
Principal avalista da vinda da Copa América para o Brasil com o apoio do governo federal, Rogério Caboclo foi afastado domingo (6) da presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) por 30 dias pela Comissão de Ética da entidade por causa de acusações de assédio moral e sexual contra uma funcionária.
Interinamente, assume Antônio Carlos Nunes, o Coronel Nunes, vice-presidente mais velho. O afastamento ocorreu a uma semana do início do torneio continental, previsto para começar domingo. Uma reunião extraordinária entre os diretores da CBF e os oito vices foi convocada para esta segunda-feira (7), no Rio. A crise ocorre às vésperas da Copa América, programada para iniciar no país em 13 de agosto.
Além de tratar da investigação sobre Caboclo, os vices precisam lidar com a crise na seleção brasileira deflagrada pela forma como o mandatário conduziu a vinda da Copa América para o país, à revelia do conhecimento de comissão técnica e jogadores. Após longo silêncio, quebrado apenas pelas entrevistas do treinador Tite e do capitão Casemiro, eles prometem expor a opinião nesta terça-feira (8), depois do jogo contra o Paraguai. A expectativa é que os jogadores se mostrem contrários ao torneio, porém confirmem a participação.
A princípio, a mudança no comando da CBF não parece oferecer riscos à realização da competição em solo brasileiro. Nenhum dos oito vices havia transparecido qualquer contrariedade ao evento no país em meio à pandemia. A dança das cadeiras na política da entidade, inclusive, pode servir de panos quentes para a crise desencadeada com comissão e jogadores, a principal ameaça à competição e à permanência do treinador — em Porto Alegre, o time não concedeu entrevistas e tenta se manter concentrado para as Eliminatórias da Copa do Mundo de 2022.
Socialistas criticam Copa América no Brasil
A polêmica envolvendo a CBF tem forte componente político. O presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Carlos Siqueira, criticou duramente a atitude do governo federal em promover a Copa América no Brasil, diante do cenário de 473 mil mortos pelo covid-19 no país. O socialista afirmou que a realização do torneio é “um atentado contra a dignidade das vítimas do obscurantismo e contribui para normalizar as mortes causadas pela pandemia”.
O Presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática na Câmara, Aliel Machado (PSB-PR), declarou no Twitter que Bolsonaro deveria se preocupar com os problemas que o Brasil enfrenta, ao invés de interferir no comando da CBF.
O deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP) destacou em rede social que “o uso político que o governo Bolsonaro tenta fazer da seleção e da CBF denuncia o desespero para mal disfarçar sua gestão destrutiva”.
CPI da Pandemia pressiona contra Copa América
Os técnicos da CPI da Pandemia entraram em contato, durante o final de semana, com outros técnicos – desta vez, na beira das quatro linhas: em um documento enviado à área técnica da CBF, os membros do Senado Federal buscaram convencer a organização de que a promoção da Copa América no Brasil, mesmo sem público, será um “mau exemplo” protagonizado por um país que deve chegar a meio milhão de mortos pela covid-19 no dia da abertura do evento.
“Nosso modesto propósito é informar, alicerçados em argumentos estritamente técnicos, sem qualquer viés político”, indica a nota, encaminhada à CBF. “As razões para a realização da Copa América na iminência de uma terceira onda da pandemia no Brasil não corresponde a opção sanitária mais segura para o povo brasileiro.”
O documento é mais um episódio da intervenção da política no futebol por conta da Copa América. O próprio evento, que deve começar em 13 de junho, só será sediado no Brasil por pressão do presidente da República Jair Bolsonaro, que atendeu rapidamente os pedidos da Conmebol para organizar por aqui um torneio já recusado por Colômbia e Argentina.
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O relator da CPI da Pandemia, senador Renan Calheiros (MDB-AL), declarou que enviou uma nota aos jogadores e à comissão técnica afirmando que a Copa América não é “segura para o povo brasileiro”.
“Disputar a Copa pode até gerar troféu. Não disputar, em nome de vidas, significará sua maior conquista. Impossibilitado de apelar ao bom senso do presidente da República e da CBF, enviei nota aos atletas e à comissão técnica”.
Renan Calheiros
O argumento máximo para a não realização da Copa América é o momento da pandemia no país. “Morrem em média perto 2 mil brasileiros todos os dias vitimados pela doença e o colapso do atendimento hospitalar se avizinha. Isso significa que a cada partida de futebol da Copa América, de 90 minutos, mais de 120 brasileiros estariam morrendo ao mesmo tempo. Futebol é uma das maiores expressões da alegria.Há alegria em uma situação como essa?”, questionam os técnicos.
Há suspeitas de que os próprios jogadores da Seleção se rebelem contra a realização do torneio – uma manifestação formal, em nome da equipe, deve ser feita após o jogo contra o Paraguai, nesta terça-feira (8), válido pelas Eliminatórias da Copa do Mundo. O técnico da seleção, Tite, também indicou que deve se manter ao lado dos jogadores.
Ministro não consegue se explicar sobre a Copa América
Segundo o jornalista Ancelmo Gois, colunista do jornal O Globo, a entrevista do Ministro do Turismo, Gilson Machado Neto, à CNN Internacional, na última quinta-feira, foi um vexame. A entrevista foi sobre a Copa América e visitas em geral ao Brasil, em meio à pandemia que aflige o país.
Com um inglês horroroso, difícil de compreender, o ministro tentou justificar a realização do torneio e a recepção a turistas em plena crise sanitária. Não conseguiu. O apresentador Richard Quest ainda teve um pouco de paciência, mas logo se apressou em encerrar a entrevista, pedindo desculpa no ar “porque a conexão não estava boa”
Temor de boicote ao campeonato
A insatisfação da Seleção Brasileira gerou o temor de boicote ao torneio, pois havia a expectativa de que a Copa América fosse cancelada por causa da pandemia. O motim liderado por alguns atletas teve o apoio de outras lideranças das seleções participantes, como Uruguai e Argentina.
No domingo, porém, a Associação de Futebol da Argentina (AFA) confirmou a participação no torneio, mas a delegação deve ficar sediada em Buenos Aires e só viajará ao Brasil para as partidas. A suspensão de Caboclo também reconfigura as peças de outro tabuleiro dos bastidores: a permanência ou não do técnico Tite à frente da seleção.
Antes de ser afastado, Caboclo tentava sobreviver politicamente e assegurar a realização da Copa América no Brasil. O relacionamento com o técnico da seleção brasileira, que já estava abalado por causa de críticas à comissão da seleção, ficou ainda mais estremecida com a crise gerada pela transferência da competição para o país. Ao comprar a briga dos jogadores, o treinador praticamente jogou uma pá de cal na relação.
De acordo com o jornalista André Rizek, do Sportv, Caboclo prometeu ao governo federal que a seleção teria um novo técnico após o jogo contra o Paraguai. A informação também foi dada pelo jornal espanhol ‘As’ e o nome em voga é o de Renato Gaúcho. Como o jornal O Globo publicou na última sexta-feira (4), o treinador agrada ao comando da CBF.
Renato Gaúcho está sem clube desde que deixou o Grêmio, em abril, e já manifestou diversas vezes seu desejo de treinar o Brasil. Ele agrada por estar alinhado politicamente ao bolsonarismo. Em abril do ano passado, ele assessorou, informalmente, o presidente na retomada do futebol brasileiro durante a pandemia. Na ocasião, o treinador disse não ser o momento ideal para voltar aos jogos. Com a suspensão de Caboclo, no entanto, não há mais garantias de que a promessa será cumprida. A tendência é que os ânimos se acalmem no primeiro momento.
Acusação de assédio sexual e moral
A edição do programa Fantástico, da TV Globo, exibida no domingo (6), mostrou áudios exclusivos do dirigente assediando uma funcionária da entidade. A mulher, que não teve o nome revelado, protocolou na sexta-feira (4) uma denúncia de assédio sexual e assédio moral contra Caboclo.
Os áudios, gravados da sala da presidência da CBF e apresentados pelo programa, mostram, por exemplo, o dirigente perguntando se a funcionária quer uma taça de vinho. Entre os abusos, Caboclo quis saber se ela se masturbava. A mulher relatou, ainda, que o presidente da confederação expôs a vida sexual dele a outros dirigentes, criando narrativas falsas sobre supostos relacionamentos que teria tido com pessoas da entidade.
Em um dos trechos obtidos pelo Fantástico, Caboclo se refere à esposa, diz que é casado há 26 anos e chega a se referir a aspectos sexuais de própria vida. Constrangida, a funcionária tenta se desvencilhar do assédio. O programa da TV Globo consultou o perito Wanderson Castilho. O especialista confirmou que a voz gravada no áudio é, de fato, de Caboclo.
O cartola também é acusado de tentar controlar roupas e até amizades da vítima. A tentativa de controle das amizades da funcionária teria ocorrido em março de 2021, um dia depois da reunião na casa do dirigente, na qual ele teria chamado ela de “cadelinha”, assim como oferecido a ela biscoitos de cachorro e simulado latidos.
Caboclo humilhou funcionária
A mulher confrontou Caboclo sobre os comentários no dia seguinte ao encontro, expondo a ele que se sentiu humilhada e ridicularizada. Ele disse que não se intrometeria mais na vida dela, mas exigiu que a funcionária rompesse com qualquer relação pessoal ou de amizade com pessoas da entidade.
Naquele mesmo dia, Caboclo também teria tentando regular as roupas da vítima, alegando que não eram compatíveis com a função que ela exerce na CBF.
De acordo com a denúncia, o presidente da entidade teria exigido que ela mudasse a maneira de se vestir e chegou a oferecer dinheiro para que ela comprasse novas roupas.
Antes de ser formalmente acusado de assédio sexual e moral pela funcionária da CBF, Rogério Caboclo ofereceu um acordo de R$ 12 milhões para que ela não divulgasse as gravações e negasse tudo. A secretária, no entanto, recusou a proposta.
Situações como essas eram frequentes, segundo a funcionária. Na denúncia que fez ao Comitê de Ética da CBF, ela detalha diversas situações constrangedoras a que foi submetida pelo dirigente. O presidente da entidade a insultava e a humilhava na frente de outros diretores. Em nota ao Fantástico, Caboclo nega que tenha cometido assédio, mas admite que houve brincadeiras inadequadas.
Na sexta-feira (4), a funcionária entregou um documento de 12 páginas usado como base pela Comissão de Ética da CBF no afastamento temporário de Rogério Caboclo da presidência da entidade. Também houve pressão dos patrocinadores. No documento, ela pede que Caboclo seja investigado e posteriormente punido pela legislação brasileira e que ela retome as suas funções como secretária da entidade, no Rio.
CBF quer manter Tite e reduzir tensão com jogadores
A cúpula da CBF entende que o afastamento do presidente Rogério Caboclo acaba com a insegurança sobre a permanência do técnico Tite. Além disso, há uma expectativa de redução da tensão na relação com os jogadores. Lembremos que a comissão técnica e os jogadores ainda preparam um pronunciamento provavelmente crítico sobre a Copa América amanhã (8), após partidas das Eliminatórias.
O Comitê de Ética da CBF foi célere em afastar de forma provisória Caboclo da presidência ontem (6), dois dias após uma funcionária da entidade denunciá-lo por assédio sexual. O afastamento contou com o apoio de toda diretoria da CBF, incluindo vice-presidentes e diretores.
A partir do afastamento, assumiu a presidência o Coronel Nunes, que é o vice mais velho. Na realidade, um grupo de cinco vices – Castellar Neto, Francisco Novelleto, Gustavo Feijó, Fernando Sarney e Ednaldo Rodrigues – e diretores passou a comandar a entidade. Há dois objetivos iniciais: realizar a Copa América e resolver a crise no time brasileiro.
A relação de Tite era desgastada com Caboclo. Houve contrariedade do técnico e dos jogadores pela decisão repentina dele de receber a Copa América. Em reunião na Granja Comary, o dirigente tentou se explicar aos atletas, mas a situação piorou. E a palestra de Caboclo, antes da partida com o Equador, pelas Eliminatórias, tornou ainda mais insustentável a relação. Tanto Tite quanto Casemiro indicaram estar insatisfeitos com o torneio no Brasil.
Mas não houve nenhuma declaração ou posicionamento dos atletas de que não vão jogar a Copa América. Por isso, a diretoria da CBF espera abaixar a pressão do tema. E conta com Tite no comando do time. Não há nenhum movimento para trocá-lo do comando da seleção brasileira. Não há nenhuma procura por outro treinador.
Ainda é cedo, porém, para determinar que haverá paz na relação. Isso porque depende do nível de oposição dos jogadores à Copa América. Essa reposta será dada nos dois próximos dias.
Sob comando de Nunes
Se comprovado algum tipo de interferência de Bolsonaro na CBF, uma entidade privada, o Brasil pode ser prejudicado junto à Fifa. Esse tipo de atitude política cabe sanção de acordo com o código da entidade que rege o futebol. Procurada, a Fifa ainda não se pronunciou.
Coronel Nunes tentará se equilibrar em uma corda bamba. Ele é experiente em mandato tampão e considerado, por muitos, uma figura decorativa na CBF. Ele assumiu o cargo quando a Fifa afastou Marco Polo Del Nero da presidência, em 2017. Na sua gestão, criou uma situação embaraçosa entre os membros da Conmebol ao votar no Marrocos para ser sede da Copa de 2026, enquanto todos haviam concordado em votar na candidatura tríplice de México, EUA e Canadá.
Em possível banimento de Rogério Caboclo, haverá uma nova eleição entre os oito vices, mas nem todos são obrigados a concorrer. Os mais fortes politicamente são Castellar Guimarães Neto, ex-presidente da Federação Mineira, e Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney e membro do Conselho Executivo da Fifa. Somam-se a eles: Antônio Aquino, Ednaldo Rodrigues, Francisco Noveletto, Marcus Vicente e Gustavo Feijó.
Ex-prefeito na ditadura, Nunes era anistiado político
Antônio Carlos Nunes de Lima, que assume a presidência da CBF após o afastamento de Rogério Caboclo, recebia até o ano passado uma indenização próxima a R$ 15 mil reais do governo federal, como anistiado político da ditadura militar. Coronel Nunes, como é conhecido o cartola, não aparenta ter sido perseguido pelo regime: ele era membro da Polícia Militar do Pará, e chegou a ser prefeito de Monte Alegre, sua cidade-natal, em 1977.
Nunes foi considerado “anistiado” em maio de 2003, durante o primeiro mandato do governo Lula. De acordo com a Lei de 2002 que regulamenta o regime político do anistiado, a ele caberia além do título “reparação econômica, de caráter indenizatório, em prestação única ou em prestação mensal, permanente e continuada, asseguradas a readmissão ou a promoção na inatividade”. O Portal da Transparência, no entanto, não indica como o coronel da PM recebeu tais valores.
Foi apenas em junho do ano passado que, entre centenas de revisões, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, revogou o benefício dado ao dirigente do futebol. Nesta data, ele já havia deixado o comando da principal entidade do futebol no Brasil, que havia dirigido entre 2017 e 2019.
A história foi revelada em 2016 pelo repórter Lúcio Castro, então na Agência Pública. A descoberta veio após o governo liberar a lista de anistiados políticos que recebiam indenizações dos cofres públicos.
Com informações do Jornal O Globo, Uol, Revista Fórum e Congresso em Foco