No primeiro dia útil de 2021, (4/1), a adolescente de 13 anos Keron Ravache foi espancada até a morte em Camocim. Um início de ano que dá continuidade à realidade já vista em 2020, quando houve pelo menos 19 assassinatos de trans e travestis no Ceará, maior média desde 2017, ano do assassinato de Dandara Kettley. Ano passado, a média foi de 1,5 por mês.

Os números são do Centro de Referência LGBT Janaína Dutra e representam aumento de 57% no ano de 2020, em relação a 2019, quando foram contabilizados 11 crimes contra a vida de pessoas trans, média mensal de 0,9. Mais da metade dos 19 casos registrados – 10 – ocorreram em Fortaleza.
Em 2017, foram 16 assassinatos de trans e travestis, média mensal de 1,3 e 13 mortes violentas em 2018, com média de 1,08 por mês Keron foi a primeira vítima de transfeminicídio do ano, mas em Camocim foi o segundo caso em 10 meses. Em junho do ano passado, Luanny Kelly foi brutalmente assassinada pelo seu marido e seu corpo foi encontrado ao lado do prédio da Receita Federal em Camocim, há 354 km da Capital.
Segundo relatório da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra), 64% das vítimas no ano de 2019 foram assassinadas na rua. O que tem demonstrado que as vias públicas não são espaços seguros para corpos trans.
Segundo informações do Centro de Referência LGBT Janaína Dutra, os dados ainda podem esconder casos subnotificados, visto que o Centro não tem acesso aos inquéritos dos crimes que ocorrem no Interior do Estado.
Segundo informações repassadas, o Centro realiza esse levantamento de forma independente, pois isso não é atribuição do Município, mas sim, do Estado, por meio através da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). A SSPDS foi contatada, mas não houve resposta até a publicação desta matéria.
Yara Canta, membro da Associação de travestis do Ceará (Atrac), conta que, em agosto de 2020, foi criado grupo de trabalho para debater políticas públicas e segurança para pessoas LGBTQIA+ na Capital. “Foi criado esse GT com representantes da Secretaria da Segurança Pública do Estado, as lideranças da Atrac e outras lideranças LGBT do Estado também participaram.”
Segundo Yara, depois dessa reunião, não houve mais nenhuma ação de continuidade. “É difícil, porque, às vezes, parece que não existe um interesse das instituições. Infelizmente, a gente tenta articular aqui e ali, marcou uma reunião, mas ficamos dependemos de burocracias e da boa vontade das pessoas. Estamos morrendo enquanto aguardamos esse GT”, desabafa.
Mães pela Diversidade ONG lamenta assassinato
A ONG “Mães pela Diversidade”, formada por mães e pais de pessoas LGBTQIA+ com atuação em 23 estados brasileiros, publicou nota no Instagram na quinta-feira passada lamentando a perda de Keron Ravach. A jovem de 13 anos foi espancada até a morte em Camocim no último dia 5. Apesar da jovem ter sofrido chutes, pauladas, pedradas e facadas, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), em boletim, descartou que o ato infracional tenha ocorrido em razão da orientação sexual da vítima.
Confira a nota na íntegra:
“Mais uma menina trans foi assassinada. Dessa vez uma criança. 13 anos. Keron Ravach. Uma menina que gostava de dançar na praça, com amigos, e depois tomava banho de mar.
O preconceito é alimentado pela ignorância e desconhecimento das pessoas. Pelo constrangimento de quem sabe muito bem o que acontece e escolhe calar. Crianças trans existem, espalhem por aí. A criança LGBT+ existe, não esqueçam. Crianças que não correspondem ao que se espera delas e, por isso, sofrem demais!
Nosso silêncio diante disso alimenta uma lógica perversa que as faz duvidar de si mesmas, acreditar que sua existência é um erro.
O pacto de silêncio em torno desse tema precisa ser rompido. Constrangedor não é falar disso. Constrangedor e terrível é ouvir a descrição do assassinato de Keron: pauladas, chutes, pedradas, facadas.
Dentro de nós, mães de pessoas LGBTIA+, o buraco no peito é inevitável. Cada morte assim é como um grande fracasso nosso. Fracasso em mudar o mundo pra que nossas crianças vivam em paz, sem medo e sem vergonha. Vamos ao chão.
Sabe o que acontece? Nós não conseguimos sozinhas. Precisamos, e muito, de você que está lendo isto agora. Um novo pacto, que invente esse mundo possível para nossas meninas e meninos.
Por hoje, fica o luto. A ausência de cor dentro do peito por mais uma das nossas meninas que tomba.
Mas amanhã, não se espantem, as cores delas voltam a pintar o mundo. Alegres, ousadas, serelepes…”