O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) prestou depoimento à Polícia Federal (PF), na noite desta quarta-feira (3), no inquérito que apura interferência política dele na PF para blindar parentes e amigos. O depoimento foi tomado no Palácio do Planalto pelo delegado da PF Leopoldo Soares Lacerda.
Bolsonaro negou interferência na corporação, apesar da gravação da entrevista do dia 22 de abril do ano passado, em que ele afirmou:
“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro e oficialmente não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f… minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar. Se não puder trocar, troca o chefe dele. Se não puder trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira.”
À PF, Bolsonaro repetiu a alegação de que estava se referindo à segurança pessoal.
“Que há um pequeno núcleo do GSI sediado no Rio de Janeiro, responsável pela segurança do declarante e de sua família; Que esse núcleo do GSI é formado por servidores lotados e alguns comissionados; Que achava que esse trabalho poderia ser melhorado, principalmente no acompanhamento do seu filho Carlos Bolsonaro, residente no Rio de Janeiro; Que portanto quando disse que queria trocar gente no Rio de Janeiro referia-se a sua segurança pessoal e da sua família”, afirmou o presidente, segundo a PF.
Sobre a troca do então diretor-geral, Maurício Valeixo, em 2020, Bolsonaro justificou que havia “falta de interlocução”.
“Que confirma que em meados de 2019 solicitou ao ex- ministro Sergio Moro a troca do Diretor Geral da Polícia Federal (DPF) Valeixo, em razão da falta de interlocução que havia entre o presidente da República e o diretor da Polícia Federal. Que não havia qualquer insatisfação ou falta de confiança com o trabalho realizado pelo DPF Valeixo, apenas uma falta de interlocução”, registrou a PF no depoimento de Bolsonaro.
Demissão do ex-diretor-geral da PF e a demissão de Moro
A demissão de Valeixo detonou a crise que levou à demissão do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, em maio do ano passado.
Valeixo é homem de confiança de Moro e foi levado à direção da PF pelo ex-ministro. Quando Bolsonaro pediu a substituição, Moro, responsável pela PF, tentou evitar a troca, mas acabou pedindo demissão.
No dia em que anunciou a saída do governo, Moro relatou, em entrevista coletiva, que Bolsonaro tentava interferir politicamente na PF. Essa declaração levou à abertura do inquérito.
No mês passado, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu prazo de 30 dias para a PF tomar presencialmente o depoimento do presidente.
“Que nunca teve como intenção, com a alteração da Direção Geral, obter informações privilegiadas de investigações sigilosas ou de interferir no trabalho de Polícia Judiciária ou obtenção diretamente de relatórios produzidos pela Polícia Federal”, continua o registro do depoimento de Bolsonaro.
Moro não gostou do depoimento do ex-chefe à PF
Em nota divulgada na tarde desta quinta, a defesa do ex-ministro se disse surpreendida pelo fato de Bolsonaro ter sido ouvido no inquérito sem a presença dos advogados de Moro.
A defesa disse ainda que, quando Moro prestou depoimento, no ano passado, advogados de Bolsonaro estavam presentes e puderam fazer perguntas.
‘Trocar alguém da segurança’
O inquérito foi aberto pelo STF em abril do ano passado, a pedido da Procuradoria Geral da República (PGR) a partir das acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Segundo Moro, Moro diz que além da gravação da reunião ministerial, tem troca de mensagens entre ele e Bolsonaro que confirmariam a tentativa de interferência.
À PF, Bolsonaro disse que se referia à segurança pessoal.
“Que há um pequeno núcleo do GSI sediado no Rio de Janeiro, responsável pela segurança do declarante e de sua família; Que esse núcleo do GSI é formado por servidores lotados e alguns comissionados; Que achava que esse trabalho poderia ser melhorado, principalmente no acompanhamento do seu filho Carlos Bolsonaro, residente no Rio de Janeiro; Que portanto quando disse que queria trocar gente no Rio de Janeiro referia-se a sua segurança pessoal e da sua família”, afirmou o presidente, segundo a PF.
Quanto vale uma vaga para o STF?
Bolsonaro disse também no depoimento que Moro concordou com o nome para substituir Valeixo, o do delegado Alexandre Ramagem. Segundo Bolsonaro, Moro pediu que a nomeação ocorresse depois que o presidente indicasse o então ministro da Justiça para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Que ao indicar o DPF Ramagem ao ex-ministro Sergio Moro, este teria concordado com o presidente desde que ocorresse após a indicação do ex-ministro da Justiça à vaga no Supremo Tribunal Federal”, disse Bolsonaro.
Há alguns dias, sem saber que estava no ar, Bolsonaro deu uma “aula” sobre propina e disse como receberia dinheiro em caixas de sapato. Quando estava prestes a dizer “quanto custa uma vaga” no Supremo, percebeu que estava ao vivo e parou de falar repentinamente.
Após a divulgação do depoimento de Bolsonaro pela PF, Moro negou ter negociado a vaga para o STF.
“Não troco princípios por cargos”, escreveu.
“Sobre o depoimento do presidente da República no inquérito que apura interferência política na Polícia Federal, destaco que jamais condicionei eventual troca no comando da PF à indicação ao STF. Não troco princípios por cargos. Se assim fosse, teria ficado no governo como Ministro. Aliás, nem os próprios Ministros do Governo ouvidos no inquérito confirmaram essa versão apresentada pelo Presidente da República. Quanto aos motivos reais da troca, eles foram expostos pelo próprio Presidente na reunião ministerial de 22 de abril de 2020 para que todos ouvissem. Também considero impróprio que o Presidente tenha sido ouvido sem que meus advogados fossem avisados e pudessem fazer perguntas”, afirmou Moro.
Com informações do g1