
Em mais um caso de ataques e ameaças, a deputada Tabata Amaral (PSB-SP), que acaba de se filiar ao PSB nesta terça-feira (21), foi novamente alvo de violência política de gênero nas redes sociais nesse final de semana. Ela foi ameaçada de agressão, no Twitter, por um usuário identificado como José Neves. O post foi compartilhado pelo ator José de Abreu, o que gerou ainda mais indignação.
A violência a que todas nós mulheres estamos expostas também está presente no dia a dia das que ocupam cargos eletivos e não apenas nas redes sociais. Como é o caso das deputadas federais, vítimas de seus próprios colegas de Parlamento, eleitos pelo voto, da mesma maneira que elas.
De acordo com levantamento do Instituto Maria da Penha, uma mulher é vítima de violência física ou verbal no país a cada dois segundos.
Deputadas denunciam a falta de amparo quando elas próprias se tornam alvo de ataques machistas, no centro das decisões políticas da nação. Em 20 anos, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados jamais acolheu uma representação de deputadas mulheres que denunciaram terem sido vítimas de violência política de gênero dentro do Congresso.
Violência ‘debaixo do tapete’
Os dados sobre a violência de gênero no Parlamento fazem parte do estudo “Debaixo do Tapete: A Violência Política de Gênero e o Silêncio do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados”, da doutora Tássia Rabelo de Pinho, docente na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Para chegar à conclusão, a pesquisadora analisou dados disponibilizados pelo site da Câmara dos Deputados, entre 2001 e 2018, que mostram que o Conselho de Ética recebeu 150 representações no geral. Destas, 120 foram arquivadas, e 58 não foram sequer apreciadas.
“Neste amplo, mas pouco eficaz universo, foram classificados, enquanto denúncias de violência política de gênero, sete casos”, descreve a pesquisadora.
Além das representações, também foram analisadas notas taquigráficas, vídeos e debates dentro do Conselho de Ética.
Percepção da violência in loco
“Trabalhei na Câmara dos Deputados depois de ter passado pelo Executivo, ONGs e universidades. Senti que era um espaço muito machista”, relata.
No artigo, Tássia Pinho explica que a violência política de gênero consiste em “comportamentos que têm como alvo específico as mulheres que atuam politicamente, em sua condição de mulheres, e visa fazer com que estas abandonem a política ou sejam deslegitimadas aos olhos do público”.
A pesquisadora usou o conceito de violência política de gênero cunhado pelas cientistas políticas Mona Lena Krook e Juliana Restrepo Sanín para tipificar as representações.
Bolsonaro foi primeiro acusado por violência de gênero
A primeira representação classificada como violência política de gênero é a nº 36, de 2014, impetrada contra o então deputado Jair Bolsonaro, pelas seguintes legendas, em conjunto: Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Socialismo e Liberdade (PSol) e Partido Socialista Brasileiro (PSB).
O caso tornou-se conhecido nacionalmente após Bolsonaro dizer que não estupraria a deputada Maria do Rosário, porque ela “não merecia”.
“A representação incluía ainda ofensas injuriosas, difamantes e caluniosas contra a deputada e a presidenta Dilma Rousseff. Ambas foram acusadas por Bolsonaro de participarem de atos criminosos”, relata o artigo.
A ameaça de violência sexual está entre as práticas consideradas como violência política de gênero. A sexualidade das mulheres é um símbolo potente e ameaças de estupro contribuem para crenças de que estas são vulneráveis – e podem ser punidas por atos de agressão sexual, destaca a pesquisadora.
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A denúncia foi arquivada por conta do fim da legislatura sem sequer ter tido o mérito julgado.
Maria do Rosário recorreu à Justiça e, em 21 de junho de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro, por injúria e incitação ao estupro.
No Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), o então deputado foi condenado em 2015 a pagar indenização de R$ 10 mil à petista, por danos morais, mas recorreu, sem sucesso, pois a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão por unanimidade.
Ameaça, agressão e omissão
A segunda representação considerada pela pesquisa como um caso de violência de gênero é a nº 2/ 2015, apresentada pelo PCdoB, contra o deputado Alberto Fraga.
Durante uma briga com Jandira Feghali, Fraga afirmou que “mulher que participa da política e bate como homem tem que apanhar como homem também”. O caso foi arquivado e os deputados disseram que não houve quebra de decoro.
O ex-deputado Alberto Fraga reforça as declarações citadas nas representações.
“Eu mantenho a frase que eu disse. Quando eu disse isso foi porque no plenário, diante de uma discussão acalorada, a Jandira Feghali impedia de forma agressiva o Roberto Freire de usar o microfone. Ela, de forma vitimizada, disse que aquilo era violência contra mulher. Um absurdo era aquela situação. Porque você é mulher, você não pode atacar a honra de outro colega e não poder ser contestada. A Câmara sempre apurou com lisura as ações contra mulheres”, afirmou.
O PCdoB abriu outra representação, nº 3/2015, contra o deputado Roberto Freire por agredir fisicamente a deputada Jandira Feghali: “agarrando seu braço e forçando-o na direção do chão num gesto de muita violência, machucando seu pulso”. Apesar de haver fotos e vídeos do momento, o processo também não foi apreciado.
Conselho de Ética parado
O Metrópoles requisitou à Câmara dados referentes às representações do Conselho de Ética em 2020, mas a Casa respondeu, por meio da assessoria de imprensa, que, em razão da pandemia, as atividades do Conselho de Ética foram suspensas, de forma que o órgão não pôde se reunir durante a maior parte do ano.
“As decisões do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar são tomadas à luz do Código de Ética e Decoro Parlamentar, que normatiza as atuações do órgão, e do Regimento Interno da Câmara dos Deputados”, informou a Casa.
A pesquisa de Tássia também mostra que o Conselho de Ética, além de jamais ter sido presidido por uma parlamentar, contou historicamente com uma participação diminuta de mulheres em sua composição.
“As mulheres titulares representaram na soma das legislaturas pesquisadas apenas 7,7% do total de integrantes deste Conselho, o que, em se tratando de um universo muito menor, representa, em termos absolutos, a quase completa exclusão das mulheres deste espaço.”
Palavra proibida
A deputada Jandira Feghali afirma que o conceito de violência política de gênero ainda é muito pouco debatido no Congresso. “Parece que essa palavra (gênero) se tornou algo proibido nesse espaço”, observa. Ela destaca que o Congresso Nacional tem uma grande responsabilidade quando passa uma mensagem de impunidade diante de casos de violência contra mulheres, dentro do Parlamento.
“A Maria do Rosário só ganhou a ação na Justiça. Dentro do Congresso, não aconteceu absolutamente nada. Na medida que você não pune, essas coisas se multiplicam. No meu caso, fui agredida duas vezes no mesmo dia: pelo Freire e pelo Fraga”, relata.
A deputada acredita que a intenção de agressores é passar uma mensagem de que mulheres não são bem-vindas no espaço político. “É a forma mais sofisticada de intimidação das mulheres. Nossa resposta vem coletivamente, como quando aprovamos, neste mês, o Projeto de Lei nº 349-B, que tipifica a violência política”, declarou.
‘Onda Bolsonaro’
Em relatório, a ONG Justiça Global menciona o estudo de Tássia Pinho e defende que “as instituições que deveriam proteger as liberdades e direitos dos grupos minoritários não têm agido de forma eficaz na defesa dos seus interesses”.
“Junto com a ‘onda Bolsonaro’, parlamentos – não só o Congresso Nacional, mas também as Assembleias Legislativas Estaduais e Câmaras Municipais – foram ocupados por pessoas cujo perfil político e eleitoral está associado, por um lado, à negação do diálogo e do debate como forma de fazer política, e, por outro, à obtenção de vantagens eleitorais com a exposição pública da violência e da agressividade”, Justiça Global.
Com informações do Metrópoles