
A queda da popularidade de Jair Bolsonaro (sem partido) tem sido ampliada para setores que elegeram o presidente e deram suporte ao atual governo até pouco tempo atrás. Pesquisa Atlas divulgada pelo jornal El País revela que o índice de rejeição entre católicos é de 69%. O número supera o índice geral de reprovação que é de 62%.
A aprovação do presidente tem se esvaído diante da má gestão do governo federal durante a pandemia da Covid-19 e aos aos ataques sem provas ao sistema eleitoral. A rejeição tem aumentado, inclusive, entre setores que o elegeram como, por exemplo, os cristãos.
O mesmo índice se repete na faixa mais pobre – entre aqueles que ganham até R$ 2 mil – e entre os ricos, com salários acima de R$ 10 mil, parcela na qual Bolsonaro já exerceu forte influência.
Entre os evangélicos, principal base de apoio junto com os militares, Bolsonaro ainda conta com 52% de apoio, mas 45% já desaprovam seu desempenho.
O maior índice de rejeição é registrado entre eleitores do Nordeste, onde Bolsonaro é desprezado por 73% da população. No Norte, 65% rejeitam o presidente.
Cai o apoio dos evangélicos a Bolsonaro
O antropólogo Ronaldo de Almeida, da Unicamp, é estudioso, há três décadas, do evangelicalismo, grupo que representa hoje 30% da população brasileira. Em entrevista ao portal Terra, no dia 28 de junho, ele explicou um pouco do cenário político cristão em relação ao atual governo.
Segundo ele, este grupo evangélico está sujeito a uma variedade de elementos que incluem desde alinhamento a valores morais, a conjuntura política e a situação econômica. Isso explica a confiança já depositada, no passado, em nomes como Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e, agora, Jair Bolsonaro.
Os evangélicos podem representar uma dificuldade ao atual presidente. Para 2022, num cenário em que opositores como Lula e Ciro Gomes também acenam a essa parcela do eleitorado, de acordo com a avaliação de Almeida. “Bolsonaro vem perdendo em geral. E também perde no segmento evangélico”.
Pesquisa Ipec divulgada pelo Estadão no dia 25 de junho mostrou Bolsonaro atrás de Lula (41% a 32%) nas intenções de voto entre evangélicos para 2022.
Ronaldo de Almeida é co-organizador da coletânea ‘Conservadorismos, fascismos e fundamentalismos: análises conjunturais’, editora da Unicamp, publicada em 2018.
Em entrevista ao Terra, o especialista afirmou que o campo evangélico é múltiplo, variado. Costuma ser visto de maneira homogênea, mas há uma diversidade interna, que vai da esquerda, um grupo pequeno, à direita e extrema-direita, que forma um grupo maior.
“É um pouco desigual, mas hegemônica no conservadorismo. É importante também diferenciar ainda a liderança do fiel. O que vemos na TV, os personagens conhecidos, os legisladores com discurso acentuado, acabam sendo mais conservadores do que os fiéis”
Ronaldo Almeida
Segundo ele, a fé evangélica é mais flexível do que a moralidade defendida por essas lideranças. O discurso público sobre temas como homossexuais, por exemplo, pode ser negativo, mas o fiel é mais tolerante. Os discursos das lideranças são muito mais pesados que o fiel médio.
Lideranças radicais
Na avaliação dele, o comportamento do presidente e das lideranças radiciais influencia este segmento em questões como a vacinação contra a Covid-19.
“É impressionante como diversas lideranças, como Silas Malafaia e Edir Macedo, saem falando as coisas que o presidente fala. Macedo colocou em suspeita a vacina, Malafaia defendeu a ivermectina. Eles são linhas auxiliares de Bolsonaro. Então, o efeito nos fiéis acontece sobretudo pela mediação das lideranças, que fazem um péssimo serviço”, opinou.
Participação dos evangélicos na política
Ronaldo Almeida afirma que a participação crescente do setor no cenário político é fruto da redemocratização, do surgimento de novos atores políticos. Ele explica que a entrada é pelo Legislativo, com candidaturas que trazem pautas únicas ligadas a bandeiras religiosas. Depois de um tempo, chega-se ao Executivo, com prefeituras e governos, até o desejo pela Presidência.
“Algo mais recente aconteceu de uma década para cá, que é a presença desse grupo no campo jurídico, desde Ministério Público a Advocacia-Geral da União, Defensoria Pública, um campo que era tradicionalmente ocupado pelo catolicismo e com pouca presença evangélica”, disse.
Ele ressalta ainda a criação de entidades como a Anajure e o IBDR. No campo da Lava Jato apareceu muito. (O procurador Deltan) Dallagnol em Curitiba envergou a bandeira evangélica, o (juiz Marcelo) Bretas no Rio. “Então, é efeito do próprio crescimento evangélico. O próprio governo Bolsonaro deu vazão a isso. A entrada de um nome “terrivelmente evangélico” no Supremo Tribunal Federal, se confirmada, seria a coroação de um processo já em curso”, completou.
Perfil “transcristão” de Bolsonaro
Almeida chama atenção para o fato de bolsonaro nãop ser evangélico e ter o massivo apoio do setor. Para ele, o presidente compôs um perfil religioso “transcristão”, para atrair de evangélicos a católicos. De acordo com a sua análise, esse seria um jogo ambíguo, intencional e equilibrado para manter uma dupla imagem.
“É católico, mas frequenta cultos evangélicos, é casado com uma evangélica. Ele mantém a extensão simbólica e consegue amarrar tudo no conservadorismo. Até porque ser evangélico seria cair na fragmentação interna deste grupo. Ele veio “de fora”. É claro, isso também se construiu pela força do antipetismo em 2018.
Antes disso, em 2006 Lula foi muito bem votado por evangélicos, depois houve um equilíbrio nas eleições de Dilma, depois uma uma inversão com Bolsonaro. É um eleitorado que tinha se alinhado a FHC, depois votou no PT por uma questão econômica, depois mudou diante da desconstrução do PT na ordem moral”, explica.
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Ministros ligados às igrejas
Segundo Almeida, a manutenção de ministros ligados a igrejas evangélicas e a indicação de um nome com este perfil para o STF são fundamentais para manter o eleitorado evangélico em 2022. Ele acredita que os ministros são sinalizações e que Bolsonaro faz questão disso, de dizer que o meio evangélico participa das decisões.
“Damares merece um capítulo especial nisso. Ela está mais quieta, mas trabalha pra caramba. Ela plantou muitas coisas em termos eleitorais e de pauta, lançou redes, articula um discurso por vezes que deixam progressistas sem poder polarizar – falando de violência contra a mulher, por exemplo”
Evangélicos de esquerda
Há grupos de evangélicos associados à esquerda, no entanto, historicamente este segmento se relaciona mais com a direita. O especialista explica que a história do evangelicalismo no Brasil é uma história branca, vinda com forte influência dos EUA.
“A gente recebeu a influência americana branca do sul dos EUA, de um campo muito fundamentalista. Aconteceu aqui muitas coisas que iam acontecendo lá, desde a entrada na política nos anos 1970, com o alinhamento a Reagan, a fixação no Partido Republicano, as conexões desse mundo por lideranças, cursos, publicações. É dinheiro”, afirmou. ,
Evangélicos e Bolsonaro nas eleições de 2022
O especialista enxerga os evangélicos como um eleitorado fragmentado. Para ele, a diversidade deste grupo é cada vez mais explícita, mas de qualquer forma, ainda é um grupo pode ser “alinhado”.
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“É um grupo para o qual você consegue mandar um recado mais geral. Ai está a potência. São 30%, mas se vierem, vêm em bando. É só acertar o discurso. Foram fundamentais em 2018 para Bolsonaro porque além do voto, eles contribuíram em conteúdos e foram caixas de ressonância dos conteúdos da campanha. Foi mais do que votar. Os caras botaram as garras para fora e não se isso vai ter o mesmo fôlego. Haverá, mas acho difícil repetir o tamanho do que foi em 2018”, concluiu.
Com informações do Brasil de Fato e Terra