Às vésperas do Carnaval, cidades Brasil afora tem adotado diferentes maneiras de lidar com a maior festa popular do país em meio a pandemia da covid-19. Um dado, no entanto, chama a atenção. Embora 24,5% dos municípios que participaram de um levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM) tenham cancelado eventos públicos, vão permitir eventos privados.
São Paulo e Rio de Janeiro estão entre as cidades que vão agir dessa maneira, com eventos em que os ingressos ultrapassam R$ 700. Tanto na capital paulista como no Rio o desfile das escolas de samba foi transferido para abril.
Por outro lado, em 46,1% dos municípios todos os tipos de eventos carnavalescos foram cancelados, a exemplo do Recife.
Outros 25,1% ainda não haviam batido o martelo até 17 de fevereiro, data que antecedeu a divulgação do levantamento pelo CNM.
A diferença de critérios para a liberação dos eventos tem gerado inúmeras críticas.
Para se ter uma ideia da movimentação de pessoas no período, o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Baixada Santista e Vale do Ribeira (Sinhores) prevê 84% de ocupação no período.
E a Associação das Agências de Viagens de Minas Gerais (Abav-MG) afirmou que passagens e hotéis em destinos tradicionalmente procurados pelos mineiros, como no Nordeste e na região dos Lagos, do Rio, e também no entorno de Belo Horizonte, como a Serra do Cipó, estão esgotados.
O pesquisador Milton Cunha, do Observatório do Carnaval do Museu Nacional/UFRJ, afirma que a liberação de grandes eventos e festas privadas enquanto os desfiles das escolas de samba estão suspensos é uma postura elitista.
“Entendo quando a autoridade bloqueia tudo. Liberar uns e não liberar outros mostra dois pesos, duas medidas. Você, artista popular, não vamos cantar a sua música, mas o bloco da cantora ‘tal’ está preservado e poderá ir à arena com milhares de pessoas, são os que podem pagar os R$ 100 de entrada, mais as bebidas. Que janela é essa que fecha para a exibição do artista popular, de comunidade, de escola de samba? É muito sintomático você ver que a branquitude pode e a negritude não pode”, afirmou Cunha ao Estadão.
Ele estudou o carnaval no mestrado, doutorado e pós-doutorado e popularmente é conhecido por ser comentarista de desfiles na televisão.
“Qual seria o contágio seletivo do carnaval da Sapucaí que não acontece na arquibancada na Fórmula 1, no show gospel? Qual critério científico para poder aglomerar e cantar para Jesus e você não poder cantar e dançar pra sua escola de samba? Que vírus é esse que reage de diferentes formas humanos para quem canta gospel e samba? É conversa para boi dormir”, questionou.