Numa sessão já conturbada no Senado Federal, quando parlamentares cobravam a renúncia do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, um episódio envolvendo o assessor internacional de Jair Bolsonaro (sem partido), Filipe Martins, roubou a cena. Martins fez um sinal de “ok” durante fala do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
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O gesto, no entanto, é o mesmo usado por movimentos supremacistas brancos de extrema direita e causou verdadeiro alvoroço durante a reunião. Os parlamentares pediram apuração do caso e punição de Martins.
“Peço, senhor presidente, que conduza esse senhor [Filipe Martins] para fora das dependências do Senado. Esta sessão não tem condições de ter continuidade. Esse senhor, que ofendeu o presidente do Senado, ofendeu este plenário”, afirmou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
O senador Randolfe Rodrigues classificou o gesto de “obsceno e inaceitável”.
“Não aceitamos que um capacho do presidente da República venha ao Senado durante a fala do presidente do Senado nos desrespeitar”, afirmou Randolfe, exaltado.
Para a deputada Maria do Rosário (PT-RS), “usar o momento de pronunciamento do presidente do Senado para, atrás da autoridade, diante de câmeras, fazer o gesto característico da supremacia branca é algo gravíssimo”.
Mesmo negando a intenção do gesto, em muitos países, a “limpeza de lapela” – justificativa dada pelo assessor de Bolsonaro na ocasião – também é interpretada como símbolo de “Força Branca”, “White Power”, em inglês. O gesto, que se assemelha a um “ok”, é classificado como “uma verdadeira expressão da supremacia branca” pela Liga Antidifamação dos EUA.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, solicitou que o caso seja investigado pela Secretaria-Geral da Mesa (SGM) e a Polícia Legislativa da Casa.
‘Assessor deveria ser demitido’
O caso repercutiu na Câmara. Deputados lamentaram a conduta do assessor de Bolsonaro e cobraram a punição de Martins.
“Se for verdade que um assessor presidencial fez um gesto ligado aos grupos supremacistas brancos, em plena audiência no Senado da República, alguém deve ser demitido. Ou ele ou o próprio presidente”, declarou o vice-líder da Oposição, deputado Orlando Silva (PCdoB-BA).
Em suas redes, a vice-líder do PCdoB, deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), postou o trecho do vídeo e questionou se o Senado não tomaria atitudes.
Não é a primeira vez
A cena foi apontada como mais um episódio em que figuras do governo Bolsonaro flertam com o neonazismo. Martins é seguidor de Olavo de Carvalho e coleciona fotos com figuras da extrema direita dos Estados Unidos, como Donald Trump e Steve Bannon.
Em 2020, por exemplo, o então secretário especial da Cultura do governo Bolsonaro, Roberto Alvim, fez um discurso semelhante ao do ministro de Adolf Hitler da Propaganda da Alemanha Nazista, Joseph Goebbels, antissemita radical e um dos idealizadores do nazismo. À época, Goebbels afirmou que a “arte alemã da próxima década será heroica” e “imperativa”, Alvim fez o mesmo, afirmando que a “arte brasileira da próxima década será heroica” e “imperativa”.
O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) lembrou o caso e cobrou o mesmo fim para o assessor internacional.
“Primeiro foi um secretário de Cultura que plagiou Goebbels. A contragosto do governo, foi demitido. Agora um assessor especial do Bolsonaro faz gesto supremacista em plena sessão do Senado. Não pode ter outro fim, precisa ser imediatamente demitido e responder criminalmente”, disse Valente.
O parlamentar postou ainda em suas redes foto de um supremacista da Nova Zelândia que também “limpava a roupa”, no caso o uniforme de presidiário, após ter assassinado 51 pessoas numa mesquita em 2019.
Acusou o golpe
Apesar de Martins negar o gesto, seu chefe, Jair Bolsonaro, acusou o golpe e demonstrou conhecimento do significado. Em um vídeo divulgado pelo jornalista Samuel Pancher, o presidente se incomoda com um apoiador, que fez com as mãos o mesmo gesto de Martins. “Esse gesto aí… Se não foi um gesto bacana, pega mal pra mim”, disse Bolsonaro, ao que um segurança de sua equipe endossou, mandando o homem apagar a foto em que aparecia fazendo o sinal de “ok” com as mãos.
Museu do Holocausto se manifesta
O Museu do Holocausto se posicionou contra o gesto feito por Filipe Martins. Para o museu, o bolsonarista gesticulou um símbolo supremacista, de ódio. O museu ainda afirmou que “é estarrecedor que não haja uma semana em que o Museu do Holocausto de Curitiba não tenha que denunciar, reprovar ou repudiar um discurso antissemita, um símbolo nazista ou ato supremacista. No Brasil, em pleno 2021. São atos que ultrapassam qualquer limite de liberdade de expressão”.