Marcado pelo agendamento do setor empresarial e do governo federal, o ano de debates e votações da Câmara dos Deputados agora analisa modificar o Estatuto do Idoso para excluir pontos da lei que protegem essa parcela da população contra os aumentos abusivos nos planos privados.
Nos corredores da comissão especial criada para debater o assunto, parlamentares começaram a discutir uma minuta sobre a mudança na lei, com a principal delas representada no parágrafo: “sendo permitida a aplicação parcelada do reajuste da última faixa etária após os sessenta anos”. Ocorre que o Estatuto do Idoso não permite aumentos por faixa etária a partir dos 60 anos, por isso, para alterar a regra seria necessário modificar a lei.
“Sob a aparência de um parcelamento, estará sendo permitido, na prática, o aumento periódico dos preços dos planos para os mais velhos, o que hoje não é admitido”, disse o professor Mário Scheffer, do departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo (USP) ao jornal Folha de S.Paulo.
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Na Câmara, o relator do projeto de lei que faz mudanças na Lei dos Planos de Saúde (PL 7419/06), Hiran Gonçalves (PP-RR), pretende apresentar seu relatório ainda neste ano, de acordo com informações divulgadas pela Agência Câmara de Notícias. A principal preocupação dos parlamentares socialistas é a emergência de mais uma pauta negativa para os brasileiros, num ano em que o Brasil declarou oficialmente “recessão econômica”.
De acordo estudo divulgado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Brasil, durante a pandemia de covid-19, houve diminuição de renda em quase metade dos domicílios dos idosos, principalmente entre os mais pobres, e o aumento de sentimentos relacionados à solidão e tristeza, sobretudo entre as mulheres. A pesquisa mostrou que 50,5% dos idosos trabalhavam antes da pandemia, dos quais 42,1% sem vínculo empregatício. Durante o período analisado, foi registrada queda na renda em 47,1% dos domicílios, sendo que 23,6% relataram forte redução e até mesmo ausência de renda.
“Seria um absurdo discutir o reajuste nos planos de saúde para os idosos, uma vez que o poder de compra das aposentadorias está muito reduzido, por conta da inflação recorde registrada no Brasil. Além disso, os maiores de 60 são as principais vítimas da COVID-19 e muitos deles necessitam de cuidados pós infecção, por conta das sequelas. Os usuários de plano de saúde são minoria no Brasil e esse acesso ficará ainda mais restrito se houver reajuste. Sou contra essa matéria”, analisa a deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA).
Para o deputado federal Camilo Capiberibe (PSB-AP), permitir o reajuste em qualquer modalidade de planos destinados ao público acima dos 60 anos afeta diretamente a pauta de direitos e garantias nacionais.
“É um absurdo. O direito aos cuidados com a saúde é constitucional, é um direito humano. A Câmara deve legislar para impedir abusos que visam tão somente aumentar os lucros das operadoras de planos de saúde quando as pessoas estão mais vulneráveis. E por outro caminho, ampliar os investimentos públicos em saúde e fortalecer o SUS, por que só o poder público vai garantir que essas pessoas sejam cuidadas na velhice – como já ocorre hoje, quando os planos se recusam a prestar os serviços. Para isso é preciso derrubar o teto de gastos e reinvestir os impostos em serviços à população brasileira”. Camilo Capiberibe
Para alguns parlamentares, a matéria não deverá prosperar na Câmara. “Se confirmada, a alteração é uma afronta à Constituição Federal. Enquanto outros países buscam se recuperar e se reconstruir da pandemia, o Brasil quer discutir um projeto excludente e preconceituoso. Vamos lutar para esse absurdo seja derrotado na Câmara”, explica Gervásio Maia (PSB-PE).
“Na minha opinião, além de inconstitucional, o que pode ser objeto de questionamento futuro no Supremo Tribunal Federal, uma proposta dessa natureza não tem chance de prosperar na Casa”, ressaltou Denis Bezerra (PSB-CE), que também falou sobre resistência à matéria em comissões permanentes.
“Apesar de ter apenas 5 anos, a Comissão do Idoso tem ganhado bastante força e vitrine, suficientes para criar uma mobilização contra retrocessos, inclusive com o apoio de deputados governistas sensíveis com a pauta. O governo atual já provou ter um desejo de atacar e destruir direitos dos mais vulneráveis”, finalizou o parlamentar.
Como são feitos os reajustes
Conforme explicou a gerente econômico-financeira e atuarial dos produtos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Danielle Rodrigues, durante reunião da comissão especial, os valores dos planos de saúde são reajustados de duas formas.
Uma delas é anual e leva em consideração a variação anual dos custos dos serviços contratados, independentemente do índice geral de preços. A outra é o reajuste de preço por faixa etária, sendo o último aumento cobrado aos 59 anos.
A diretora-executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Vera Valente, acrescentou que a inflação na saúde é três vezes maior que o índice geral de preços e acompanha tanto a alta dos preços como a frequência do uso dos sistemas, o que sofre impacto de mudanças demográficas e epidemiológicas, do uso de tecnologias da saúde e ainda de desperdícios nos sistemas público e privado.
“É um erro olhar os reajustes das mensalidades dos planos como causa do encarecimento dos serviços de saúde. Na verdade, eles são consequências. O plano não gera custos. Ele gerencia, administra e repassa aos beneficiários”, disse Vera Valente.
Ela observou, por outro lado, que os aumentos poderiam ser distribuídos ao longo do tempo, escalonando reajustes. Essa medida não pode ser aplicada porque o Estatuto do Idoso não permite aumentos por faixa etária a partir dos 60 anos. “Mudar essa regra poderia ser algo bom para todos.”
Autorreforma
No capítulo destinado à Reforma do Estado, o PSB defende que o acesso à saúde seja prioridade para o Estado, bem como a Educação. Além disso, o novo manifesto do partido prega o fim do sistema híbrido de saúde, priorizando recursos para o Sistema Único de Saúde (SUS).
4. É imperativo eliminar a privatização e a precarização do serviço público, notadamente na saúde e na educação
Entre as suas teses, defende a Seguridade Social deva ser aborda como instrumento de redução da desigualdade. A seguridade social compreende um conjunto integrado e ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
219 | O PSB defende que a Seguridade Social, como um conjunto integrado de ações de acesso e permanência universais, de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, está destinada a assegurar os direitos relativos à Saúde, à Previdência e à Assistência Social.
Com informações da Folha de São Paulo e agência Câmara de Notícias