
Mesmo com constantes ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) e da ala política bolsonarista do governo a “cannabis sativa“, popularmente conhecida como maconha, abre cada vez mais espaço para a discussão da sua descriminalização e uso em produtos e medicamentos no Brasil.
Legalizada em mais de 50 países, a planta se vê em um momento “fértil” na realidade brasileira após décadas de total proibição.
Acompanhando a tendência global, cada vez mais decisões judiciais têm liberado seu cultivo e consumo medicinal, proporcionando tratamento para diversas doenças e aquecendo um mercado que já movimenta R$ 130 milhões por ano. Atualmente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autoriza a importação e comercialização de 18 produtos à base de cannabis, todos vendidos em farmácias.
Apesar do progresso tardio, o país está longe de se livrar do obscurantismo enraizado nas estruturas político-admistrativas do governo federal e suas ramificações.
Em 2006, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Congresso aprovou uma nova Lei de Drogas, que endurecia penas para traficantes e retirava punições a usuários. A lei cita 18 verbos que definem o crime: importar, remeter, preparar, produzir, vender, expor à venda, oferecer, ministrar, entre outros.
Desde então, o Estado vêm se apropriado de uma legislação pouco definida para prender pessoas com quantidades ínfimas de maconha e fortalecer a criminalização do uso recreativo da planta. Enquanto isso, facções criminosas detêm o monopólio da produção e venda e ostentam lucros que podem chegar até a R$ 12,9 bilhões por ano.
O mais recente ataque veio do presidente Jair Bolsonaro, em janeiro deste ano, quando ironizou o uso de medicamentos à base de canabidiol, alegando que “maconha pode, cloroquina não”. No mesmo dia, o mandatário também ameaçou vetar o uso de derivados da erva, utilizado em medicamentos para doenças graves e até em mais brandas, como hipertensão e fibromialgia.
População diz o contrário
Em contrariedade a demonização do governo em relação a planta, a liberação da maconha para uso medicinal tem o apoio de 61% dos brasileiros. Segundo pesquisa realizada pelo PoderData entre 2 e 4 de janeiro de 2022, 26% discordam, enquanto 13% não souberam responder.
O apoio à liberação da cannabis para fins medicinais é maior entre pessoas que cursaram o ensino superior (86%) e os que têm renda mensal de 2 a 5 salários mínimos (78%) ou de mais de 5 salários mínimos (81%). Já entre os que são contra, a maioria está na região Norte (62%) e entre os que tem 60 anos ou mais (37%).
Além disso, homens são mais favoráveis à liberação do que mulheres: 65% a 57%. A maioria das pessoas que é a favor está entre as faixas etárias de 25 a 44 anos (70%) e 16 a 24 anos (67%).
▶ Um dado curioso é que a defesa à liberação da maconha medicinal tem o apoio da maioria mesmo entre os que consideram Jair Bolsonaro (PL) “bom” ou “ótimo” (51%). Já entre os que avaliam o trabalho do presidente como “ruim” ou “péssimo”, vai a 67%.
Potencial da cannabis
O canabidiol tem mostrado resultados muito impressionantes para uma variada gama de doenças graves, sobretudo naquelas de origem neurológica e nas dores crônicas, mas também tem sido usado até para hipertensão e fibromialgia.
A substância é encontrada numa planta: a cannabis sativa, ou seja, na maconha. É aí que surge uma infinidade de supostos dilemas apontados “perigosos” por conservadores e reacionários de plantão, que relacionam a aplicação do fármaco em doentes ao consumo estigmatizado da “marijuana”, fumada mundo afora.
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Entretanto, é com esse principio-ativo da planta que se produz medicamentos para o controle de sintomas de enfermidades como esclerose múltipla, esquizofrenia, Doença de Parkinson, epilepsia, ansiedade, Doença de Alzheimer, enxaqueca, hipertensão arterial, transtorno do espectro autista, fibromialgia, entre tantas outras condições raras e de difícil tratamento.
Nos EUA, o uso do canabidiol foi liberado definitivamente há mais de quatro anos, após exaustivos testes realizados por gigantes do setor de medicamentos, assim como na União Europeia, onde o óleo está à disposição dos doentes desde 2019, quando testes realizados no Reino Unido, França, Espanha, Alemanha e Itália mostraram suas características promissoras.
O uso do canabidiol, ainda que em fase experimental e com restrições, já ocorria nesses países há quase 10 anos.
PSB defende atualização de políticas
Em seu processo de Autorreforma, o PSB defende que é necessário atualizar a política nacional sobre de drogas, de modo a integrá-la a outras políticas sociais, especialmente com as da saúde, física e mental, e assistência social, dando especial atenção às políticas de redução de danos.
▶ Curiosidade: O deputado federal Luciano Ducci (PSB-PR) foi relator do Projeto de Lei (PL 399/2015), que autoriza a plantação da cannabis para fins medicinais, veterinários, industriais e científicos. Ele defende que o acesso a fármacos e medicamentos derivados da cannabis pode mudar a vida de pessoas que sofrem com as mais variadas doenças e síndromes.
“Temos que garantir o acesso para as famílias a esses medicamentos, que aumentam a qualidade de vida das pessoas que sofrem com convulsões. Hoje crianças que tinham de 30 a 40 convulsões por dia deixam de ter convulsões diárias a partir do tratamento com remédios à base de cannabis“, declarou.