
A pandemia do novo coronavírus mudou a rotina de milhares de pessoas. Mas a população surda, que faz uso da leitura labial, tem enfrentado um desafio ainda maior por conta do uso, imprescindível, de máscaras para prevenir o contágio pela Covid-19. Assim, o uso de máscaras sem transparência tem dificultado a leitura labial para surdos.
Mesmo surdos que utilizam Libras (Língua Brasileira de Sinais) podem enfrentar problemas, pois é com a leitura labial que entendem o que é dito por pessoas que não sabem a língua de sinais.
Um exemplo disso é a situação descrita pela Folha, em que, no caixa de um supermercado, um homem coloca a mão sobre o pescoço da mulher que o acompanha.
Apesar de curiosa, a cena se tornou rotina para o engenheiro civil Thierry Cintra Marcondes, que é surdo e precisa sentir a vibração da fala da esposa para saber o que a atendente do mercado, de máscara, está perguntando.
Agora, ele precisa sair de casa acompanhado de sua esposa ou levando papel e caneta no bolso para compreender.
“No início da pandemia, eu precisei pedir a uma mulher com quem conversava, e que estava sem caneta, para ela tirar a máscara para que eu pudesse fazer a leitura labial. Agora, eu peço para que as pessoas digitem (no celular) e me mostrem quando querem dizer algo. No mercado, às vezes perguntam um monte de coisas, como se eu faço parte dos clubes de descontos ou se quero CPF na nota. Eu acabo sendo mal educado, porque não consigo entender”, diz.
Sem inclusão, a surdez é invisibilizada
Leandro Miguel, presidente da Associação dos Surdos de São Paulo (ASSP), diz que, embora seja uma necessidade as máscaras com transparência na boca não são contempladas por políticas públicas para o segmento. Para ele, a pandemia joga luz sobre o caráter invisível da surdez.
“Essa dificuldade que temos com a máscara nos afeta de várias maneiras. Numa longa fila de banco, por exemplo, se o agente bancário anunciar que pessoas com um determinado problema estão sendo atendidas do outro lado, essa informação não chegará para o surdo que está no a fila e ele esperará mais por causa desta falha de comunicação. Ao ser atendido, mesmo se identificando como surdo, o atendente, por razões óbvias, insiste em não tirar a máscara”, conta.
Em Minas Gerais e em São Paulo, por exemplo, mães garantiram máscaras transparentes para seus filhos surdos que fazem leitura labial por iniciativa própria. Segundo a Folha, não há empresas ou ONGs que estejam produzindo e distribuindo esse tipo de máscara.
Mas não é só fora de casa que Leandro e Thierry enfrentam problemas. Isso porque, no trabalho, reuniões por videochamada, em especial aquelas em que só usa o áudio, também dificultam a leitura labial.
“Trabalhar o dia inteiro com videochamada nos traz muitas dificuldades. As imagens embaçam, travam, atrasam, isso nos prejudica, cortando a leitura labial. Além disso, são muitas pessoas falando ao mesmo tempo, o que nos impede de acompanhar tudo que está sendo dito”, afirma Thierry, que diz se sentir privilegiado por ter um aparelho auditivo moderno: “o meu aparelho recebe os sons direto do meu computador via Bluetooth”.
O Brasil tem cerca de 10,7 milhões de pessoas com algum grau de deficiência auditiva, segundo dados do Instituto Locomotiva. Cerca de 2,3 milhões têm surdez severa.
Com informações da Folha.