O alemão Frankfurter Allgemeine voltou a destacar o agravamento da crise sanitária, econômica e política do Brasil em sua edição desta terça-feira (9). Na capa do jornal, o diário se dedicou a analisar o que ocorre no momento em que o país segue registrando uma curva ascendente de casos do novo coronavírus, com quase 700 mil brasileiros infectados e mais de 36 mil mortes já confirmadas.
O jornal aponta que, enquanto enfrentam a pandemia, milhões de brasileiros perderam a renda e suas economias e passaram a depender do apoio do governo. “A maior economia da América Latina está enfrentando uma crise econômica sem precedentes”, diz.
Venezuela e Coreia do Norte
Sem poupar nas palavras, o periódico também afirma que a situação do país poderia ser menos ruim, mas o presidente Jair Bolsonaro buscou reduzir, desde o princípio, a dimensão da crise, sem seguir conselhos do “establishment“.
“Ele ofendeu com palavrões governadores dos estados que seguiram as recomendações científicas e a experiência registrada na Europa”. Sua obsessão pela substância cloroquina custou a ele dois ministros da Saúde em quatro semanas. Desde então, um general da reserva tem sido chefe interino do ministério. Como se a pandemia pudesse desaparecer, o governo passou a não publicar mais estatísticas sobre o coronavírus desde o fim de semana, apenas os novos casos por dia, e somente após as manchetes repercutirem o caso. Estatísticas veladas são mais comuns na Venezuela ou na Coreia do Norte”, narra o jornal.
Situação política
“Diante da situação, é alarmante que as preocupações de muitos brasileiros seja, cada vez menos, a saúde ou a sobrevivência econômica, mas a estabilidade política no país. Há semanas, o presidente participa de comícios que pedem ostensivamente o fechamento da Suprema Corte e do Congresso e intervenção militar. Bolsonaro e seus apoiadores declararam instituições democráticas como inimigas – especialmente desde que investigações contra o presidente e seu entorno começaram, o que poderia resultar no afastamento do presidente”, diz adiante.
Pilares da democracia
O Frankfurter ainda narra o caos político no qual o país segue imerso, citando que em Brasília “uma instituição está se armando contra a outra”. “Embora o Congresso brasileiro seja conhecido por seu oportunismo e, embora às se presuma que juízes façam um cálculo político em seus julgamentos, essas instituições [Supremo e Congresso ] são dois pilares da democracia”. “Uma das regras é que o presidente também não está acima da lei”.
O jornal diz, também, que “sob fogo crescente, Bolsonaro passou da provocação à ameaça”. “Ele [Bolsonaro] disse que não seguiria nenhuma instrução ridícula do Supremo”. “Um aliado de Bolsonaro afirmou que o rifle de uma arma era mais poderoso que o manto do juiz. E um general alertou sobre ‘consequências imprevisíveis’ para a estabilidade do país, caso a investigação fosse longe demais”.
De acordo com o jornal, o fato de Bolsonaro se opor ao Parlamento e ao STF torna a “ameaça de Bolsonaro e seus seguidores contra seus inimigos ainda mais reais”. “Mesmo que as ameaças de Bolsonaro sejam um blefe e a interferência violenta no estado de direito seja um cenário praticamente inconcebível, nos perguntamos o que o presidente Bolsonaro pensa sobre a democracia. Sozinho, sugerindo romper com a democracia, caso alguém se aproxime demais, ele está usando a democracia como refém – e com ela, todo o povo”, sugere o texto.
Diretas já
A publicação termina afirmando que embora Bolsonaro continue a ter em torno de 30% de respaldo do eleitorado, destes “são apenas os apoiadores mais extremistas os que participam das manifestações antidemocráticas”.
E afirma que “oponentes de Bolsonaro estão ganhando força”. “Muitos brasileiros estão começando a perceber que suas liberdades, recuperadas na década de 1980, não é algo dado”.
“Há duas semanas, iniciativas bipartidárias vêm ocorrendo no país, remanescentes do movimento Diretas Já, responsável pela retomada da eleição direta a presidente, em 1983, e pelo fim da ditadura militar”. “Eles vão construir um contrapeso aos “bolsonaristas”, que têm o monopólio nas ruas desde que a pandemia eclodiu. Talvez o presidente então perceba que ele também governa para setenta por cento dos brasileiros. Especialmente em uma crise como esta”.