
Levantamento da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) indicou que, em 2020, o número de mamografias realizadas por mulheres entre 50 e 69 anos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) foi de 1,1 milhão – em 2019, foram 1,9 milhão. O número representa uma redução de 42% nos exames realizados por mulheres nessa faixa etária, que é a preconizada pelo Ministério da Saúde para realização do exame a cada dois anos.
A cada ano, cerca de 66 mil mulheres desenvolvem câncer de mama no Brasil, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), que aponta que esse é o tipo de câncer mais prevalente entre as mulheres no país. O Atlas de Mortalidade por Câncer do Inca, que reúne os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade, indica que a doença levou à morte de 18.295 pessoas no país em 2019.
De acordo com a coordenadora do estudo sobre a queda do número de mamografias, Jordana Bessa, médica da Sociedade Brasileira de Mastologia e do Oncologia D’Or, a análise também identificou um aumento na proporção de mulheres submetidas à mamografia que já apresentavam nódulos palpáveis.
“Identificamos um aumento de mulheres com nódulos palpáveis, saindo de 7% em 2019 para 7,9% em 2020, algo de extrema preocupação para todos nós”, disse.
Pandemia reduziu a procura por mamografias
Segundo a especialista, o fato de a queda no número de exames ter se intensificado a partir de abril indica que a pandemia foi o fator principal nessa retração. Em abril de 2019, foram realizados 154 mil exames na faixa etária avaliada. Já em abril de 2020, foram 37 mil exames, uma queda de 76%. “Os serviços de saúde essenciais não ficaram fechados, mas as próprias pacientes tiveram receio de fazer os exames e de se expor ao contágio”, afirma Jordana.
Segundo a especialista, em outubro de 2020 houve uma elevação nos índices de mamografia, em razão das campanhas de conscientização. “Tivemos 135 mil exames, mas em outubro de 2019 foram 214 mil. Ainda não chegou no mesmo patamar. Está havendo uma recuperação, mas ainda não alcança os mesmos níveis de 2019”, disse.
O que ainda atrapalha?
Pesquisadoras brasileiras e canadenses realizaram um amplo estudo para identificar os motivos para a baixa adesão à mamografia no país. A pesquisa, publicada no periódico científico Nursing Open, faz uma análise de 22 artigos sobre o tema publicados entre 2006 e janeiro de 2020.
As especialistas identificaram 41 fatores que podem influenciar na adesão ao exame, divididos entre características demográficas e socioeconômicas, uso do serviço de saúde, histórico médico e rastreamento anterior de câncer.
De acordo com a pesquisa, a desigualdade socioeconômica influencia diretamente na saúde da mulher. Entre todos os aspectos considerados, o levantamento indica que ter idade elevada, estar em um relacionamento, ter ensino superior, maior renda, residência urbana e morar na região Sudeste do Brasil são aspectos mais comumente relacionados à adesão ao exame de mamografia.
As pesquisadoras identificaram uma escassez de investigações que relacionem a busca pelo exame e aspectos raciais. Somente 3 dos 22 estudos considerados na meta-análise incluíram esse quesito.
O oncologista Carlos dos Anjos, do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, fez um alerta sobre a falta de informações sobre o exame.
“A ausência desse dado inviabiliza a definição de políticas de saúde voltadas para a preservação da saúde da mulher negra, além de reforçar um comportamento de omissão quanto aos cuidados para com essa mulher. Tal comportamento é contrário a um movimento de países desenvolvidos que visa trazer maior inclusão dessas mulheres no combate ao câncer.”
Carlos dos Anjos
O levantamento também apontou uma adesão maior à mamografia por mulheres que passaram por consulta médica anterior, com especialista ou na atenção primária; que têm uma perspectiva positiva da própria saúde; e que realizaram outros exames de rastreio do câncer.
Uma outra pesquisa, publicada pela Spandidos Publication, avaliou 19 estudos desenvolvidos em todo o mundo para coletar informações de 250.733 mulheres de diferentes grupos minoritários, além de avaliar a adesão ao rastreamento do câncer de mama e as barreiras ou limitações que causam a não-adesão.
A taxa de adesão encontrada foi de 49,7%, em média, nos últimos 2 anos. Pelo menos metade das mulheres que fazem parte de alguma minoria não fez o exame no período. No Brasil, segundo o levantamento, a taxa de adesão à mamografia é de apenas 32% entre mulheres com 50 a 59 anos e de 25% naquelas com 60 a 69 anos e que integram algum grupo minoritário.
O que causa o câncer de mama?
O oncologista Carlos dos Anjos, do Hospital Sírio-Libanês, explica que as causas do câncer de mama não são totalmente esclarecidas. No entanto, alguns fatores de risco podem contribuir para o desenvolvimento da doença.
“Algumas características podem aumentar o risco, como o sexo feminino e a idade. O risco do desenvolvimento do câncer de mama aumenta à medida que as mulheres envelhecem, ele é bastante infrequente em faixas etárias muito jovens e passa a se tornar mais frequente em faixas etárias mais altas acima de 60 e 70 anos”, afirma.
Segundo o especialista, outros fatores podem favorecer o surgimento do câncer de mama, embora sejam menos relevantes estatisticamente, como o fato de não ter tido filhos e não amamentar, o início precoce da menstruação, a menopausa tardia e a terapia de reposição hormonal.
“Todos esses fatores que aumentam a exposição hormonal da mulher ao longo da vida vão impactar em um aumento do risco. Mas esse é um aumento relativamente discreto do risco”, acrescenta.
Fatores hereditários aumentam risco do câncer de mama
As alterações genéticas que aumentam o risco do câncer de mama podem ser herdadas dos pais para os filhos. A frequência de mutações que podem favorecer o surgimento da doença na população em geral é baixa.
“Ter familiares acometidos por câncer de mama, sobretudo se forem próximos, como mãe, irmã ou filho, aumenta o risco do desenvolvimento do câncer de mama, que pode duplicar e, às vezes, triplicar o risco, de acordo com o número de familiares acometidos e com a idade na qual eles desenvolveram o câncer”, afirma Carlos.
Segundo o especialista, mutações presentes em diferentes genes estão vinculadas ao aumento do risco da doença, principalmente nos genes chamados BRCA1, BRCA2, PALB2, CHEK2 e ATM.
Para mulheres diagnosticadas com o câncer de mama e aquelas que contam com histórico familiar da doença, pode ser recomendada a checagem das mutações, realizada a partir de exames genéticos.
O especialista faz uma ressalva de que não é recomendada a realização indiscriminada desse tipo de teste com o objetivo de prevenir o câncer de mama.
“Não é qualquer histórico familiar que vai motivar a realização desses testes. Por ser um tumor frequente, não é incomum que um indivíduo tenha um familiar com o câncer”, explica.
Segundo o médico, os principais indicativos para o exame genético são o diagnóstico do câncer ou a presença de um ou mais casos em familiares próximos, principalmente quando o surgimento da doença acontece em idade precoce, abaixo de 50 anos. Para essas pessoas, os benefícios do teste incluem a opção por medidas que podem reduzir o desenvolvimento da doença.
Entre elas estão a retirada das mamas de forma profilática, ou seja, antes do surgimento da doença, a retirada dos ovários para redução da produção de hormônios e o aumento da frequência de testes de rastreio, como a mamografia, além da inclusão de outros exames, como a ressonância magnética, para detecção precoce.
Diagnóstico precoce, mamografias e autoexame
O Ministério da Saúde recomenda a realização da mamografia como método de rastreamento, ou seja, exame de rotina, para mulheres sem sinais e sintomas na faixa etária de 50 a 69 anos, a cada dois anos.
O exame pode revelar possíveis lesões nos seios, especialmente em mulheres após a menopausa. Antes desse período, as mamas são mais densas, o que reduz a sensibilidade da mamografia e pode levar a um número maior de erros de diagnóstico – tanto no que diz respeito aos resultados negativos para pessoas que têm a doença, quanto para resultados positivos para mulheres sem câncer.
Além disso, a medida promove, ainda, uma exposição desnecessária à radiação e a necessidade de realização de mais exames.
De acordo com o Ministério da Saúde, o Instituto Nacional de Câncer e a Sociedade Brasileira de Mastologia, o autoexame das mamas não é mais uma técnica recomendada às mulheres para rastreamento do câncer de mama. A orientação tem como base diversos estudos sobre o tema que demonstraram baixa efetividade e possíveis danos associados a essa prática.
No entanto, recomenda-se que a mulher conheça o próprio corpo e esteja atenta a quaisquer alterações que possam aparecer e a procurar esclarecimento médico, em qualquer idade, sempre que perceber alguma alteração suspeita nos seios.
“Ainda não foi provado de forma definitiva que fazer o autoexame mensal com uma técnica preconizada, de fato, reduza a mortalidade por câncer de mama. Pode gerar um pouco de ansiedade e não ter resultados tão impactantes. É importante fazer pelo menos um exame clínico das mamas uma vez ao ano a partir dos 35 anos”, explica Jordana Bessa, da Sociedade Brasileira de Mastologia. “E é importante a mulher ter uma noção de como é a mama, se olhar no espelho de vez em quando, ver se tem alguma deformidade ou lesão na pele”, acrescenta.
Os principais sinais e sintomas da doença são nódulos (caroços) fixos e geralmente indolores, pele avermelhada, retraída ou com lesões semelhantes à de uma casca de laranja, além de alterações no bico do peito, nódulos nas axilas ou no pescoço e saída espontânea de líquido anormal pelos mamilos (veja o quadro abaixo).
Tratamento e chances de cura
Assim como existem diferentes tipos de câncer de mama, o tratamento também varia de acordo com as características do tumor. Esse tipo de câncer tem um risco potencial de gerar a chamada metástase à distância, que acontece quando o tumor se desloca pela corrente sanguínea ou pelos vasos linfáticos e passa a crescer em outros órgãos e partes do corpo, como o pulmão, o fígado, os ossos e o sistema nervoso central.
“A doença metastática, quando ela acaba indo para algum outro ponto do corpo, infelizmente é considerada atualmente uma doença incurável, apesar de ser tratável. Temos opções de tratamento para controle e prolongamento do tempo e qualidade de vida, mas não é considerada uma doença curável”, explica Carlos.
Segundo o especialista, o diagnóstico precoce aumenta de forma significativa as chances de cura. “Temos que aumentar a frequência de diagnóstico em fases iniciais, porque aumentam as chances da pessoa ficar curada. Optar por não fazer o rastreamento acaba colocando o indivíduo em risco maior de fazer diagnóstico em fases mais tardias, o que dificulta a chance da curabilidade”, disse.
O tratamento do câncer de mama depende da fase em que a doença se encontra (estadiamento) e do tipo do tumor. O processo pode incluir cirurgia, radioterapia, quimioterapia, hormonioterapia e terapia biológica (terapia alvo).
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Serviços gratuitos de mamografia
No Brasil, os exames de mamografia podem ser realizados de forma gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em geral, o procedimento requer a consulta com um médico da atenção primária, em Unidades Básicas de Saúde (UBSs), que fazem o pedido do exame e encaminhamento para os serviços especializados.
No Distrito Federal, os exames de mamografia podem ser realizados em qualquer mulher com alguma queixa mamária, independente da faixa etária, ou mulheres entre 50 a 69 anos de idade, sem queixas. Para realizar o exame, as mulheres devem procurar a Unidade Básica de Saúde de referência e passar por avaliação médica. O pedido deve ser solicitado pelo médico ou enfermeiro responsável pelo atendimento.
De acordo com a Secretaria de Saúde do DF, as mamografias podem ser feitas no Hospital de Base (HBDF), no Hospital Materno Infantil de Brasília, além dos hospitais regionais de Sobradinho, do Gama, de Santa Maria, de Samambaia, de Taguatinga e de Ceilândia.
Segundo a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES/RJ), a realização de exames de mamografia na rede pública de saúde no estado depende da recomendação médica. O pedido pode ser feito a partir de consultas de rotina em UBSs ou em serviços ambulatoriais de hospitais públicos do estado.
O próprio profissional da saúde faz o registro da paciente no sistema, que irá direcionar o agendamento para a realização do exame de acordo com o local mais próximo e com disponibilidade de vagas.
No estado de São Paulo, mulheres com idade entre 50 e 69 anos e que estão há mais de dois anos sem realizar mamografias podem marcar os exames sem necessidade de pedido médico. O agendamento pode ser feito de forma gratuita por telefone (0800-779-0000), de segunda a sexta-feira, entre 8h e 17h.
O estado conta com cerca de 200 serviços com mamógrafos disponíveis pelo SUS. Além disso, São Paulo conta com o equipamento itinerante do projeto “carretas da mamografia”, que percorre cidades do estado para otimizar o diagnóstico da doença.
A iniciativa oferece exames gratuitos, sem necessidade de pedido médico ou agendamento para a faixa etária estabelecida como prioridade. O projeto voltou a funcionar no dia 8 de setembro, pelas cidades de Osasco e Presidente Prudente.
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Mamografias no SUS
A produção de mamografia no SUS engloba mamografia de rastreamento, indicada para mulheres de 50 a 69 anos sem sinais e sintomas de câncer de mama, a cada dois anos; e mamografia diagnóstica, indicada para avaliar lesões mamárias suspeitas em qualquer idade, também em homens.
Segundo o site do Inca, em 2020, foram realizadas 2.572.236 mamografias no SUS, sendo 300.447 mamografias diagnósticas e 2.271.789 mamografias de rastreamento. A região Sudeste fica em primeiro lugar com 1.324.477 mamografias, seguida da Região Nordeste com 536.201 e Centro-Oeste com 515.953 respectivamente.

Mamografia diagnóstica
A produção de mamografia diagnóstica em mulheres também sofreu redução, em 2020, sendo essa proporcionalmente menor quando comparada à de rastreamento. O atraso na realização da investigação de lesão palpável deve ser especialmente evitado em função da necessidade de investigação mais urgente dos casos sintomáticos (Migowski e Corrêa, 2020).
Embora possa ser solicitada pelo SUS em qualquer idade, para fins de diagnóstico, a mamografia não é o método mais indicado para mulheres jovens, em função da maior densidade mamária e do consequente limite do exame para avaliar lesões suspeitas nesse grupo.
A maior concentração de mamografias ocorre na faixa etária de 50 a 59 anos, seguida da faixa etária de 60 a 69 anos. Percentual expressivo também ocorre na quarta década de vida.
Com informações do Inca e G1