
No dia que completa 2 anos do assassinato de Marielle Franco e Anderson Souza, faixas hasteadas em diversos pontos do Brasil dão o tom das ações de um #14M combativo, porém com poética apontada para um país onde se plantem sementes e se colham Marielles.
A proibição de atos públicos, com aglomerações de pessoas, por causa do novo coronavírus não interrompeu a mobilização “Amanhecer por Marielle e Anderson”.
O Instituto Marielle Franco, criado pela família de Marielle em 2019, convocou pessoas em diferentes partes do mundo a pendurarem faixas amarelas em suas janelas, ruas ou praças, a fim de celebrar o “14M”.
Confira as ações inscritas no mapa
Marielle não vai cair no esquecimento
“Não temos medo de que o crime caia no esquecimento, porque nós não deixaremos isso acontecer. Não vamos parar”, lembrou o pai de Marielle, Antônio Francisco da Silva Neto, em coletiva organizada na manhã de sábado, pela Anistia Internacional, no Museu de Arte do Rio, como registra o portal O Globo
Há dois anos familiares, amigos, lideranças sociais e políticas perguntam “Quem mandou matar Marielle?”. No 14M, de 2020, a pergunta inquietante “Quem matou, quem mandou mandar Marielle, e por quê?”, também foi espalhada pelas ruas do Rio de Janeiro.
Ocorrido em 14 de março de 2018, o crime, que segue sem solução, ganhou repercussão internacional, sendo classificado como um ataque aos direitos humanos e símbolo da impunidade no Brasil.
O legado
A fim de incidir sobre essa realidade, Anielle Franco, irmã de Marielle, anunciou que a família deu o pontapé inicial para preservar a memória e o legado da vereadora carioca. A família de Marielle acaba de alugar uma casa temporária onde serão realizadas atividades culturais e de empoderamento feminino, como registra a Folha de São Paulo.
Anielle ainda planeja criar a “Escola de Marielles” para inspirar gerações, promovendo diálogos com mulheres de destaque na atuação profissional, social e política.
“As rosas da resistência nascem do asfalto”
A frase “As rosas da resistência nascem do asfalto” é de Marielle e foi dita da tribuna da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, 6 dias antes de ela ser assassinada, em 14 de março de 2018.
Mulher preta, moradora da favela da Maré, eleita vereadora pelo Rio, socióloga, mãe e militante de direitos humanos lutou contra as desigualdades sociais. Marielle acreditou e morreu por um Estado e um País onde as minorias estivessem vivas.
Mas foi logo após sair da roda da conversa “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, com mulheres negras, no centro do Rio, que Marielle e seu motorista, receberam uma rajada de tiros.
Mulher negra X Estrutura social

“Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram as mulheres negras, muda-se a base do capitalismo”, a reflexão da filósofa estadunidense, Angela Davis, situa a trajetória de Marielle Franco, assim como de outras pretas, no eixo estratégico do feminismo negro, a interseccionalidade.
Angela Davis
Quinta vereadora mais votada da cidade carioca, Marielle ousou desafiar o sistema, ocupando um parlamento formado, majoritariamente, por homens brancos engravatados e deu voz às favelas.
Relatora da Comissão Representativa da Câmara de Vereadores do Rio, criada para acompanhar a Intervenção Federal na Segurança Pública, criticou o caráter discriminatório e antidemocrático da política, com abordagens truculentas nas favelas.
Marielle, mãe de Luyara Santos, era uma voz em ascensão, com mandato dedicado à defesa dos direitos humanos e empoderamento das mulheres negras.
Principais pautas
Presidente da Comissão da Mulher, Marielle tinha na saúde da mulher uma das principais pautas.
Exemplo disso era o projeto “Se é Legal, tem que ser Real” criado para informar mulheres sobre as situações em que fazer aborto é está dentro da lei, como no caso de anencefalia e estupro.
A vereadora de primeiro mandato surpreendeu a todos apresentando 13 projetos de lei em 14 meses de mandato, como registra a revista Super Interessante.
Proposta estruturante para famílias periféricas, o projeto “Espaço Coruja”, sugeria a criação de um local onde mães e pais pudessem deixar seus filhos para estudar ou trabalhar à noite. Dificuldade essa enfrentada por Marielle, que engravidou aos 18 anos e só conseguiu retomar os estudos dois anos depois.
Contudo, Marielle foi vítima da violência que denunciou diversas vezes, em especial a violência historicamente imposta a corpos pretos, principalmente o das mulheres.
O atlas da Violência 2018 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada(IPEA) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), mostra que na última década a taxa de homicídio de mulheres negras foi 71% superior à de mulheres não negras.
14M das pretas!
O 14 de março também marca a existência de duas potências femininas pretas. Marielle foi arrancada da sociedade em que atuou para mudar no mesmo dia em que nasceu a escritora Carolina Maria de Jesus. A escritora completaria 105 anos neste ano.

Carolina de Jesus escreveu o livro “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, em 1960. Considerado um dos marcos da escrita preta feminina no Brasil, a obra revela a condição da mulher negra numa sociedade fundada no racismo. No livro, Carolina registrou o cotidiano precário em uma favela de São Paulo, onde ela criava três filhos.
Tanto Marielle como Carolina Maria de Jesus, cada uma em seu tempo, somaram a caminhada para que a participação política do feminismo negro permitisse florescer novas lideranças. Em suas trajetórias, ambas inspiram as lutas pretas e colocam a interseccionalidade como eixo das transformações sociais propostas pelo feminismo negro.