
A cientista social e doutoranda em antropologia Célia Xakriabá, 30 anos, falou com exclusividade ao site Socialismo Criativo sobre a situação dos povos indígenas durante a pandemia do novo coronavírus no Brasil.
Ela revela muita preocupação com a crise sanitária deflagrada pelo Covid-19. “Até agora não foi anunciada nenhuma medida de governo voltada para as populações indígenas”, afirma.
Célia é uma pioneira, foi a primeira integrante de seu povo a concluir um mestrado e a primeira indígena a ocupar um cargo na Secretaria de Educação de Minas Gerais. Também é a única indígena a cursar doutorado em antropologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Aos 30 anos, é professora, ativista e uma das mulheres à frente da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas (Apib), responsável pela organização do fórum e da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas no Brasil, realizados em 2019.
A líder indígena informa que tem atuado em conjunto com a Bancada da Minoria no Congresso Nacional para elaborar um pacote de medidas que contemplem as particularidades do cuidado com a saúde indígena nesse período.
“Não tem envio de nenhuma estrutura, EPI [equipamento de proteção individual] ou materiais básicos para os pólos da saúde indígena”, denuncia.
Em seu perfil no Instagram, Célia procura informar os povos originários e apoia o isolamento social.
“Porque embora isso pode ser justificado apenas como uma crise humanitária, o governo, o Estado brasileiro, é responsável quando levianamente não pauta os povos indígenas como uma preocupação”, desabafa.
Célia informa que, desde o ano passado, uma das principais lutas dos povos originários tem sido barrar a municipalização da saúde indígena, conforme estabelecido pelo Decreto 9.795.
Por mensagem de áudio via aplicativo de mensagens, a indígena conversou diretamente da Terra Xakriabá, localizada no norte de Minas Gerais, próximo ao município de São João das Missões.
No áudio, Célia destaca que, se para a grande parte da sociedade brasileira e mundial a pandemia do novo coronavírus é uma novidade, para os povos originários é uma realidade há 500 anos.
“Os povos indígenas foram exterminados por doenças virais no projeto da colonização: por roupas contaminadas, comidas contaminadas. Feito dentro do propósito desse processo chamado ‘progresso’, da morte, e que significou extermínio em massa para as nossas populações indígenas.”
Na crise atual, Célia informa que o esforço dos povos indígenas é para que não ocorra um primeiro caso de Covid-19 nos territórios.
“A saúde indígena não tem estrutura nenhuma para lidar com essa situação, porque sobretudo não tem esse encaminhamento de distribuir para as comunidades indígenas álcool em gel, coisas básicas”, alerta.
Outro aspecto apontado pela cientista social refere-se ao isolamento social imposto durante a pandemia.
“Se para o restante da sociedade já é um desafio, imagina para os povos indígenas, que têm hábitos de convivência coletiva, com comida e objetos de rituais da cultura de cada povo. Para nós isso representa uma ameaça muito grande”, avalia.
Célia chama a atenção para uma ameaça de extermínio em massa das populações indígenas.
“Não é apenas essa crise respiratória que nós vamos enfrentar. Essa crise meio que pegou o mundo de surpresa, mas existe uma outra crise respiratória em curso que os que sobreviver a essa vão ter que fazer um novo enfrentamento, que é a crise respiratória das mudanças climáticas. Se não cuidar dos povos indígenas, vai matar o maior balão de oxigênio do mundo”.