
Políticos e autoridades reagiram nesta segunda-feira (17) à manifestação de grupos conservadores que ameaçaram e tentaram impedir o procedimento legal de interrupção da gravidez de uma menina capixaba de 10 anos, vítima de violência sexual do próprio tio. Incentivados pela extremista Sara Giromini, que no domingo (16) divulgou no Twitter o nome e o endereço do centro médico em que a menina está internada, em Recife (PE), integrantes do Movimento Pró-Vida e do grupo católico pernambucano Porta Fidei chegaram a tentar invadir o hospital.
Na noite do domingo (16), a Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) afirmou que conseguiu uma liminar para que o Google, o Facebook e o Twitter retirem os dados divulgados pela extremista em 24 horas. Contra o vazamento das informações da vítima, que deveria ter a identidade preservada, congressistas também prometeram ações.
Reversão da prisão domiciliar
Pelas redes sociais, a líder do PCdoB, a deputada federal Perpétua Almeida (AC) anunciou que recorreu da decisão que permitiu a libertação de Sara, presa em junho pela Polícia Federal por sua participação nos chamados “atos antidemocráticos”, que pediam fechamento do STF e do Congresso. Por decisão da Corte, ela segue utilizando tornozeleira eletrônica.
“Estamos preparando notícia crime com pedido de investigação sobre vazamento de informações e pedido para reverter a prisão domiciliar desta senhora. Como alguém, usando tornozeleira e contas a acertar com a Justiça, trabalhe para obstruir decisão judicial?”, informou a deputada.
Petição no STF
Ex-ministro da Saúde, o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) também apresentou uma petição ao ministro do STF, Alexandre de Moraes, baseada na divulgação das informações. O documento está dividido em três pontos, sendo o primeiro uma análise quanto ao possível descumprimento pela acusada das medidas cautelares impostas em substituição à prisão preventiva.
“A Sara ‘Winter’ (codinome usado por Sara Giromini) um perigo! E isso já faz tempo, desde que movimentou os grupos para fechar o STF. Agora chama uma menina de 10 anos de assassina por realizar um aborto, amparado na lei. Coloca sua horda para invadir hospitais e agredir funcionários. Ela precisa ser impedida”, disse o parlamentar.
Tortura
Tadeu Alencar (PSB-PE) lamentou a ‘tortura’ psicológica imposta pelo grupo e criticou a ausência de pena contra o estuprador.
“É um absurdo que uma criança de 10 anos, vítima de estupros em série, ainda tenha que sofrer tortura psicológica de gente que diz agir em defesa da vida. Ela está sendo novamente violentada por um pensamento retrógrado e que nada tem de cristão. Já ao estuprador, nenhuma palavra!”, criticou o deputado federal.
Denúncia no MPF
O PSOL também anunciou nesta segunda que denunciou a líder bolsonarista ao Ministério Público Federal por expor os dados da criança. Ivan Valente (PSOL-SP) afirmou que ela comanda um movimento que ‘atenta contra o estado democrático’.
“A tornozeleira não conteve o ímpeto destrutivo de Sara Winter, a Justiça precisa agir de modo que ela pare de causar sofrimentos. Sara Winter, Damares e outros fanáticos organizam no Brasil uma espécie de Estado Islâmico evangélico e pró-fascismo. São irracionais, reacionários, violentos, como atestam os atos de ontem e dos 300 do Brasil. Esse movimento é criminoso e atenta contra o Estado democrático”.
A líder do partido, Fernanda Melchionna (PSOL-RS) recordou a relação que Giromini guarda com a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. “Não podemos esquecer que Sara Winter trabalhou com Damares no governo Bolsonaro. É parte de um projeto político machista, fascista e que vê na negação de direitos humanos um Norte”, declarou.
Punição
Vice-presidente Nacional do PDT e ex-governador do Ceará, Ciro Gomes também usou seu perfil oficial no Twitter para exigir punição à ex-detenta. “Se não bastasse a brutal violência sofrida por uma criança, ainda fazem de seu nome, sua privacidade, sua dor, campanha política. Não comigo. Em casos como esse, sigo exigindo as punições necessárias ao estuprador e aos urubus que infestam o país, e a devida atenção e proteção à vítima e sua família. Que os fanáticos religiosos se submetam à leu. É assim em uma democracia”, afirmou.
Crimes previstos no ECA e no Código Penal
Apesar de a publicação ter sido apagada depois, juristas afirmam ao jornal Estadão que Sara pode ter ferido ao menos quatro artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Código Penal. Para a advogada Cecilia Mello, ex-juíza federal e especialista em direito penal e administrativo, só do ECA ela poderia ser enquadrada em mais de um delito.
“O artigo 17 estabelece o direito ao respeito, que consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da identidade”, explica a jurista. “Com base nesse dispositivo já se evidenciam, em tese, a irregularidade e o dano causados pela conduta adotada em relação à criança, abrindo espaço, em consequência, para eventual reparação.”
A outra infração cometida seria ao § 1º do artigo 247 do ECA, segundo a especialista. A legislação proíbe exibir, total ou parcialmente, qualquer ilustração de criança ou adolescente, que se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir a identificação do jovem. A pena prevista é de multa de três a vinte salários – ou o dobro, em caso de reincidência.