Em 2 de julho de 1823, o movimento de emancipação, que garantiu a inserção da então província da Bahia no Brasil, chegou ao fim. Em que pese a independência do Brasil ter ocorrido em 7 de setembro de 1822, o movimento de libertação da província baiana iniciou em 19 de fevereiro de 1822, motivado pela Revolução Liberal do Porto de 1822, que aspirava à limitação do poder real.
Aos poucos, o então governador português Inácio Luís Madeira de Melo foi sufocando as municipalidades simpáticas ao movimento, ao mesmo tempo que os populares iam engrossando as tropas de resistência no Recôncavo, sob o comando de Miguel Calmon, futuro Marquês de Abrantes.
Não tardou e, em 8 de novembro de 1822, ocorreu a decisiva Batalha de Pirajá. Com a vitória das forças brasileiras nessa batalha, os portugueses ficaram impedidos de romper o bloqueio aos caminhos que ligavam a capital ao centro e ao norte do país, impedindo-os de ter o domínio militar além da capital.
Cabe considerar o heroísmo de Maria Quitéria de Jesus, condecorada pessoalmente por D. Pedro I com a Imperial Ordem do Cruzeiro, por participar bravamente nas diversas lutas de independência da Bahia. Destaque também para a bravíssima atuação de Maria Felipa de Oliveira, mulher descendente de pessoas escravizadas, vindas do Sudão, e que, segundo a história, liderou um grupo para lutar contra os soldados portugueses.
Em 2 de julho, Madeira de Melo abandonou a capital da província da Bahia, por mar, após breves dias de bloqueio marítimo realizado pela esquadra comandada pelo Almirante Cochrane, entregando Salvador às tropas brasileiras.
A verdadeira independência
Para Domingos Leonelli, coordenador do site Socialismo Criativo, ex-deputado Constituinte e membro da Executiva Nacional do PSB, a data é um verdadeiro marco da luta popular dos povos originários e de pessoas escravizadas pela independência da Bahia e do Brasil.
“O 2 de julho é a verdadeira independência do Brasil, resultado de uma guerra de libertação nacional. Foi grande o envolvimento popular com indígenas e negros escravizados nessas batalhas que acabaram por expulsar da Bahia e do Brasil o general português Bandeira de Melo.”
Domingos Leonelli
A deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA), celebrou a data nas redes sociais. A socialista ressaltou que o 2 de julho representa a consolidação da Independência do Brasil e destacou a atuação das heroínas Maria Quitéria e Maria Felipa.
“O 2 de julho representa a consolidação da Independência do Brasil. E para isso acontecer, houve muito sangue derramado e muitos heróis e heroínas, em especial mulheres como Maria Quitéria, Maria Felipa, dentre outros. Essa batalha começou no 25 de junho, em Cachoeira, quando os habitantes da minha querida cidade assumiram a liderança do movimento que deflagrou a guerra pela Independência da Bahia, após terem reagido às investidas de militares portugueses que tentavam sitiar a vila com o objetivo de sufocar a mobilização popular contra a dominação colonial.”
Lídice da Mata
Comemoração da Independência em 2021
Em comemoração ao 2 de Julho, data magna, esta sexta contará com a tradicional cerimônia cívica ao dia da independência da Bahia, às 8h, de modo presencial e com restrições, por conta da pandemia da covid-19. As celebrações, no entanto, tiveram início na quinta, 1º, com atrações artístico-culturais de forma virtual, que seguirão acontecendo até 5 de julho.
Durante a manhã foi realizado o hasteamento das bandeiras com a presença do prefeito Bruno Reis (DEM-BA) e do governador Rui Costa (PT-BA), além do presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, Adolfo Menezes (PSD-BA). Na sequência, a pira com o fogo simbólico, nomeada nesta edição de “Chama da Esperança”, será acendida por dois profissionais da saúde, representando a luta do povo da Bahia na batalha contra a pandemia causada pelo novo coronavírus.
Durante a cerimônia, as tradicionais estátuas do caboclo e da cabocla estarão posicionadas na área externa do Pavilhão 2 de Julho e que foram vestidas de “verde esperança”, pelo artista plástico João Marcelo Ribeiro.
“É de extrema importância manter essa tradição, os caboclos são um símbolo da Bahia e os carros dos caboclos são os ícones do 2 de Julho, e neste ano virão vestidos de muito verde, da esperança que estamos precisando. Para a ornamentação, usei corda de sisal para fazer os adornos, búzios da costa, além de muita folhagem, para que os caboclos estivessem como em seu habitat , a floresta”.
João Marcelo Ribeiro
As programação, no entanto, teve início na quinta, de maneira virtual, com o projeto #Meu2deJulho, que conta com a participação de personalidades e do público em geral, contando memórias marcantes do cortejo, por meio do canal da Fundação Gregório de Mattos (FGM) no YouTube e do Instagram: @fgmoficial.
Programação
Sob o tema “A Chama da Esperança”, as celebrações marcam o 198º aniversário de independência da Bahia, e o projeto virtual terá ainda o Encontro de Filarmônicas, às 18h desta sexta, no canal da FGM no YouTube. Ao todo, dez grupos se apresentarão, com a curadoria do maestro Fred Dantas.
As atividades envolvem ainda uma série de videoaulas, no canal da FGM no YouTube, nos dias 3 e 5 de julho, às 14h, que passará pelo Recôncavo, pelo subúrbio ferroviário e pelos quartéis e ruas de Salvador, para compreender a importância desses territórios para a vitória do povo baiano contra os portugueses.
A programação virtual terá também, até 5 de julho, sempre às 9h, o filme Dois de Julho: Um Sonho de Liberdade também no canal do YouTube da FGM, além do projeto Brincando com o 2 de Julho, disponível no site do órgão, com diversos jogos de tabuleiro para aprender sobre a data, como caça-palavras, bingo e quiz.
A data, que marca a independência da Bahia, representa o período em que o território brasileiro correu risco de se fragmentar e encontrou na Bahia um dos palcos das guerras da independência. Para a historiadora e gerente de patrimônio cultural da FGM, Gabriella Melo, a comemoração representa a liberdade dos mais diversos povos.
“O 2 de Julho é do Brasil, foi quando, de fato, nos tornamos livres dos lusitanos. Então, a independência do Brasil na Bahia, que é o 2 de Julho, representa a união dos povos brasileiros, como os negros, indígenas, do povo da Bahia, de Salvador, do Recôncavo. Então, estamos falando de toda a diversidade se encontrando para defender sua identidade e libertação”.
Gabriella Melo
Aglomerações
Como forma de evitar possíveis aglomerações durante o ato, a Polícia Militar da Bahia (PM-BA) estará realizando ações de policiamento ostensivo e preventivo, com patrulhamento a pé e rondas com viaturas, além de barreiras no entorno. Ao todo, cerca de 160 policiais militares estarão nas imediações da Lapinha, onde ocorrerá a cerimônia.
Já no trânsito, as mudanças realizadas pela Superintendência de Trânsito do Salvador (Transalvador) começaram na quinta, quando o órgão proibiu o estacionamento no entorno do Largo da Lapinha.
Já nesta sexta, o trânsito sofrerá alterações na região, como a interdição do tráfego de veículos na Estrada da Liberdade, na altura do Largo da Lapinha. Já as vias serão liberadas assim que o evento for finalizado. Enquanto isso, os moradores do trecho interditado poderão acessar a região mediante comprovação de endereço.
App conta história da independência do Brasil na Bahia
Lançado oficialmente nesta sexta-feira (02), o aplicativo de realidade aumentada Dois de Julho GO, conta a história de uma das mais belas e fortes manifestações populares do país: a independência do Brasil na Bahia. O app (disponível para android e ios) permite ao usuário conhecer a história, através de três personagens: o Caboclo, a Cabocla e Maria Felipa, os guias na viagem ao passado, através de uma contextualização histórica ao mesclar o antigo e o novo.
O aplicativo possibilita acesso a um conteúdo histórico de forma lúdica e interativa. Por meio da câmera de smartphones ou tablets de celulares compatíveis com a tecnologia AR é possível que os usuários visualizem os elementos virtuais tridimensionais – personagens históricos – e também imagens imersivas de 360 graus.
O app foi desenvolvido pela Estandarte Produções no âmbito do Prêmio Jaime Sodré de Patrimônio Cultural, da Fundação Gregório de Mattos, Prefeitura de Salvador, por meio da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, com recursos oriundos da Secretaria Especial da Cultura, Ministério do Turismo, Governo Federal. “A memória das lutas pela independência permeiam o território da cidade de Salvador e se revela como fato histórico determinante. Contexto que se amplifica com as comemorações do Bicentenário da independência no ano de 2022 em todas as regiões do país”, destaca Jamile Coelho, da Estandarte Produções.
“Na Estandarte estamos sempre trabalhando em inovação de linguagem e de tecnologia. Fazemos parte do movimento afrofuturista e temos lançado vários produtos como esses. Essa é versão beta do app, queremos expandir ainda mais a experiência do público com a reconstrução de obras e cenários inteiros em 3D. Pensamos no aplicativo como um Sankofa, aprendemos com o passado para construir o presente e o futuro.”
Jamile Coelho
Cobertura especial do centenário em 1923
O jornal soteropolitano A Tarde fez uma cobertura especial para celebrar o centenário da independência da Bahia. A edição do dia 2 de Julho de 1923 tem uma característica de aquecimento com algumas informações mais gerais sobre a história da cidade, como um artigo que tem como ilustração uma planta da cidade em 1640 quando ainda era a capital do Brasil, condição que perdeu em 1763.
A edição do dia 2 de julho deu destaque a textos mais longos, como a reedição do livro Epopeia Itaparicana, de Bernardino Ferreira Nóbrega e que narra as lutas ocorridas em Itaparica. Na página 18 da mesma edição, o destaque foi para a história dos quartéis militares a partir dos combates pela independência.
Mas no dia 3 de julho, as narrativas de uma festa inesquecível começaram a ficar mais nítidas. O clima não ajudou. Foram dias de muita chuva, mas a programação seguiu dentro do planejamento. Na cobertura, três eventos ganharam maior destaque: o voo da esquadrilha da Marinha; a inauguração da sede do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) e a saída, em procissão marítima da imagem de Nosso Senhor do Bonfim, da Cidade Baixa para a Cidade Alta.
Em entrevista concedida ao jornal, o comandante da Marinha, Protógenes Guimarães, contou que houve atraso na saída do Rio de Janeiro das embarcações. Inicialmente, a partida estava agendada para o dia 27 de junho com escalas em portos do sul do Estado. A saída só ocorreu no dia 1º com a chegada no dia 2. Foram, segundo o comandante, dez horas de viagem, das quais 6h15 no trecho entre Vitória e Salvador.
A casa da Bahia
“O palácio internamente deslumbrava de luz, impondo-se a grandiosidade do ‘hall’ monumental, ao centro do edifício correspondendo à cupola, e excelente aspecto do salão. Grande massa popular estacionava em frente, assistindo à entrada dos convidados e ahi permanecendo até o fim das cerimônias quando foi franqueada a entrada a quem quisesse percorrer o prédio”.
(A Tarde, 03/07/1923, p.3)
O trecho da reportagem descreve a inauguração da sede do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB). A construção do prédio foi resultado de campanha de subvenção, a popular “vaquinha” ou crowdfunding, como se chamam as campanhas de financiamento coletivo por meio das plataformas digitais. O projeto foi coordenado por Bernardino de Souza (1884-1949) que, com a ajuda da mulher e das filhas, percorreu diversas cidades do estado realizando saraus artísticos para divulgar a importância de uma organização dedicada aos estudos de geografia e história e recolher os donativos.
A data para a inauguração foi a celebração do centenário da independência com Bernardino de Souza, declarado secretário perpétuo do IGHB, participando ativamente da comissão que preparou a programação de celebração. No discurso proferido durante a inauguração, transcrito na edição do dia 4 de julho, o então presidente do IGHB, Teodoro Sampaio (1855-1937) destacou, além da importância de Bernardino, as contribuições realizadas por anônimos e famosos. Dentre estes últimos esteve Alberto I, o rei da Bélgica que em 1920 visitou o Brasil.
O IGHB ganhou protagonismo na programação da celebração da independência, condição que mantém ainda hoje. É a instituição que tem a guarda das estátuas dos caboclos que são o centro das atenções no cortejo que celebra o 2 de Julho e que ficam abrigados no chamado Panteão da Lapinha.
Visita divina
Outra atividade que mobilizou as atenções em meio a uma programação extensa foi o translado do Senhor do Bonfim a partir da sua igreja para visitar o centro dos festejos do centenário na Cidade Alta. A imagem foi colocada em uma galeota puxada por um rebocador e tripulada por integrantes da Escola de Aprendizes da Marinha.
No desembarque a imagem foi recebida por representantes das irmandades de São Benedito, Senhor da Cruz, São José do Corpo Santo, Santíssimo Sacramento, Nossa Senhora da Conceição da Praia, Nossa Senhora do Boqueirão, Ordem 3ª do Carmo e Ordem 3ª de São Francisco. A espera reuniu uma multidão, de acordo com o relato da reportagem.
“O povo delirava, pretendendo romper os cordões da polícia. Só a custo se conseguiu ordem no cais. Desembarcado o andor, tomaram as suas varas, os irmãos do Senhor do Bonfim e as autoridades, entre estas, o governador do Estado, tomando-se o cortejo na seguinte ordem: clarins e lanceiros da cavalaria, irmandades, vindo por último o Senhor do Bonfim, cujo andor não era mais sustido pelos que pegavam nas varas, mas carregado, levado pela multidão que se comprimia em derredor”. (A TARDE 03/07/1923, p.3).
A imagem do Senhor do Bonfim seguiu em direção à Igreja da Vitória e, pela descrição realizada na reportagem, o trajeto foi marcado por uma comoção popular a cada trecho por onde passou:
“A subida, da Montanha houve atropelos, pois, a multidão não se queria afastar do glorioso padroeiro. Foguetes e bombas eram queimados no percurso, continuando as explosões dos fiéis que batiam palmas, gritavam e davam vivas ao Senhor do Bonfim, um dos espetáculos mais comoventes que a Bahia já assistiu. Ao galgar a ladeira de S. Bento, rompendo um verdadeiro oceano de cabeças, toda aquela multidão delirou. Das janelas e sacadas atiravam-se flores no andor e batiam-se palmas freneticamente. Foi nesse cenário grandioso e inédito que a procissão desfilou até a Graça, acompanhada de uma massa popular raramente vista, em que a maior parte era talvez de mulheres e que a chuva não afastou um instante do sagrado andor”.
(A Tarde, 03/07/1923, p3)
E teve futebol…
Em meio ainda à predominância dos termos em inglês, a programação do centenário da independência envolveu disputas de futebol. O local das partidas, ameaçadas pelas chuvas, foi o chamado Stadium da Graça que reuniu os match entre os scratchs.
Em bom português, o jogo mais importante foi uma partida entre uma seleção baiana contra os chamados estrangeiros, ou seja, jogadores de outros estados. Foi melhor para os “bahianos”, como grafou o jornal A Tarde:
“E não fora a chuva miúda incessante, muitas vezes transformadas em grandes aguaceiros e certamente teríamos uma porfia sensacional e magnífica. Não obstante a performance desenvolvida foi apreciável. A linha dianteira dos bahianos esteve excellente, combinando bem e merecendo a victoria pelo score de 2X0, pontos esses conquistados por Joaquim às 16 e 22 no primeiro halftime e por Manteiga, no segundo meio tempo, às 17 e 17 de uma entrada magistral”.
(A Tarde 03/07/1923, p.3)
Com a linguagem narrativa ainda presa ao inglês, o team da Bahia foi formado pelos seguintes players, ou seja, jogadores: Zinho, Mica, Santinho, Adolpho, Popó, Boleiro, Joaquim, Manteiga, Lago, Vivi e Sandoval, o capitão. No lado estrangeiro, ou seja, jogadores de outros estados estavam: Gato, Claudio, Perez, Sampaio, Todd (capitão), Saes, Scott, Alex, José Maria, Barriere e Vellozinho.
Com informações do jornal A Tarde e Brasil 247