
Bolsonaro visitou Natal, Rio Grande do Norte, na última quarta-feira (14) para realizar o que a campanha do atual presidente chama de motocarreata e um dos seus apoiadores locais, o deputado federal general Eliéser Girão Monteiro Filho, mais conhecido como General Girão, divulgou evento fazendo “piada” com uma referência de a campanha do atual presidente ser vinculada à Ku Klux Klan, organização supremacista branca que incendiava casa de negros nos EUA, além de os perseguir e matar. Seus militantes costumam usar vestes todas brancas cobrindo inclusive o rosto.
A suposta piada chama o evento de Cuscuz Clan, uma referência ao prato nordestino. O candidato pede para que os seguidores vistam verde e amarelo e lutem contra a fraude nas urnas. “Não Vote Nulo ou se abstenha, o Bem contra o Mal tem que se posicionar para o Bem do Povo e do Brasil, meu voto é no Capitão do Povo, até pq não voto em Ladrão e vou fazer tbm a do só voto em Candidatos que apoiam #Bolsonaro2022”.
Alusão a organizações criminosas na campanha é crime eleitoral e o candidato que a realizou pode ser punido pela justiça.
A Ku Klux Klan foi um movimento racista, antissemita e anticomunista que unia grupos reacionários sob a bandeira da “supremacia branca“, fundado no século 19 no Sul dos Estados Unidos.
Governo Bolsonaro flerta com o racismo
Não é a primeira vez que apoiadores de Bolsonaro acenam para o racismo. Em maio de 2021, no momento em que aparecia nas câmeras, o chefe da assessoria internacional da Presidência da República na época, Filipe Garcia Martins, fez com as mãos um gesto que parece remeter ao símbolo “WP”, em referência a lema “white power” (“supremacia branca”). O gesto feito pelo assessor parece ter como objetivo incitar grupos de supremacia branca, atitude conhecida como “dog whistle” (“apito de cachorro”, em português).
Leia também: Após gesto racista, MPF apresenta notícia-crime contra assessor de Bolsonaro
Pesquisadores que estudam as simbologias da extrema-direita alegam que o gesto vem sendo utilizado como uma mensagem codificada com o intuito de que membros de grupos racistas possam identificar uns aos outros. O gesto no Brasil também é associado a um xingamento obsceno.
Justificativa para gesto racista não é aceita
Para se justificar, o assessor usou uma resposta pronta, já que a forma como o gesto é feita se dá justamente para abrir margens a outras interpretações: “Estava ajeitando a lapela do terno”, disse.
Apesar da desculpa, as investigações concluíram que Martins fez, sim, um gesto com conotação racista. Por essa razão foi indiciado no artigo 20 da lei 7.716/1989, que prevê reclusão de uma a três anos e multa para o crime de “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Há, ainda, o agravante do artigo que prevê agravamento da pena, que pode chegar a 5 anos de reclusão, caso os crimes sejam cometidos através de meios de comunicação social, como foi o caso de Martins.
“Não foi coincidência”
“Ele [Filipe Martins] fez um sinal de supremacia branca enquanto arruma o terno. É muito difícil ele dizer que não sabe o que está fazendo. É um sinal de supremacia branca. É um sinal que é usado como senha em diversos grupos, como o Proud Boys”, disse à Revista Fórum a antropóloga Adriana Dias, que é doutora em antropologia social pela Unicamp, pesquisa o fenômeno do nazismo e atua como colunista.
Para o jornalista alemão Niklas Franzen, que atualmente escreve para veículos de Berlim, o gesto do assessor de Bolsonaro “não foi uma coincidência”. “Todo mundo viu que a intenção ficou clara, queria passar uma mensagem. Não foi a primeira vez que o Filipe Martins se pronunciou daquele jeito”, disse Franzen em entrevista à Revista Fórum, citando outros episódios parecidos envolvendo Martins como quando ele, por exemplo, postou em seu Twitter um dos lemas do grupo neonazista alemão Combat 18 – C18 ou 318 –, suspeito de envolvimento no assassinato de diversos imigrantes, negros e um político.
Supremacistas, extrema-direita e neonazistas
Segundo Niklas Franzen, que tem relação próxima com o Brasil e escreve regularmente para veículos brasileiros, “quando a gente discute sobre a extrema-direita, a gente tem que levar em conta que é uma tendência global”. “Mesmo com o fato de que a Alemanha tem leis mais rígidas [para coibir manifestações da extrema-direita], nós temos um movimento muito forte de neonazismo e especialmente de terrorismo neonazista”, revelou, citando casos recentes de ataques promovidos por grupos racistas e neonazistas contra imigrantes na Alemanha.
O jornalista analisa que as táticas que vêm sendo usadas pela extrema-direita ao redor do mundo são parecidas e que se refletem em gestos como o feito por Filipe Martins, que é um representante institucional. Ele citou o exemplo do AFD (“Alternative für Deutschland” – em português, “Alternativa para a Alemanha”), partido de extrema-direita alemão que tem representação parlamentar e cujo vários membros têm ligações com organizações neonazistas.
“Nós temos aqui um partido no parlamento, o AFD, que são ‘amiguinhos’ do Bolsonaro, há várias conexões entre o governo Bolsonaro e esse partido, que também faz as mesmas coisas que o Filipe Martins. Talvez não daquela maneira, mas eles sempre experimentam com os limites, para onde podem ir com suas falas e discursos”, pontuou.