da ativa servem a um governo, é comprometedor. Fossem da reserva, eu ficaria menos incomodada”.
Confira aqui íntegra da entrevista da ministra Maria Elizabeth Rocha ao Valor.