
O presidente Jair Bolsonaro (PL), se manifestou sobre a defesa de um partido nazista no Brasil, levantada pelo podcaster Monark – que está sendo investigado por possível crime de apologia ao nazismo. Acontece que apesar de se dizer contrário às declarações de Monark, o histórico do presidente da República, assim como suas ações e o perfil de seus apoiadores mais ferrenhos mostram indícios de um governo pautado nos mesmos princípios adotados por regimes fascistas.
Bolsonaro quebrou o silêncio na última quarta-feira (09), para abordar o assunto levantado no podcast, mas aproveitou a polêmica envolvendo o apresentador para fazer uma falsa equivalência e defender a criminalização do comunismo. “A ideologia nazista deve ser repudiada de forma irrestrita e permanente, sem ressalvas que permitam seu florescimento, assim como toda e QUALQUER ideologia totalitária que coloque em risco os direitos fundamentais dos povos e dos indivíduos, como o direito à vida e à liberdade”, disse o presidente no Twitter.
“É de nosso desejo, inclusive, que outras organizações que promovem ideologias que pregam o antissemitismo, a divisão de pessoas em raças ou classes, e que também dizimaram milhões de inocentes ao redor do mundo, como o Comunismo, sejam alcançadas e combatidas por nossas leis”, prosseguiu Bolsonaro.
Ao invés de se limitar à condenar o nazismo, o mandatário decidiu atacar o comunismo, o que expressa que a real intenção dele não é a de criticar a fala de Monark, mas tentar criar um fato político em cima disso.
Dado o histórico – anterior e recente – do presidente, Bolsonaro não parece estar tão distante assim de ideologias nazifascistas, em especial do neonazismo. Para se ter ideia, em julho de 2021, Bolsonaro recebeu, no Palácio do Planalto, a neonazista alemã Beatrix von Storch, neta do ministro das Finanças de Adolf Hitler (Johann Ludwig Schwerin von Krosigk) e filiada ao partido ultradireitista AfD (Alternativa para a Alemanha).
Ligação de Bolsonaro com o neonazismo
Para corroborar que a ligação de Bolsonaro com a ideologia nazista é antiga, Adriana relembrou que encontrou uma carta do atual presidente publicada em sites neonazistas em 2004. Três sites diferentes de neonazistas mostravam um banner com a foto de Bolsonaro e o link que levava ao site que o então deputado tinha na época, além de uma carta em que ele afirmava:
“Ao término de mais um ano de trabalho, dirijo-me aos prezados internautas com o propósito de desejar-lhes felicidades por ocasião das datas festivas que se aproximam, votos ostensivos aos familiares. Todo retorno que tenho dos comunicados se transforma em estímulo ao meu trabalho. Vocês são a razão da existência do meu mandato”, dizia a carta.
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Em 2019, Bolsonaro rememorou, durante um encontro com evangélicos no Rio de Janeiro, sua ida ao Museu do Holocausto, em Jerusalém, feita durante a visita diplomática ao primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu e deu uma declaração polémica na época.
Bolsonaro disse que era possível “perdoar” o crime dos nazistas contra a humanidade, que resultou na morte de seis milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. E que o importante, argumentou, era não esquecer o ocorrido, para evitar que se repita.
“Fui, mais uma vez, no Museu do Holocausto. Nós podemos perdoar, mas não podemos esquecer. E é minha essa frase. Quem esquece seu passado está condenado a não ter futuro. Se não quer repetir a história, que não foi boa, vamos evitar com ações e com atos para que ela realmente não se repita daquela forma”, disse o presidente.
Nazismo no Brasil atual
A cientista social, antropóloga e pesquisadora Adriana Dias, que dedica sua vida ao estudo do avanço dos grupos neonazistas no mundo e, especialmente no Brasil, divulgou dados preocupantes sobre o tema: existem atualmente pelo menos 530 núcleos neonazistas no Brasil com cerca de 10 mil pessoas ativas.
Um mapa elaborado por uma equipe de estudiosos revelou que as células de grupos neonazistas cresceram 270,6% no Brasil entre janeiro de 2019 e maio de 2021, e se espalharam por todas as regiões do país, impulsionadas pelos discursos de ódio da extrema-direita contra as minorias representativas, amparados pela falta de punição.
“O mais grave é que apenas o nazismo é tipificado no país. O fascismo, não. Ou seja, o fascismo não é crime no Brasil. Por isso, há grupos imensos fascistas se formando, porque sabem que não é proibido”, revelou.
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“Governo Bolsonaro tem fortes inclinações nazistas e fascistas”, diz manifesto de judeus
Um manifesto assinado por 260 judeus em maio de 2021 associa o governo de Bolsonaro com o nazismo alemão e o fascismo italiano e afirma que “é preciso chamar as coisas pelo nome”. “É perceptível que o governo encabeçado por Jair Bolsonaro tem fortes inclinações nazistas e fascistas”, apontam.
Desde a campanha eleitoral, o Jair Bolsonaro já demonstrava traços de inspiração no nazifascismo. Em seu governo, alguns ministros e secretários expuseram claramente uma aproximação com o ideário neonazista e alguns episódios reforçaram isso.
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Carta aos neonazistas
A antropóloga e pesquisadora da PUC de Campinas Adriana Dias, que há anos rastreia pela internet grupos extremistas de ultradireita que atuam no Brasil, encontrou uma carta do então deputado federal Jair Bolsonaro, datada de 2004, dirigida a neonazistas de um site que propagavam tal ideologia, retirado do ar em 2006: o Econac.
Dias entende que a forma como Bolsonaro se dirige aos neonazistas é reveladora, mas o ponto principal é o engajamento do grupo com o deputado. “Na verdade, o teor do documento (carta) não é o mais importante. O mais importante nessa carta é que ele diz que essas pessoas são a razão do mandato dele e essa carta só foi publicada em sites neonazistas e em nenhum outro canto”, disse à Fórum.
O “sósia” de Hitler
Em 2015, Bolsonaro apareceu em foto ao lado de um “sósia” de Hitler após audiência pública na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro convocada para debater o projeto Escola Sem Partido, defendido pelo ex-capitão. Por decisão da Comissão de Educação da Câmara, Marco Antônio Santos, o “Hitler”, foi impedido de falar por estar trajado igual ao ditador nazista, mas isso não o impediu de posar ao lado do hoje presidente da República.
Além da foto, Santos se filiou ao PSC em 2016 – partido que, na época, abrigava Jair Bolsonaro e seu clã – para concorrer à vereança e chegou a receber doações do hoje senador Flávio Bolsonaro – que concorreu à Prefeitura da capital carioca na ocasião.
Bolsonaro já foi classificado como “Hitler de Brasília”
Durante as eleições, o então candidato foi qualificado como “Hitler de Brasília” por um articulista em jornal de Israel. “Hitler em Brasília – Os evangélicos dos EUA e a teoria política nazista que estão por trás do candidato à Presidência do Brasil”, dizia o título do texto.
Thilo F. Papacek, professor alemão e doutor em Históra pela Universidade Livre de Berlim, conversou com a Fórum sobre as declarações e analisou que o discurso do presidente brasileiro tinha muitas semelhanças com o discurso dos partidários de Hitler. “Esse discurso de Bolsonaro de ‘limpar o país’ e ‘fazer exorcismo’ contra a esquerda, sim, chega até aqui. E esse tipo de discurso existia no governo da Alemanha também, entre os anos de 1933 a 1945 [período do goveno nazista de Hitler]. Nesse sentido, Bolsonaro é muito mais semelhante aos nazis”, declarou.
Com Mariane Del Rei e informações da Revista Fórum