Há um acirramento de violações e desrespeito aos direitos sociais, ambientais e econômicos em curso no Brasil. Essa é a conclusão do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, o GT Agenda 2030, que lançou nesta quinta-feira, 22/08, em Brasília (DF), o III Relatório Luz da Sociedade Civil da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável. Após a análise das 125 metas que compõem a Agenda 2030, experts e parceiros do GT mostram que o desafio que temos não é pequeno e tem se agravado.
O RL 2019 avalia que o governo federal tem acirrado os conflitos existentes, principalmente, na vida de mulheres negras, quilombolas e indígenas, sem apresentar soluções para pacificar o país. Tem diminuído a transparência e os espaços de diálogo; favorecido a forte tendência de judicialização como estratégia para a garantia de direitos e, no geral, mantido ou criado novas políticas contrárias ao desenvolvimento sustentável. A exemplo das edições de 2017 e 2018, a publicação analisa a implementação dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no Brasil a partir de dados oficiais.
Desta vez, a análise ganha ainda mais importância, pois o Brasil foi um dos 47 entes nacionais que haviam se comprometido a mostrar políticas nos setores social e ambiental durante o Fórum Político de Alto Nível (High-level Political Forum – HLPF 2019), ocorrido em julho em Nova York. Mas o governo federal desistiu de apresentar sua Revisão Nacional Voluntária. Como o HLPF é a mais alta instância das Nações Unidas para o monitoramento da Agenda 2030, o Relatório Luz 2019 se torna a principal fonte de avaliação sobre os avanços e desafios do país frente à agenda global de sustentabilidade no último ano.
Pobreza, fome, infraestrutura precária e desemprego
O RL 2019 resume o cenário atual: temos 15 milhões de pessoas em extrema pobreza, 55 milhões de pobres, 34 milhões sem acesso à água tratada, mais de 100 milhões sem serviço de coleta de esgoto e quase 600 mil domicílios sem energia elétrica. Quase 50% da flora está sob ameaça radical, o campo e a saúde se veem ameaçados pela liberação de 239 novos tipos de agrotóxicos. O cenário é tenso, com desemprego alto (13 milhões de pessoas) e persistente.
Alessandra Nilo, da Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero e Carolina Mattar, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), cofacilitadoras do GT Agenda 2030, que para reverter o quadro, é preciso a participação das juventudes, das populações afetadas pelos problemas e das organizações da sociedade civil, na definição das soluções. “Tais transformações são possíveis e esperamos que as mais de 150 recomendações apresentadas neste RL 2019 contribuam para construção desse país próspero e pacífico, que queremos ter no presente e no futuro”, concluem.
“As iniciativas ultraliberais e aquelas baseadas em fundamentalismos religiosos ganham força, apesar de serem comprovadamente ineficazes e danosas, em nada contribuindo para responder às atuais crises econômica, ambiental e social que dominam o país.”
Alessandra Nilo (Gestos) e Carolina Mattar (IDS)
Algumas análises do Relatório Luz 2019
Mariana e Brumadinho
Os desastres de Mariana e Brumadinho mostraram ao Brasil e ao mundo a importância da consolidação de indústrias resilientes e da industrialização inclusiva e sustentável, para que o país cresça com igualdade e promova o bem-estar efetivo de seus cidadãos. Para isso é necessário que sejam realizados novos investimentos em pesquisa e inovação, para que sobretudo se elimine erros do passado, se potencialize capacidades e o Brasil encontre seu caminho rumo a uma indústria mais verde, como prevê o ODS 9 – Inovação e Infraestrutura.
Mas antes, é fundamental avançar contra o processo de desindustrialização que o país tem vivido. A partir de abril de 2015, a produção industrial brasileira registrou quedas acentuadas, tendo alcançado a menor taxa, até que em outubro de 2016 houve uma tímida retomada do crescimento. No entanto, desde finais de 2018, a indústria voltou a sofrer uma dinâmica de queda. Entre março de 2011, quando a indústria alcançou seu nível mais elevado de produção, e março de 2019, a oscilação negativa foi de 17,54%, por consequência, o valor adicionado pela indústria e o emprego nesse segmento produtivo também diminuíram.
O estudo ainda chama a atenção para os retrocessos como o desmonte do Ministério do Meio Ambiente; a proposta de reforma da Previdência; a tentativa de usurpar os direitos dos povos originários e tradicionais; o pacote anticrime que agrava injustiças sociais e raciais; a liberação recorde de novos agrotóxicos; os cortes na educação e traz um estudo prático, que demonstra nosso distanciamento cada vez maior do plano de ação mundial que, compõe os ODS e, visa ao estabelecimento de um planeta melhor, mais igual e mais justo.
O caso analisado é o do desastre de Brumadinho, ocorrido em janeiro deste ano – acrescido do semelhante, registrado em Mariana – em 2015, ambos no Estado de Minas Gerais. Os especialistas apontam as consequências trazidas pelos dois rompimentos de barragens de rejeitos de minérios que ferem a cartilha do desenvolvimento sustentável defendida e assinada por 193 países, incluindo o Brasil, nas Nações Unidas em 2015.
Os dois desastres interferiram diretamente, de forma negativa, no avanço de quase todos os 17 compromissos estabelecidos na Agenda 2030, entre eles, os ODS 1, 2, 3, 5, 9, 11, 12 e 16. Além dos ODS 14 e 15, que tratam do uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos e do uso sustentável dos ecossistemas terrestres. E ainda os ODS 8 e 10, porque evidenciaram que o crescimento econômico pautado na grande mineração se provou destruidor dos seres humanos e da natureza, sendo incompatível com o planejamento para um mundo sustentável.
Responsáveis pelas mortes e desaparecimentos de 297 pessoas e um aborto, os estouros dos reservatórios espalharam lama contaminando as águas por quilômetros, causando impactos profundos e irreversíveis. No primeiro caso, o de Mariana – em 2015, foram 663,2 km atingidos, em 16 dias. O que permitiu que mais de 50 bilhões de litros, o equivalente ao volume de 5 lagoas da Pampulha, 20 mil piscinas olímpicas ou 2 bilhões e 500 milhões de garrafões de água mineral alcançassem o Oceano Atlântico.
No segundo caso, na Região de Córrego do Feijão, em Brumadinho, foram mais 17,3 milhões de metros cúbicos lançados na Bacia do Rio Paraopebas, uma devastação de 112 hectares de florestas nativas, o enterro de nascentes, cursos d’água e a contaminação com metais pesados (ferro, cobre, manganês e cromo) de um dos mais importantes mananciais da Região Metropolitana de Belo Horizonte, formador da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.

Local: Distrito de Bento Rodrigues, Município de Mariana, Minas Gerais. Foto: Rogério Alves/TV Senado

Catástrofe socioambiental provocada pelo rompimento de barragem da mineradora Vale em Brumadinho (MG) Foto: Vinícius Mendonça/Ibama
Desemprego e recessão
O Brasil segue em ciclo de crescimento econômico lento. O PIB cresceu pouco mais de 1% em 2017 e 2018, e recuou 0,2% no primeiro trimestre de 2019. Como a renda per capita permaneceu a mesma, a pobreza e a desigualdade aumentaram. A reforma trabalhista não gerou o prometido crescimento da economia, e a estratégia de um ambiente de competitividade baseado em baixos salários aprofunda a precarização dos(as) trabalhadores (as), dificultando o alcance do ODS 8 – Empregos Dignos e Crescimento Econômico.
A taxa de desocupação no primeiro trimestre de 2019 foi 12,7%, maior do que no trimestre anterior, de 11,6%, contabilizando 13,4 milhões de desempregados no país, em março. Aumentaram a informalidade, a terceirização, o trabalho intermitente e o volume de trabalhadores (as) autônomos (as) e tudo conjugado com discriminação de raça e gênero no mercado de trabalho, em especial sobre trabalhadoras negras. Quase metade (47%) das mulheres trabalhadoras não possui registro em carteira e um terço (35,5%) não contribui para a Previdência. Esse percentual sobe entre mulheres que recebem até um salário mínimo, que também são, majoritariamente, negras, segundo o Dieese, em análise de 2019.
Desigualdades acentuadas
As muitas barreiras nos campos social, econômico e ambiental fazem com que os 40% da população brasileira mais pobre não consigam crescer sua renda acima da média nacional, como previsto numa das metas do ODS 10 – Redução das Desigualdades. Desde 2015, o crescimento de renda da população mais pobre vem caindo e, na variação 2016/2017, os 40% mais pobres, na verdade, acabaram perdendo mais do que a média. Neste contexto, o impacto de gastos com saúde e educação é bem alto, cerca de 64% da renda para casais com filhos(as). Entre os 40% mais pobres, especificamente nas famílias compostas por mulheres com filhos(as), este gasto chega a 71%, segundo a Oxfam Brasil.
O índice de Gini do rendimento domiciliar per capita com trabalho chegou a 0,6259 no fim de 2018, no 16º trimestre consecutivo de aumento, maior patamar da série histórica iniciada em 2012. Por este instrumento de medida do grau de concentração de renda que aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos, quanto mais próximo de zero, mais próximo se está da igualdade. O cenário é tenso, com desemprego alto e persistente, principalmente entre pessoas menos escolarizadas. Mas o governo federal aposta na deseducação, incapaz de apresentar soluções que beneficiem o conjunto da população.
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Com informações do GT Agenda 2030