
A Revolução Brasileira é a coluna quinzenal e exclusiva para o site Socialismo Criativo assinada por Jones Manoel. Historiador, professor, educador popular, youtuber e podcaster, o colunista aborda os caminhos revolucionários a partir do ponto de vista da juventude marxista brasileira.
Boa leitura!
Nota sobre os rumos dos atos de rua
Nos últimos dias, em duas publicações, procurei refletir sobre o rumo dos atos de rua e de forma mais geral, da luta política no Brasil. No escrito Três notas sobre a ação dos comunistas nas ruas e no movimento de massas1 procuramos refletir sobre a tarefa dos comunistas nos atos de rua e movimentos de massa no curto e médio prazo e na segunda reflexão, com menor fôlego, Três notas sobre a luta política no Brasil2, buscamos criticar o horizonte geral, teórico e político, da maioria das esquerdas brasileiras.
Nas duas reflexões, por caminhos diferentes, apontamos um problema central na conjuntura: a volta dos atos de rua em escala nacional e com periodicidade cumpriu seu papel, mas é preciso avançar, encaminhar ações diretas de massa, buscar atingir o capital na produção e circulação de pessoas e mercadorias, esforçar-se para construir uma greve geral, envolver cada vez mais setores da população na mobilização e construir uma grande marcha para Brasília.
Não para minha surpresa, no tradicional Grito dos Excluídos, que acontece há quase 30 anos, tivemos um boicote massivo de vários setores da esquerda e centro-esquerda. PSB e PDT anunciaram que não iriam ao ato, com figuras midiáticas e personalidades de ambos, como Marcelo Freixo, Tico Santa Cruz e Ciro Gomes, fazendo terrorismo sentimental e difundindo pânico moral para desmobilizar o ato. Mesmo aqueles que foram, como PCdoB, o fizeram sem muito entusiasmo. Apesar de todo boicote, desmobilização, pânico moral e alarmismo, os atos de esquerda, mesmo menores que o 24J, foram muito significativos – chama atenção que os que falavam em “gente morta nas ruas”, “bando de fascistas armados” e afins, depois de não se confirmar suas previsões apocalípticas, simplesmente não fazem autocrítica.
Em seguida, sem qualquer explicação racional e lógica, esses mesmo setores que boicotaram aquele que deve ser o ato mais tradicional da esquerda brasileira desde a redemocratização, buscaram construir um “ato amplo” com o MBL, Vem para rua e outros fascistas mirins. Muito se debateu sobre a “frente ampla” e a necessidade de todos na rua. Um falso debate por um motivo óbvio: como eu disse dias antes do ato, a direita neoliberal não tem hoje capacidade de mobilizar bases sociais e não
daria ninguém no ato – e foi o que aconteceu. Em segundo lugar, falar em abstrato sobre “frente ampla” com o MBL oculta a questão central: estamos falando de uma força fascista (ou com traços fascistas, se preferirem) e que tem o mesmo programa que o bolsonarismo.
Depois do fracasso do dia 12, surgiu grande expectativa na militância sobre o próximo ato das esquerdas, tudo podia acontecer e no final, aconteceu nada. A maioria das organizações que compõe a Campanha Nacional Fora Bolsonaro, segue na sua política de buscar manter os atos como um fator constante, mas não decisivo, com vistas só a acumular “capital político” para disputa eleitoral e não derrubar Bolsonaro. No texto Três notas sobre a ação dos comunistas nas ruas e no movimento de massas, escrevemos:
É inequívoco que as forças da socialdemocracia e do social-liberalismo não vão mais boicotar os atos de rua. A lógica agora é dirigir os atos, levar a situação “em banho maria” e manter as ruas só como um fator de desgaste do governo Bolsonaro. A lógica de atos espaçados – em média, um mês entre um ato e outro – sempre aos sábados, sem apontar nenhum indicativo de greve geral e ações diretas de massas, visa manter os protestos como um cenário político com alguma influência eleitoral, mas sem radicalizar as lutas e encaminhar para um confronto aberto com tudo que o bolsonarismo representa – incluso o Partido Fardado.
Bem, a dinâmica atual se manteve. O próximo ato é dia 02 de outubro, ao sábado, mais de 20 dias depois do ato anterior. Depois do dia 02, segundo informações na internet – como twittes do presidente do PSOL, Juliano Medeiros – teremos um ato dia 15 de novembro com participação do Solidariedade, Cidadania, PV, artistas e governadores da oposição: em suma, um showmício. Nesse ponto, para evitar caricaturas, é importante dizer que nada contra, em princípio, a participação de partidos de direita, como Cidadania, nos atos: eles já vêm participando, mas sem protagonismo e esse estardalhaço de anunciar adesão é apenas para cavar maior visibilidade.
A questão central é: continuamos com a dinâmica centrista de manter os atos de rua, colocar algum peso na mobilização da população, mas sem tentar radicalizar, crescer e escalar a capacidade de intervenção das massas. Outubro é o décimo mês do calendário. Se até novembro não dermos início a um processo de impedimento, Bolsonaro só sai do governo por renúncia ou uma cassação de chapa. Considerando a tendência da política institucional brasileira, com essa dinâmica política e social, a propensão é o fascista na presidência disputar 2022 e a tática de “sangrar” Bolsonaro até a eleição acaba se impondo.
Quem está lendo pode ver esse escrito como derrotista. Não é o caso, mas é preciso realismo para olhar sem névoa o cenário. Nesse momento, é só nos próximos atos de rua que podemos disputar, debater e criticar o centrismo majoritário na Campanha Nacional Fora Bolsonaro. Poderíamos, à nível de articulação política, fazer mais, contudo, me furto de fazer esse debate aqui e em público. O que posso dizer é que temos duas tarefas imediatas nos atos do dia 02 de outubro na nossa agitação.
A primeira, como já adiantei, é criticar e debater esse centrismo. É preciso dialogar com a juventude e os setores da classe que estão no ato sobre os rumos da luta política no Brasil. Perguntar, abertamente, o que as pessoas desejam: “sangrar” o bolsonarismo até 2022 ou tentar derrubá-lo agora? Apresentando esse debate, colocar as nossas mediações táticas para buscar radicalizar e crescer o movimento de massas. Ninguém acha que é fácil construir uma ofensiva popular e criar as condições para derrubar de imediato o Governo Bolsonaro. Mas temos obrigação de tentar. E nesse momento, a maioria do que se chama de esquerda no Brasil, não está tentando.
A segunda coisa, já em curso, mas que precisa ser reforçada, é as organizações comunistas e revolucionárias aproveitarem muito os atos de rua para se fortalecerem, divulgarem seu programa político e palavras de ordem, agitar suas bandeiras, ganhar mais musculatura social. 2022 promete ser o ano de uma eleição bem despolitizada – na lógica do “tudo e qualquer coisa” contra Bolsonaro. É fundamental, por exemplo, colocar no centro do debate a revogação de todas as contrarreformas e privatização. Esse agora é para ontem. Os atos de rua devem ser parte desse esforço de politização e elevação da consciência das massas populares e juventude.
Sigamos e nos vemos nas ruas dia 02 de outubro.
Lutar, criar, poder popular.
1 – Três notas sobre a ação dos comunistas nas ruas e no movimento de massas
2 – Três notas sobre a luta política no Brasil