
Os ataques terroristas contra as sedes dos poderes brasileiros — Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal (STF) —, em Brasília marcaram mais um episódio de violência da extrema direita na América Latina. Os levantes violentos coincidem com a onda progressista (também conhecida como “onda rosa”) que assumem a presidência dos países latinos: com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Brasil, somente o Uruguai, Paraguai, Equador e Guatemala são comandados por líderes de direita na região.
Nesta semana, a vice-presidenta da Colômbia Francia Márquez também denunciou ser vítima de um atentado. Ela afirma que sua equipe de segurança encontrou um artefato com 7kg de explosivos próximos à sua residência em Yolombó, província de Cauca, na região do Pacífico colombiano.
O atentado aconteceu apenas três dias após os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) terem vandalizado a capital brasileira. Os casos se somam a tentativa de assassinato da vice-presidenta da Argentina Cristina Kirchner em setembro e a conspiração governamental que destituiu o presidente do Peru, Pedro Castillo, em dezembro.
Nos últimos quatro anos, o aprofundamento da polarização política foi uma realidade em vários países da região. A ascensão de personagens de extrema direita, contrapondo discursos de esquerda, muitas vezes extrapola o debate de ideias e se manifesta em agressão e violência.
Em um continente atravessado pela herança do colonialismo e de diferentes variedades de golpismo, os levantes se tornaram mais frequentes e dignos de um olhar mais cuidadoso das autoridades federais. Relembre alguns outros momentos que a América Latina enfrentou nos últimos anos:
Atentandos na Colômbia
No dia 24 de agosto de 2022, a comitiva presidencial de Gustavo Petro sofreu um atentado armado, atingindo dois veículos oficiais. Petro se deslocava pela via que conecta Bucaramanga, capital do estado Santander, até a região El Tarra, Norte de Santander, na fronteira com a Venezuela. Apesar dos ataques, ninguém saiu ferido.
Já durante a campanha, tanto Petro como Francia sofreram ameaças de morte de grupos paramilitares, tiveram que cancelar atividades na região do Pacífico colombiano e realizar comícios com proteção e colete a prova de balas.
Ataques contra Luis Arce na Bolívia
Em novembro de 2020, apenas um mês após assumir a presidência, Luis Arce sofreu uma tentativa de atentado, enquanto se reunia com correligionários, em La Paz, capital boliviana.
Segundo Sebastian Michel, porta-voz do partido, uma caixa com dinamite foi deixada em frente à casa de campanha da sigla. “Há alguns minutos fomos vítimas de um ataque de um grupo que deixou uma caixa de dinamite na casa de campanha onde nosso próprio presidente eleito, Luis Arce, estava se reunindo. Estamos muito preocupados com o que está acontecendo”, disse o porta-voz, em entrevista à imprensa.
O Movimento ao Socialismo (MAS-IPSP), encabeçado por Arce, ex-ministro de Economia de Morales, naquela ocasião voltava ao poder depois de ganhar as eleições gerais de outubro de 2020 e derrotar nas urnas o golpe de Estado.
Em outubro de 2019, mesmo após vencer a sua quinta reeleição, o presidente Evo Morales foi forçado a renunciar pela pressão das Forças Armadas, da Polícia Nacional e setores da direita boliviana. Assim como Morales, seu vice, Álvaro García Linera, ministros e parlamentares do MAS-IPSP foram ameaçados de morte durante a gestão golpista de Jeanine Áñez.
Morales e García Linera receberam asilo político no México e, mais tarde, na Argentina. Os militares bolivianos tentaram impedir que os ex-chefes de Estado embarcassem no avião oficial mexicano para deixar o país em outubro de 2019.
Já em 2021, o presidente Andrés Manuel López Obrador revelou no livro “A mitad del Camino”, que a aeronave das Forças Armadas Mexicanas foi alvo de foguetes enquanto transportava os políticos bolivianos para o México.
“Durante a subida inicial, o piloto observou do lado esquerdo da cabine de pilotagem, e quando estava quase 1.500 pés acima do solo, uma trilha luminosa semelhante à característica de um foguete na posição das sete horas (atrás, à esquerda da trajetória da aeronave), abaixo do horizonte”, afirma documento revelado por Obrador em seu livro.
Conspiração e atentandos na Venezuela
Em 2018, o presidente Nicolás Maduro sofreu um atentado com explosivos do tipo C4 disparados por um drone. O episódio ocorreu no dia 4 de agosto de 2018, no evento de aniversário da Guarda Nacional Bolivariana, na avenida Bolívar, no centro de Caracas.
Em agosto deste ano, a Justiça venezuelana condenou 17 pessoas pela participação na tentativa de assassinato contra o presidente Maduro. Entre os condenados estão três militares e um ex-deputado. As penas variam de 5 a 30 anos.
Juan Carlos Requenses, ex-deputado que integrou a Assembleia Nacional eleita em 2015, foi condenado a oito anos de prisão pelo crime de “conspiração” por ter integrado, segundo a Justiça, o grupo que planejou o atentado
Explosivos durante campanha de Lula no Brasil
Em julho deste ano, bombas caseiras explodiram próximo ao palco onde o ex-presidente Lula da Silva discursava no seu ato de pré-campanha na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro (RJ).
Já na campanha eleitoral de 2018, dois ônibus da comitiva que viajava com Lula pelo Paraná, no sul do país, foram alvejados a tiros. Os veículos sofreram uma espécie de emboscada e tiveram seus pneus furados por miguelitos, uma espécie de cruz formada por pregos entrelaçados, jogados na estrada para diminuir a velocidade e facilitar a emboscada.
Consequências
A alternância de chefes de Estado é constitucional e garante que a democracia seja exercida em sua plenitude. Entretanto, ao eleger figuras que estimulam a violência entre a população heterogênea ideologicamente e pregam ataques contra as instituição do Estado, as consequências podem perdurar muito além do mandato desses líderes.
Hoje, o governo Lula precisa vê os reflexos da gestão bolsonarista na pele e entende que o seu terceiro mandato poderá ser mais difícil de todos. Em 2023, não somente a conjuntura sócio-econômica do Brasil mudou, mas a relação de parte da população, de civis a congressistas e empresários, com as lideranças políticas.
O ex-mandatário Jair Bolsonaro, aliado de fake news e discursos preconceituos e estimulo da violência armada, “zumbificou” parcela da sociedade com a doença do bolsonarismo — que já é muito maior e mais perigoso que o próprio político extremista.
Para lidar com os terroristas, Lula e os chefes de Estado latinos precisarão dar atenção máxima as turbas antidemocráticas. Ou se tornarão reféns de uma movimentação vil e que tem potecial de causar um racha em democracias.