
O Ministério do Meio Ambiente, liderado por Ricardo Salles, agendou mais um golpe para esta segunda-feira (26). A pasta pretende derrubar um conjunto de resoluções que delimitam as áreas de proteção permanente (APPs) de manguezais e de restingas do litoral brasileiro. A revogação dessas regras abre espaço para especulação imobiliária nas faixas de vegetação das praias e ocupação de áreas de mangues para produção de camarão.
Os temas estão na pauta da reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que é presidido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O conselho, que tem papel fundamental na definição de normas e critérios da área ambiental, teve a sua estrutura modificada por Salles em junho do ano passado e, com isso, o poder de decisão do colegiado ficou nas mãos do governo federal.
Na reunião do Conama agendada para esta segunda, o governo pretende revogar duas resoluções (302 e 303, de 2002) que são, atualmente, os instrumentos de proteção dos mangues e das restingas, as faixas com vegetação comumente encontradas sobre áreas de dunas, em praias do Nordeste.
O argumento do governo é que essas resoluções foram abarcadas por leis que vieram depois, como o Código Florestal. Especialistas em meio ambiente afirmam, porém, que até hoje essas resoluções são aplicadas, porque são os únicos instrumentos legais que protegem, efetivamente, essas áreas.
Instrumentos legais de proteção
“Não há nenhuma outra norma brasileira que confirma proteção às restingas como essas resoluções do Conama, que continuam a definir limites até hoje. A realidade é que há um grande lobby de resorts e criadores de camarão do Nordeste, que querem entrar nessas áreas”, diz Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).
Em agosto, por exemplo, em São Paulo, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) perdeu uma ação na Justiça e foi obrigada, por meio de sentença, a respeitar as delimitações previstas na resolução de 2002, “para evitar a ocorrência de dano irreparável à coletividade e ao meio ambiente”.
Outra resolução que está na pauta do Conama (284/2001) acaba com os critérios de regras federais para licenciamento ambiental de empreendimentos de irrigação. No entendimento dos ambientalistas, a revogação tem o objetivo de acabar com exigências legais a pedido de parte do agronegócio.
CNA por trás do fim da resolução
A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) defende o fim da resolução, sob o argumento de “não haver embasamento técnico/legal da promulgação desta resolução, pois a irrigação não é um estabelecimento ou atividade, mas apenas uma tecnologia utilizada pela agricultura para o fornecimento de água para as plantas em quantidade suficiente e no momento certo”..
A pauta do Conama de hoje inclui ainda a proposta de uma nova resolução que trata de critérios de incineração de resíduos em fornos de produção de cimento, para liberar a queima de resíduos de agrotóxicos. Até o momento, esse material passa por um processo detalhado de tratamento e destinação. A nova resolução, porém, passa a permitir que tudo seja incinerado.
Regime de urgência
Há preocupação, porém, com o material lançado na atmosfera após essa queima. “Tudo foi pautado em regime de urgência. Qual é a urgência de tomar decisões tão importantes em tão pouco tempo e sem que esses temas sejam submetidos a estudos, por meio de câmaras técnicas? Todas essas resoluções mereceriam uma discussão aprofundada”, afirma Bocuhy.
Procurado, o ministro Ricardo Salles afirmou que “as pautas do Conama serão debatidas e todos os conselheiros terão a oportunidade de expor suas posições”. Para a ex-presidente do Ibama Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, trata-se de decisões graves, que poderão fragilizar profundamente a proteção ambiental.
A “boiada” de Salles
“O desmonte promovido pelo governo Bolsonaro na política ambiental atingiu duramente o Conama, que infelizmente parece estar reduzido a uma esfera de flexibilização de normas, de passar a boiada. A pauta dessa reunião é evidência forte nesse sentido: revogação de resoluções que dispõem áreas de preservação permanente e sobre licenciamento da irrigação, sem o debate público prévio que marcava os processos do Conselho”, diz Suely.
A especialista chama atenção ainda para a proposta de aprovar uma resolução que dá abertura para flexibilizar a concentração de poluentes orgânicos por meio de incineração. “Isso é totalmente inaceitável, chega a ser assustador.”
O órgão passou por mudanças e perdeu representantes de Estados e entidades civis em julho. De caráter consultivo, com poder de definir normas e critérios na área ambiental, o Conama foi desidratado em julho do ano passado em relação à sua estrutura anterior, concentrando nas mãos do governo federal e de representantes do setor produtivo a maioria dos votos. Estados e entidades civis perderam representação. Por decisão de Salles, o Conama teve seus membros reduzidos de 96 para 23 representantes.
Orgãos sem representatividade
A composição anterior do órgão tinha o objetivo de dar maior representatividade a vários segmentos da sociedade. Uma parte dos integrantes da sociedade era escolhida por indicação e outra, por eleição. Desde o ano passado, porém, essa escolha passou a ser feita por sorteio.Instituições que representam a sociedade civil, incluindo associações de trabalhadores rurais e povos indígenas, viram suas posições caírem de 23 para 4.
Os Estados também perderam representação. Se antes havia uma cadeira para cada um dos 26 Estados e o Distrito Federal, agora são 5 cadeiras representadas por um Estado de cada região geográfica do país. Os municípios, que tinham 8 representantes, agora têm 2.
Com informações do Estadão