Aprovado no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 19/2019, que modifica a natureza do Banco Central, tem sido objeto de muita discussão. Devido ao excesso de autonomia prevista na mudança, estudiosos temem que o órgão passe a ser comandado por pessoas “de confiança do mercado”, que mantenham e até piorem a atual política monetária do país, já muito criticada.
Como forma de alerta para os perigos desta mudança, a Organização Não Governamental (ONG), Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), notificou extrajudicialmente líderes partidários e o presidente da Câmara, Arthur Lira. O documento, que demonstra detalhadamente todos os problemas do projeto, também será utilizado para futuras responsabilizações destas autoridades em caso de danos graves à economia brasileira.
A entidade foi fundada em setembro de 2000, logo após a realização do Plebiscito Popular da Dívida Externa. Esta consulta pública questionava se o Brasil deveria manter ou não seu acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), além de estabelecer uma auditoria para os pagamentos desta dívida externa. O “não” ganhou, porém esta auditoria prevista nunca foi implementada. Porém, criou-se o ACD com objetivo de mobilizar e conscientizar a população para a importância deste mecanismo de controle social sobre a política financeira.
A coordenadora nacional da ONG, Maria Lúcia Fattorelli, tem MBA em Administração Tributária e é ex-auditora fiscal da Receita Federal. Em 2015, foi convidada pela presidente do parlamento da Grécia a integrar o Comitê da Verdade sobre a Dívida Pública Grega, além de realizar palestra sobre o tema em outros 20 países.
Em apresentação realizada na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Maria Lúcia destacou que o Brasil, ao contrário de países com política financeira mais saudável, não gera dívida para realizar investimentos. De acordo com o Tribunal de Contas da União, nenhum investimento foi realizado com a emissão de títulos entre os anos de 2000 e 2017.
Sem investimentos, com o patrimônio público sendo privatizado e mais de 40% do orçamento anual sendo destinado ao pagamento de juros e amortizações, o motivo pelo qual a dívida brasileira cresceu tanto nos últimos anos tem apenas uma resposta, segundo a pesquisadora: os constantes erros e ilegalidades cometidas pelo Banco Central. A primeira delas, é o pagamento de juros como se fossem amortizações, o que significa que são emitidos títulos do tesouro (dívidas) para pagar o juros da dívida. Sendo os juros de despesa corrente, a Constituição proíbe essa operação, que faz com que a os números não caiam e a conta não feche.
A remuneração da sobra de caixa dos bancos também é outro ponto destacado pela ONG que explica como os arranjos monetários no país são utilizados para privilegiar os mais ricos em detrimento dos mais pobres. Essa operação consiste em: diariamente, por todo o dinheiro que fica parado nos bancos – ou seja, que não foram emprestados e estão parados em depósitos e aplicações – o orçamento público paga uma remuneração aos banqueiros. Essas chamadas “operações compromissadas” resultam num gasto de 20% do PIB brasileiro. Em reais, algo em torno de R$ 1,3 trilhão.
Além disso, não há esforço por parte dos bancos em facilitar empréstimos, aquecendo o mercado consumidor. Ao contrário, para garantir os depósitos, são inúmeras as exigências e burocracias existentes no processo, diminuindo os recursos disponíveis para essa operação e, consequentemente, aumentando os juros de mercado, mais uma operação ilegal.
“Se esse recurso fosse empregado em investimento produtivo, não geraria inflação, ao contrário, movimenta a economia, gera emprego, gera renda, reduz o déficit e gera desenvolvimento socioeconômico. […] Uma operação dessa gravidade que é realizada sem nenhum respaldo legal”, afirmou Maria Lúcia.
Segundos os dados informados pela organização, o Brasil produziu R$ 1 trilhão de superávit primário de 1995 a 2015 e, mesmo nesse cenário, apenas a dívida interna saltou de R$ 85 milhões para R$ 4 trilhões. Para os especialistas, isso demonstra que este aumento não foi causado por gastos sociais, primários ou nenhum outro investimento, mas pela forma como o país lida com as finanças.
“E a urgência deveria ser interromper essa política monetária suicida e exigir que o Banco Central atue em favor do Brasil, não dos bancos”, afirma Fattorelli.
Banco Central: autonomia perigosa
Todos esses fatores preocupantes demonstram para os pesquisadores que a transparência e controle social das atividades do Banco Central são fundamentais para que o Brasil saia deste cenário de crise. Entretanto, com a aprovação do projeto de autonomia do órgão, a expectativa é que cada vez mais, as operações financeiras sejam realizadas de modo a proteger o interesse dos bancos e grandes empresas.
A mudança prevê uma diretoria blindada, que só poderá ser afastada em caso de doença ou vontade própria. Caso haja acusação de fraude, a saída só se dará após condenação. No caso de desempenho insuficiente, cabe a iniciativa ao Conselho Monetário Nacional (CMN), composto pelo presidente do BC, o Ministro da Economia e, um subordinado. Na prática, o presidente do banco estará no comando do único órgão que pode lhe considerar passível de sanção.
E todo e qualquer rombo, prejuízo ou efeito negativo gerado pela continuidade destes mecanismos e mudanças no Banco Central será automaticamente pago com recursos do Tesouro Nacional já que, segundo o artigo 7º da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a dívida cabe ao Estado.
“E como essa “dívida” tem sido paga? Com a entrega do nosso patrimônio público em privatizações insanas; contrarreformas (Trabalhista, da Previdência e agora a Administrativa, a PEC 32), além de modificações legais que prejudicam direitos sociais para privilegiar o pagamento dessa dívida, como a EC 95 (Teto de Gastos), a PEC 186 (gatilho para cortar salários), entre várias outras”, escreveu Maria Lúcia.
Conscientização
Com o objetivo de divulgar essas e outras informações à população e, conscientizar a todos da importância do olhar atento sobre as contas públicas, a Auditoria Cidadã da Dívida está promovendo a campanha É Hora de Virar o Jogo.
Por meio das redes sociais da ONG e de parceiros, estão sendo divulgados conteúdos educativos e promovidos cursos e concursos para chamar a atenção para o tema.
“Ao longo da campanha, programada para 3 meses, vamos desenvolvendo a conscientização de que é preciso unificar as lutas e construir uma grande mobilização social para construir outro modelo, no qual o Estado Social seja forte e garanta vida digna para todas as pessoas e respeite o ambiente”
Para participar, é só se conectar à iniciativa por meio dos perfis do Twitter, Instagram e Facebook ou, no site