O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) analisa, desde segunda-feira (20), uma lista de demandas do setor privado que, de acordo com o Ministério da Economia, responsável por encaminhar as propostas, tem o objetivo de destravar a economia do país. Na prática, as solicitações da pasta comandada por Paulo Guedes podem representar um imenso retrocesso ambiental, dizem especialistas.
Dentre as propostas do setor privado estão pontos muito polêmicos, como ampliar a área de Mata Atlântica que pode ser suprimida sem autorização do Ibama, renovação de licenças ambientais de forma automática, quando houver atraso na análise dos pedidos, extinção da lista de atividades que precisam apresentar estudo de impacto ambiental para serem realizadas, facilitação da exportação de agrotóxicos e dispensa de licenciamento ambiental para utilização de rejeitos de mineração.
O ofício da Economia, assinado pelo secretário de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação, Jorge Luiz de Lima, foi redigido em maio, mas somente na última semana (16) a Secretaria Executiva do MMA encaminhou para apreciação do Ibama.
A presidência do Ibama, por sua vez, direcionou o documento às suas diretorias no último dia 20, pedindo que elas se manifestem até 29 de setembro, no sentido de informar o status de cada proposição feita pelo Ministério da Economia: se “em análise”, “em formulação”, “em tramitação”, “em implementação” ou “implementada”.
“Estranha o Ministério do Meio Ambiente simplesmente repassar um pedido da Economia sem fazer uma análise crítica sobre o conteúdo. O Ministério [do Meio Ambiente] concorda com tudo isso? Que Ministério é este que vira um mero repassador de decisões tomadas por pessoas da Economia que não têm noção nenhuma de política ambiental?”, questiona Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e analista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.
“O MMA deveria se sentar com os técnicos do Ibama e ICMBio para ver se aquilo que está no documento faz sentido e não atuar como mero repassador, como se o ministro não tivesse nada a ver com aquilo”, complementa.
Eliminação de “dificuldades burocráticas”
As propostas de flexibilização ambiental foram criadas pelo Ministério da Economia e pelo setor privado no âmbito do Projeto de Redução do Custo Brasil, que tem por objetivo “identificar e eliminar dificuldades estruturais, burocráticas, trabalhistas e econômicas que elevam o custo de se fazer negócios no país”.
Segundo a pasta econômica, estudos realizados em parceria com o Movimento Brasil Competitivo (MBC) apontaram que o custo adicional de se empreender no Brasil, o chamado “Custo Brasil”, é da ordem de R$ 1,5 trilhão/ano. O MBC é uma organização da sociedade civil formada por empresários e executivos das maiores empresas do país, como a siderúrgica Gerdau S.A., que já foi multada em diferentes ocasiões por infração ambiental.
“Entre as dificuldades listadas pelo setor privado, algumas delas possuem interfaces direta com as atribuições institucionais do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Com o fito de imprimir continuidade e efetiva resposta às demandas apresentadas pelo setor privado, encaminho na relação constante do Anexo deste Ofício as demandas que necessitam análise do MMA no sentido de avaliar a possibilidade de prosseguimento dos pleitos”, diz o documento do Ministério da Economia.
Demandas do setor privado
A lista de demandas do setor privado contém 14 propostas, algumas delas muito polêmicas, como mudanças na Lei da Mata Atlântica, no sentido de excluir o Ibama dos processos de decisão sobre novos desmatamentos no bioma e enfraquecer os mecanismos de proteção dos remanescentes.
“Os remanescentes de Mata Atlântica são tão preciosos, o que sobrou é tão pouco, que a legislação sobre a Mata Atlântica é mais rigorosa e exige uma dupla checagem em algumas situações. Eles querem explodir com a participação do Ibama nesse processo”, explica Suely Araújo.
Em abril de 2020 o então Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a pedido da Federação da Agricultura do Paraná, já havia tentado modificar, por despacho, a Lei da Mata Atlântica. Na época, o Ministério Público Federal, os ministérios públicos dos 17 estados compreendidos nos limites do bioma e a Fundação SOS Mata Atlântica ajuizaram ação contra o despacho e conseguiram reverter a situação.
Naquele mesmo mês, Salles sugeriu que o governo “passasse a boiada”, afrouxando normas ambientais por meio de atos infralegais. A reunião em que Salles fez a declaração veio à público no mês seguinte, em maio.
“Esse documento é uma insanidade total. Todas as maldades que eles têm, que vêm desde maio [de 2020], são agora apresentadas. Alguns deles [setores], que querem destruir a parte do marco legal com relação à legislação ambiental soltaram todos os demônios, tá valendo tudo”, diz Mário Mantovani, diretor de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.
A lista do setor privado ainda contém proposta de revogar resoluções do Conama para extinguir, nos processos de licenciamento ambiental, a lista que serve de referência para as atividades sujeitas à apresentação de Estudo de Impacto Ambiental (EIA). A definição ficaria a cargo do órgão ambiental competente, propõe o documento da Economia.
“Tem que existir um parâmetro mínimo. Isso é um horror, vai dar uma pressão política e aumentar a corrupção”, defende Suely Araújo.
O documento também propõe afrouxar as leis que regulam a exportação de agrotóxicos e dispensar de licenciamento ambiental empreendimentos que se utilizem de rejeitos de mineração, como os de Brumadinho e Mariana, pivôs de catástrofes recentes.
Há ainda a solicitação para emissão de licença automática por decurso de prazo, que é quando o órgão ambiental demora a responder. Esse ponto é polêmico porque é no momento da emissão da licença que as condicionantes para a realização do empreendimento são fixadas.
“A licença por decurso de prazo em meio ambiente é você jogar o dano ambiental e social para a sociedade resolver. Quem vai fixar as condicionantes? O empreendedor? A licença não é somente um papel”, complementa a analista do Observatório do Clima.
A maioria das mudanças propostas pela Economia e setor privado necessitam de aprovação do Congresso Nacional para serem implementadas.
No entanto, o cenário político indica que o governo poderá tentar revogar resoluções que regulamentam as leis ambientais relacionadas aos temas propostos por meio de atos infralegais, assim como fez Ricardo Salles, ou por meio do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que foi esvaziado por Bolsonaro e hoje é formado majoritariamente por membros do governo.
Com informações do jornal O Estado de S. Paulo e O Eco